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sábado, 23 de novembro de 2013

Sugestão de leitura




Título: O Cortiço
Autor: Aluísio Azevedo
Editora: várias








Nem sempre autores falavam em seus livros de lugares que nunca foram (como Chico Buarque, no romance Budapeste) ou problemas dos quais não conheciam (os militantes modernos). Eles precisavam conhecer bem o tema que queriam retratar, a fim de traçar um panorama real e um retrato confiável em suas obras. Em uma época em que fotos eram artigo de luxo ou estavam engatinhando e o cinema estava longe de surgir, cabia à palavra escrita a responsável e árdua tarefa de descrever tudo quanto havia no mundo, desde a descoberta de uma terra desconhecida, um novo mundo, aos relatos da vidinha cotidiana. Desse modo surge O Cortiço, certamente um dos melhores livros da literatura brasileira.

Aluísio Azevedo era maranhense e, como era comum no Brasil do século XIX, morou e trabalhou durante algum tempo no Rio de Janeiro. Nessa época, o que já foi morro, periferia, e hoje é comunidade, antes havia sido cortiço – um conglomerado de pobres das mais diversas estirpes. Foi em um desses que Aluísio Azevedo alugou um quarto e morou durante certo tempo a fim de conhecer o modo de vida daquelas pessoas e descrevê-las com incomum acurácia. Influenciado pelo Realismo europeu e pela corrente positivista, o autor não poupou nos zoomorfismos, utilizando expressões e comparações com animais para ilustrar as ações dos personagens, sem contudo defendê-los ou acusá-los, mas apenas narrando seu modo de vida segundo uma visão de mundo. A descrição detalhada de Aluísio surpreende. O despertar no cortiço e a menarca de Pombinha são passagens antológicas que atestam essa característica na trama, cujo personagem-central é o próprio cortiço.

O livro inicia com a trajetória de João Romão, que passa de adolescente ajudante de taverna a dono de cortiço (e, por fim, integrante da alta sociedade carioca), através de uma sequência de trambiques, onde até mesmo falsifica uma carta de alforria para uma escrava que se torna sua esposa. Junto com o cortiço vêm dezenas de personagens, alguns com história própria, como é o caso de Jerônimo, Rita Baiana e Pombinha. Sobram ironias e críticas a uma sociedade ainda mais hipócrita que a atual. A narrativa deixa transparecer que o homem é moldado pelo meio em que vive, do qual não pode escapar, como bem preconizava o cientificismo da época.
Seguem alguns trechos da obra:

Desde que a febre de possuir se apoderou dele totalmente, todos os seus atos, todos, fosse o mais simples, visavam um interesse pecuniário. Só tinha uma preocupação: aumentar os bens. Das suas hortas recolhia para si e para a companheira os piores legumes, aqueles que, por maus, ninguém compraria; as suas galinhas produziam muito e ele não comia um ovo, do que no entanto gostava imenso; vendia-os todos e contentava-se com os restos da comida dos trabalhadores. Aquilo já não era ambição, era uma moléstia nervosa, uma loucura, um desespero de acumular; de reduzir tudo a moeda. E seu tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba sempre por fazer, ia e vinha da pedreira para a venda, da venda às hortas e ao capinzal, sempre em mangas de camisa, de tamancos, sem meias, olhando para todos os lados, com o seu eterno ar de cobiça, apoderando-se, com os olhos, de tudo aquilo de que ele não podia apoderar-se logo com as unhas.

***
Bertoleza também trabalhava forte; a sua quitanda era a mais bem afreguesada do bairro. De manhã vendia angu, e à noite peixe frito e iscas de fígado; pagava de jornal a seu dono vinte mil-réis por mês, e, apesar disso, tinha de parte quase que o necessário para a alforria. Um dia, porém, o seu homem, depois de correr meia légua, puxando uma carga superior às suas forças, caiu morto na rua, ao lado da carroça, estrompado como uma besta.
João Romão mostrou grande interesse por esta desgraça, fez-se até participante direto dos sofrimentos da vizinha, e com tamanho empenho a lamentou, que a boa mulher o escolheu para confidente das suas desventuras. Abriu-se com ele, contou-lhe a sua vida de amofinações e dificuldades. “Seu senhor comia-lhe a pele do corpo! Não era brinquedo para uma pobre mulher ter de escarrar pr’ali, todos os meses, vinte mil-réis em dinheiro!” E segredou-lhe então o que tinha juntado para a sua liberdade e acabou pedindo ao vendeiro que lhe guardasse as economias, porque já de certa vez fora roubada por gatunos que lhe entraram na quitanda pelos fundos.
Daí em diante, João Romão tornou-se o caixa, o procurador e o conselheiro da crioula. No fim de pouco tempo era ele quem tomava conta de tudo que ela produzia e era também quem punha e dispunha dos seus pecúlios, e quem se encarregava de remeter ao senhor os vinte mil-réis mensais. Abriu-lhe logo uma conta corrente, e a quitandeira, quando precisava de dinheiro para qualquer coisa, dava um pulo até à venda e recebia-o das mãos do vendeiro, de “Seu João”, como ela dizia. Seu João debitava metodicamente essas pequenas quantias num caderninho, em cuja capa de papel pardo lia-se, mal escrito e em letras cortadas de jornal: “Ativo e passivo de Bertoleza”.
E por tal forma foi o taverneiro ganhando confiança no espírito da mulher, que esta afinal nada mais resolvia só por si, e aceitava dele, cegamente, todo e qualquer arbítrio. Por último, se alguém precisava tratar com ela qualquer negócio, nem mais se dava ao trabalho de procurá-la, ia logo direito a João Romão.
Quando deram fé estavam amigados.
Ele propôs-lhe morarem juntos e ela concordou de braços abertos, feliz em meter-se de novo com um português, porque, como toda a cafuza, Bertoleza não queria sujeitar-se a negros e procurava instintivamente o homem numa raça superior à sua.
***

Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos saiam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das hortas.
O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras na venda; ensarilhavam-se discussões e resingas; ouviam-se gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sangüínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.

domingo, 10 de novembro de 2013

Perdemos a guerra

Má notícia para os amantes das belas-artes: seus dias (os delas) estão contados. Sim, esqueça a efervescência de novas telas, o arroubo de grandes poemas, a verve de eternas composições. Tudo isso é passado. Cabe a nós tão somente nos atermos ao legado dos gênios e mestres, não esperando nada daqui para a frente. Como disse o poeta: “o século está podre”. E esse em que estamos já nasceu em estágio avançado de putrefação. 

E não são apenas as artes que se esvaem em sangue. Os bons costumes também vão pelo mesmo caminho. Antes as pessoas lutavam para expressar sua sexualidade. Hoje elas brigam para expô-la. E do pior ponto de vista possível, sem qualquer busca por resultados justificáveis. Já não há mais idade para iniciação sexual. A inocência das crianças, antes tida como símbolo máximo da pureza, cantada em verso e prosa, caducou. Extinguiu-se. Adultos e infantes compartilham as mesmas indecências, embora essas últimas sejam dispensadas de demonstrar respeito e responsabilidade.

Essa geração, ao contrário de todas as outras, não renovou a arte. Ela a destruiu. Tem-lhe ojeriza. Os movimentos vanguardistas, que traziam em seu bojo o sopro de renovação, a ânsia por expressar seus sentimentos de outra maneira, minguaram. O que se percebe é uma apatia geral. Uma mediocridade que grassa entre os ditos artistas modernos.

E engana-se quem pensa que falo apenas da nata artística – aquela que constitui o panteão eterno da genialidade humana. Refiro-me a toda a gradação de qualidade de produções do gênero. Na literatura, há livros eternizados pelo modo como foram escritos, enquanto outros são sempre lembrados pela estória que carregam. Os livros de hoje são fáceis, não oferecem desafio intelectual algum, muito menos uma escrita elegante. E mesmo esses não encontram leitores ávidos, salvo raras exceções. As músicas populares destinadas às massas têm um muito curto prazo de validade, ao cabo do qual são totalmente esquecidas, e não há uma única frase que fique para a posteridade. Pintores não se esmeram mais. Rabiscam telas e as vendem por altos valores, ainda que não saibam do que se trata – por isso que a muitos desses quadros não foi possível ao autor dar-lhes nomes.

Não adianta rebelarmo-nos, bradar contra, achincalhar. Perdemos a guerra. Essa geração é composta de ignorantes, e na insipiência é que se sentem à vontade. Acham que construir um novo mundo é sepultar tudo o que veio antes deles. Desconhecem que toda grande nação tem por alicerce o saber dos antigos, sua herança intelectual, suas produções diversas. Eles acham que podem fazer melhor, mas o fato é que terminarão por reinventar a roda pelo simples fato de não saberem que ela já existe. Esse é simplesmente o maior retrocesso de todos os tempos.

E ai dos que se dedicam à árdura tarefa de criticar. Como uma pequena zebra em meio a leões, são perseguidos por tentarem julgar a qualidade do que se produz hoje. O liberalismo moral e estético não admite críticas. Ele apregoa que tudo o que se produz é bom, a partir de algum ponto de vista. Sob essa alforria irresponsável têm surgido toda sorte de pseudo-artistas, deturpando padrões e maculando as artes clássicas. Usam a arte, sem contudo a conhecerem ou fazerem parte dela, sem contribuírem nem um pouco com sua causa.

Mas acredito piamente nos ciclos. Creio que, assim como a rica cultura grega foi redescoberta nos anos negros da Idade Média, alguma geração futura remeterá aos grandes vultos que ora se dissipam em busca de justificativa para a humanidade. Oxalá ela possa reacender o espírito criativo e a inquietação estética que se encontra adormecida e desprezada. Enquanto isso, que ninguém se engane: perdemos a guerra, camaradas! Deixemo-nos silenciar e nos saciarmos nas poucas representações realmente verdadeiras que ainda surgem de quando em quando, tímidas, às escondidas, temendo a repreensão da turba ignorante. Desejemos sorte para os que vierem depois de nós. Que eles possam reverter esse quadro. À morte digna, companheiros!

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Caiu na net

Não basta esbravejar contra quem divulga vídeos íntimos na Internet, prejudicando outrem. É necessário conscientizar as pessoas de como podem ser corresponsáveis através de seus deslizes.



Há alguns dias vi, em uma rede social, uma postagem de alguém em apoio a uma jovem chamada Fran. Na verdade, era uma replicação de um blog de outra pessoa. Como não sabia do que se tratava, busquei mais informações. Tratava-se de mais um desses casos conhecidos como “caiu na net” – fotos ou vídeos íntimos (a maioria de relações sexuais) que são postados na Internet, normalmente contra a vontade de ao menos um dos protagonistas. Esse em particular ficou conhecido devido ao fato de ter se tornado “meme” – ideia que se espalha rapidamente através da Internet –, pois, em um dado momento do vídeo, a jovem mencionada anteriormente faz um sinal (incomum para a ocasião) com a mão, parecido com o sinal de “ok”. A propósito, as pessoas que lhe prestavam apoio na Internet repetiam o gesto que a tornou conhecida.

Casos semelhantes não faltam na grande rede. A maioria com o mesmo fim: quem tem o vídeo divulgado abandona emprego, para de sair de casa, muda de cidade – um caso recente culminou em suicídio. Um transtorno para ela e para a família. Normalmente a vítima é uma mulher. As razões variam: vingança, câmera ou aparelho celular roubado, arquivos copiados sem autorização por terceiros, etc. Há sites especializados apenas nesse tipo de material, e há pessoas fascinadas por ele devido ao realismo, bem diferente das filmagens pornográficas realizadas em estúdio. Faixa etária e posição social dos vitimados são as mais diversas possíveis. Algumas fotos/filmagens são realizadas de comum acordo (aparentemente a maioria), outras sem consentimento. Enfim, há de tudo.


O vídeo citado no início do texto não traz nada de novo, mas como tornou-se conhecido, é um bom mote para tratar do tema. Em primeiro lugar, é desnecessário dizer que, nos casos onde alguém deliberadamente divulga um vídeo desse tipo sem o consentimento de quem está nele exposto, com a finalidade de prejudicá-lo, não pode ser classificado como menos que mau caráter. No limite, como criminoso, um sociopata. Mas essa não é a abordagem que pretendo aqui, até mesmo porque para isso existem inúmeras pessoas que não se cansam de fazê-lo. Meu objetivo é analisar um outro aspecto de tais casos. Afinal, bradar contra todo culpado que surja para cada novo caso não é de modo algum produtivo. O bom é utilizar a inteligência e extrair algo útil dessa questão.


Quando as populações europeias da Idade Média começaram a melhorar de vida através da circulação do dinheiro, os bancos, então já existentes, prosperaram. O capital financeiro era importante demais para ser guardado em casa ou circular com seu dono pelas ruas e estradas, sujeito a saqueadores. Hoje isso continua uma verdade, tanto que dispomos de modernos substitutos das cédulas e moedas, como cheques e cartões de crédito. O dinheiro é algo trabalhoso de se conseguir (ao menos para a maioria das pessoas) e valioso o suficiente para que as pessoas evitem expô-lo ao risco de o perder. Alguns o entregam aos bancos, enquanto outros o empregam em negócios financeiros. E esse cuidado não se restringe apenas ao pecúlio, mas a toda sorte de bens. Alguns bancos abrigam joias, documentos, objetos raros, entre outras coisas, todas com valor para seus donos.


Infelizmente, não podemos guardar bens intangíveis nos cofres fortificados dos bancos. Esse tipo de bem exige outro tipo de tratamento e segurança, que cabe quase exclusivamente a nós e a uns poucos a quem os confiamos. Honra, lisura, caráter, fama, prestígio, confiança. São valores construídos com esforço e que podem ser facilmente destruídos. Basta um passo em falso. Embora haja uma tendência crescente de exposição da sexualidade, através de festas como bailes funks, a verdade é que a intimidade permanece como parte da identidade de um indivíduo que ele prefere manter entre quatro paredes. Seu comportamento durante o ato sexual não é algo que deva ser devassado, sob risco de trazer graves consequências e ignomínia, talvez irremediáveis. Sendo assim, talvez seja o caso de nos acercarmos dos maiores cuidados possíveis a fim de preservar nossa imagem.


O grau de liberdade sexual que vimos experimentando década após década dá margem para que pessoas que se sentem excitadas ao fazerem sexo frente a câmeras possam gravar a si mesmas, livres de qualquer dilema moral. No entanto, deve-se atentar que esse fato, a princípio simples e desprovido de riscos, pode-se constituir em prova ou elemento de chantagem que será utilizado contra seu autor. Por isso, duas medidas importantes devem ser tomadas quando se praticar tal atividade.


A primeira delas é mais que óbvia: a escolha do parceiro. Deixar-se filmar em um encontro de sexo casual com um desconhecido é assinar um cheque em branco – claro, e você apenas ponderará a respeito se estiver minimamente sóbrio. Gravar um vídeo com um companheiro de tempos e relação estável também não é garantia de tranquilidade eterna. Como dito antes, a divulgação intencional a fim de prejudicar outrem só pode ser perpetrada por pessoas muito más e/ou doentes. A questão – e se você for minimamente sincero irá concordar – é que esse tipo de homem (foco no gênero masculino devido a ser ele o principal divulgador desse tipo de vídeo) desfruta de grande prestígio entre as mulheres – e há estudos científicos que buscam explicações para esse incômodo fenômeno. Como nossas mulheres ainda vivem a ilusão do amor romântico, onde elas criam um perfil de homem ideal e o preenchem com qualquer um, passam então a ignorar propositadamente tudo que não se encaixa no personagem criado mentalmente – porque o mais importante é a relação, e não o companheiro. Ora, ninguém é mau uma única vez na vida, ainda mais com um ato tão hediondo. As pessoas dão demonstrações várias e repetidas de seu caráter, mas compete a quem quiser vê-los enxergar. Tudo bem que aparências enganam (o risco sempre haverá, mas o importante é tentar mitigá-lo ao máximo), mas encher-se de toda a ingenuidade do mundo e registrar algo tão íntimo e com alto poder devastador com um parceiro arriscado não ajuda em nada. É preciso analisar o que vale a pena.


O segundo cuidado que se deve ter é com o conteúdo registrado. O que fazer com ele? Onde guardá-lo? E por quanto tempo? Mesmo nos casos em que se obsevou o primeiro aspecto (o do companheiro), nada garante que o vídeo vá ao ar pela ação de terceiros. Há muitos displicentes que copiam esse conteúdo para computadores do trabalho, onde pode ser copiado indiscriminadamente, ou enviam seus notebooks para manutenção sem tomar qualquer cuidado. Classificar isso como irresponsabilidade é dizer pouco. É não atentar para o potencial devastador de sua divulgação, colocando a vítima lado a lado com o criminoso, em nível de delinquência mental. Deve-se criar a cultura e a consciência de que isso é arriscado e cuidados devem ser tomados a fim de não se ver em uma situação indelicada como tantos outros mundo afora.

Concordo que é válido lutar pelo extermínio dessa prática, assim como também o é defender o fim de roubos, assassinatos, estupros, preconceito, etc. São desordens que estão com a humanidade desde os tempos imemoriais e não têm pressa nem previsão de irem embora. Até lá, é mais prudente adotar uma postura pragmática que surta efeito a curto prazo, em vez de tentar atingir um inimigo quase invencível.


O pai de Sidarta Gautama – hoje conhecido pelo nome de Buda – sabia que o mundo era mau, por isso mantinha o filho trancafiado dentro dos muros do palácio, a fim de não tomar conhecimento da miséria do mundo. Mas como esse modelo era insustentável, um dia o jovem saiu e ficou chocado com o que havia lá fora, pois não fora preparado para isso. Felizmente, ele encontrou seu caminho e é hoje admirado – e seguido – por milhares de pessoas. Embora a maioria dos militantes e simpatizantes se condoam dos que passam por tal abuso, não adianta querer mudar o mundo a fim de protegê-los. O caminho seguro é ensiná-los os perigos do mundo para que nunca caiam neles.