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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O fim do rock?

O mais famoso evento de rock do Brasil demonstrou um enfraquecimento na aceitação do estilo. Por acaso é o fim do rock?


Há poucos dias ocorreu o famoso festival de rock do Rio de Janeiro. Além da divulgação que não foi das melhores, um fato surpreendeu a muita gente: a ausência de rock – teoricamente, o carro-chefe do evento. Em edições anteriores já havia ficado claro que o nome do evento é uma marca (e valiosa!), não importa o que aconteça. O evento já ocorreu, com o mesmo nome, em locais variados ao redor do mundo, gerando estranheza do público brasileiro. Também houve vezes em que artistas que passam longe do gênero ostentado no nome do evento se apresentaram no palco principal, gerando inclusive protestos do público, que arremessaram lixo contra o cantor. Mas isso foi apenas o começo das dores.

Nessa última edição, algo inadmissível (pela lógica simples) ocorreu: não houve uma única banda de rock no dia de abertura do festival – descontando a homenagem a Cazuza. E isso se seguiu por alguns dias. Na prática, apenas em uns três dias (com muita boa vontade) houve apresentações de rock. Nos demais, o pop reinou, além de outros estilos. Parece que onde mais se tocou rock foi (ironia!) no palco “alternativo” (termo engraçado para um evento cuja própria temática é vista como alternativa). Sepultura e Dr. Sin tocaram lá. Para quem é atento, isso leva a uma reflexão.

O rock, de modo (bastante) simplificado, é a fusão do blues (e suas variações, como o rhythm'n'blues) com o country – um elemento negro e um elemento branco. Suas origens estão envoltas em incertezas (por exemplo, não há consenso sobre qual foi a primeira música gravada do gênero), mas, pouco tempo após sua aparição, nos idos da década de cinquenta, ele tem sido associado a contestação, a pessoas inconformadas ou que são contra o sistema em que vivem. O rock não foi somente um estilo musical novo e surpreendente (devido a sua pulsação forte e dançante). Ele definiu um estilo de vida (basta lembrar do slogan “sexo, drogas e rock'n'roll”), lançando tendências de moda, comportamento e cultura. Ele foi o responsável por catapultar ao estrelato mundial diversos jovens (alguns dos quais morreram no auge da fama e em decorrência dela) e tem sido a porta de entrada de tantos outros para o mundo da música. O estilo nasceu nos Estados Unidos, mas desde seus primeiros passos a Inglaterra tem roubado a cena. O rock se diversificou e se desdobrou tanto que é necessária uma verdadeira enciclopédia para conhecer suas variedades. Seus exímios instrumentistas atraem a atenção do público e da crítica especializada. Foi o primeiro movimento musical de proporções planetárias, em uma indústria fonográfica incipiente. O rock mudou o mundo.

Esse abalo não poderia deixar de chegar ao Brasil. Surgiram por aqui algumas bandas (e, em menor número, solistas) dispostas a serem representantes do estilo em terras tupis. Mas a cena musical no Brasil é tomada por uma malemolência generalizada e o rock por aqui apresentou apenas um resquício da energia explosiva original (quando os músicos do Sex Pistols estiveram aqui e foram levados por fãs entusiasmados de Raul Seixas a uma apresentação do cantor, os rockeiros acharam que devia ter alguma coisa na letra responsável pelo sucesso, pois não curtiram o som propriamente dito). Ainda que bandas como os Beatles tenham várias músicas com uma levada pop, o ritmo é bastante enérgico, coisa que fica a desejar por aqui. Com o rock internacional buscando caminhos cada vez mais agressivos (culminando aparentemente com o death metal), o Brasil afasta-se cada vez mais do estilo, porque, essencialmente, brasileiro não curte rock. Para uma nação onde até a universal “parabéns pra você” é agitada demais, não há lugar para um estilo com tantas propostas. Ajuda o fato de nosso povo não ter nem ao menos parcos conhecimentos musicais, e esconder isso usando a justificativa de que não aprecia uma determinada música por conta da letra. Esse é um dos motivos pelos quais um evento de fama internacional, com o objetivo único de tocar rock, não se sustenta aqui, sob o risco de ter um público minguado.

Mas não é apenas o Brasil que parece se enfadar do rock. Desde o ocaso do grunge (de acordo com alguns, o último grande movimento do rock, capitaneado pelas bandas Nirvana e Pearl Jam), não tem havido uma grande novidade no gênero. Cada vez mais os fãs se voltam para os ícones do passado, tomando-os por referência de bons tempos. Talvez estejamos vivendo a era do declínio do rock. Embora para muitos isso possa ser uma péssima notícia, não podemos dizer que seja inesperado. A história é feita de ciclos, alguns que se alternam e alguns que dão lugar a outros ao se recolherem a um certo esquecimento. Reinos caem, tecnologias se defasam, teorias são contestadas, estilos musicais saem de evidência. O mundo é assim.

A música clássica reinou durante séculos antes de ser suplantada pela música de apreço popular. O jazz ameaçou dominar o mundo, e hoje temem que tenha acabado. Seria ilusão acreditar que o rock duraria para sempre. Não que ele será extinto. A música clássica ainda está aí e é fácil encontrarmos bons eventos de jazz em diversos recônditos. O que acontece com os gêneros é saírem de evidência – do mainstream. Assim são todos os movimentos estético-artísticos. O Romantismo não aniquilou o Barroco. Ambos coexistiram. Da mesma forma, o Modernismo não enterrou o Realismo. Há contemporaneidade entre as escolas. O que ocorre quando há uma perda de interesse do público por um determinado movimento é que não surgem mais grandes nomes naquela área – ou ficam para sempre obscuros. Os gênios pregressos são imortalizados e formam-se pequenos grupos que os veneram. O rock parece caminhar nessa direção. Se for, tornar-se-á apenas um estilo a ser revisitado quando alguém achar conveniente.
 
O pop é o estilo do momento, no qual a poderosa indústria do entretenimento está apostando suas fichas. De produção musical fácil, conta como trunfo apenas a personalidade do artista para cativar o público. Na verdade, esse é um novo pop. Não se pode comparar o pop atual com o pop da década de oitenta, quando Michael Jackson ensinou o que é usar os recursos tecnológicos para fazer música duradoura, aliados a talento incomum e exuberantes performances sob os holofotes. Agora que os caminhos das pedras estão revelados e a estrada para o sucesso pop está pavimentada, massificou-se a feitura de novos artistas. O quanto cada um irá durar é a grande questão. A indústria da música cada dia mais se torna poderosa e determina padrões de sucesso, escolhendo o que irá ser ofertado ao público e o que não será. Sem dúvida isso afeta a liberdade dos artistas e diminui o seu espaço nas gravadoras. O efeito colateral disso é a queda de originalidade, espontaneidade e qualidade no meio musical massificado, produzindo desestímulo nos músicos aspirantes a boas oportunidades através de propostas inovadoras e virtuosismo. E a maior preocupação, para aqueles que ainda acreditam na música, é se essa era deixará algum legado.

O rock seguirá vivo e estridente, mas agora longe das rádios, trilhas sonoras de produções de cinema e grandes palcos internacionais. Cada vez mais isolado, tornar-se-á mais uma filosofia de vida que uma preferência musical. Os garotos que sonham em ser guitar heroes estão fadados ao insucesso ou à pouca evidência. O rock agora é um senhor de meia-idade e um pouco gorducho, mas com vasta e inegável experiência de vida. Mas não faltará quem o toque em reuniões específicas para isso, reunindo adeptos que compartilham o gosto por esse estilo que foi tão importante na música e na cultura ocidental.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A Internet e a escrita

A linguagem específica da Internet é vista por muitos como uma ameaça à língua vernácula. Será que há motivos para tanta preocupação?


Qualquer um que já tenha utillizado a Internet (principalmente redes sociais e comunicadores instantâneos) se deparou com um tipo de escrita diferente. São palavras abreviadas ou escritas de outra maneira; expressões próprias e gírias que só existem ali; símbolos pictóricos e agrupamentos de caracteres que traduzem sentimentos. As regras gramaticais não poucas vezes são desprezadas – ultrajadas, para tristeza de muitos. Às vezes é possível vermos essa nova linguagem fora do contexto em que nasceu, estampando inclusive outdoors (a meu ver, algo não muito inteligente). Naturalmente, essa forma de expressão acumula tanto críticos como seguidores. Os críticos acusam seus seguidores de ameaçarem o bom uso da língua, enquanto estes a consideram adequada para os novos meios de comunicação. Será que um dia entrarão em um acordo? Quais são as peculiaridades por detrás desse fenômeno?

a linguagem eh uma das principais faculdades humanas, e, embora nao seja propria de nossa especie - varios animais a possuem -, apenas o homem detem a capacidade de articular os sons de modo verbal para transmitir uma imensa variedade de ideias. ñ se sabe qnd o homem passou a utilizar palavras para se comunicar, mas suspeita-se fortemente que o inicio do registro dessa linguagem em um meio fisico ocorreu pela primeira vez na mesopotamia dos sumerios. esse acontecimento foi tao notavel e considerado tao importante q constitui o marco de transicao entre a pre-historia e a historia. a partir do registro da escrita em tabuas de argila cozida, o homem pôde perpetuar sua historia, mesmo q naum tenha sido essa sua intencao. hj, com o desvendamento do significado dos simbolos q os primeiros povos utilizavam, tomamos conhecimento de seu modo de vida.



essa primeira forma de escrita ficou conhecida como escrita cuneiforme, pois seu aspecto exterior era anguloso (em forma de cunha). era registrada sobre tabuas de argila q eram depois cozidas a fim de solidifica-las para q a escrita n fosse mais alterada. tempos depois, os egipcios passaram a utilizar uma planta (o papiro, q originou o termo "papel") para a confeccao de um meio de suporte nao-rigido onde se pudesse escrever. seculos depois, ja na idade media, alguns povos passaram tb a utilizar peles curtidas de animais com o mesmo intuito (os pergaminhos), pois o papiro, por ser importado, tinha o preco elevado. cada um desses meios exigia um tipo de instrumento diferente para se escrever, adequado às caracteristicas desse meio. assim, para se escrever em papiro, era utilizado um caniço de junco, enquanto nos pergaminhos passou-se a utilizar pena de ganso. os chineses valiam-se de pinceis e tinta de altissima qualidade, a famosa nanquim. assim, cada material de suporte - incluindo sua inclinacao e a posicao do escriba - propiciava um determinado tipo de escrita. a escrita cursiva (letras ligadas) foi desenvolvida por varios povos com o objetivo de agilizar o processo de escrever, uma vez q nao era necessario levantar o instrumento do meio de suporte.



o fato eh que o meio sempre determinou a escrita. e isso nao apenas no quesito forma, mas tb no vernaculo. como o meio era bastante caro, os escribas (trabalhadores responsaveis por copiar os livros da epoca) mtas vezes abreviavam palavras a fim de economizar espaco (e tb tempo). desse modo, mtas abreviacoes utilizadas na epoca tornaram-se palavras com o decorrer do tempo. algo parecido parece estar ocorrendo agora. com o advento da internet, o fator crucial nao eh mais o meio (q passou a ser intangivel, embora, em algumas circunstancias, finito - qtd limitada de caracteres em determinados contextos), e sim o tempo. em um mundo acelerado, onde as informacoes sao divulgadas o mais rapido possivel e decisoes tomadas o qto antes, o uso de uma linguagem que favoreca uma escrita mais agil ganha impulso - nao eh dificil associar esse fato com a taquigrafia.



as linguas sao mutaveis. o proprio portugues eh derivado do latim - ainda por cima, da variedade vulgar (a versao classica eh a q hj conhecemos como lingua morta), q era justamente a variacao nao registrada atraves da escrita. o advento da escrita desacelerou as modificacoes naturais decorrentes do uso da lingua, mas nao as estagnou. na epoca em q apenas os escribas e os sacerdotes eram letrados, o homem comum usava livremente a lingua, alheio de regras e normas de uso. o resultado disso foram os desdobramentos sofridos pelas linguas antigas, hj extintas (o proprio latim originou mais de dez idiomas). com o processo de alfabetizacao promovido pela reforma protestante, o acesso à leitura foi disseminado, retardando as mudancas nas linguas. mas eh facil perceber q esse processo nao esta estancado.



ñ se pode dizer que nossa lingua oficial, hj, sofre grande ameaca. eh uma minoria q se vale desse novo linguajar, e o reflexo das mudancas verbais ou as novidades lexicas custam a serem incorporadas à gramatica normativa. mas nada impede q mtos termos do "internetiques" (como alguns chamam a linguagem da rede), hj de uso inadmissivel em documentos formais, venham a se tornar de uso corrente daqui a alguns anos, qnd a proxima geracao (os filhos das atuais criancas) for adulta. para isso, tb devera ocorrer o processo de consolidacao dos novos vocabulos (por ex., o atual "não" pode ser escrito de varias maneiras: n, ñ, nao, naum). caso isso se concretize, nosso idioma agregara caracteristicas de linguagens semiticas (como o fenicio e o hebraico antigo): ausencia de vogais, em termos como "tb", "qtd", "qnd".



pra quem pensa tratar-se de um modismo brasileiro, cumpre observar que outros idiomas estao sujeitos à mesma questao. os nativos de lingua inglesa chegam a mesclar letras com numeros e utilizar vogais para substituir palavras inteiras. eh o caso de frases como "i love u", "u 2", "4 u", "gbu" (god bless you), entre outras.



outro aspecto q incomoda os puristas eh o uso de emoticons - combinacoes de caracteres graficos q representam expressoes humanas ou outras, à semelhanca dos smileys. eles complementam o texto, sugerindo o estado de animo do interlocutor q os utiliza. embora seja dificil imaginar q um dia eles serao aceitos em textos formais, basta lembrar q os sinais de pontuacao q utilizamos surgiram para cadenciar o ritmo do texto, indicando tb expressoes como questionamentos e surpresa. talvez hj esses sinais ja nao sejam suficientes, dando margem para o uso de simbolos q traduzam melhor oq o redator deseja exprimir.



A Sociolinguística nos ensina que a variação prenuncia a mudança. Palavras como “froco”, “cousa” e “jaboti” caíram em desuso, dando lugar às variantes que hoje conhecemos como forma correta. Se o internetiquês terminará por invadir a norma culta, não sabemos, mas não deveríamos nos espantar se isso ocorrer, afinal, a história nos ensina isso. O fator crucial que concorre para isso é o tamanho do público que conseguirá compreendê-la, pois o grande objetivo de qualquer língua é a comunicação. Os adolescentes e jovens de hoje (e muitos adultos) já não conseguem compreender um texto literário de cinquenta anos atrás – e o principal motivo disso é o baixo nível cultural, e não as variações do dialeto. Esse mesmo público, cada vez mais, apenas consegue se expressar através da nova linguagem, para desespero dos profissionais do ensino de línguas. Embora seja preocupante que, em pleno século XXI, o desconhecimento seja um agente de mudanças na língua, não se pode classificar esse cenário como um campo de batalha. A língua sempre se adapta ao uso de seus usuários. Para os falantes renitentes ao novo uso, vale lembrar o conceito de inteligência de Piaget: “inteligência é adaptação”.

domingo, 15 de setembro de 2013

Sugestão de filme




Título: O Mestre das Armas (Fearless)
Diretor: Ronny Yu
Elenco principal: Jet Li, Dong Yong e Betty Sun
Ano: 2006







Há muitas pessoas que torcem o nariz para filmes de artes marciais. É claro que se trata de uma escolha, mas o ideal é que uma escolha desse porte não seja tomada com base em falsas premissas, afinal, pode-se criticar o que quiser, desde que se tenha conhecimento de causa para fazê-lo. Embora haja, de fato, maus filmes de artes marciais, muitos inclusive que apresentam seus personagens realizando movimentos fisicamente impossíveis – o que, curiosamente, não impediu que um desses filmes tenha sido agraciado na premiação do Oscar* –, alguns são dignos de nota, seja pelo roteiro, seja pelas cenas de luta. O Mestre das Armas se sobressai em ambos os aspectos.

Estrelado por Jet Li, que dispensa comentários – provavelmente o maior ator de artes marciais da atualidade (embora ele tenha afirmado que esse foi seu último filme do estilo) –, o filme faz alusão à vida de Huo Yuanjia, um chinês que viveu entre os séculos XIX e XX e considerado herói nacional. Ele foi responsável por divulgar as artes marciais de seu país quando a soberania chinesa estava sendo abalada pela invasão estrangeira, através da abertura de escolas de treinamento e demonstrações de superioridade das artes marciais chinesas em combates com representantes de outros estilos de luta de outros países. O filme não faz um retrato fiel da vida de Huo Yuanjia (até mesmo porque, uma vez que a mesma está envolta em lendas, isso seria uma tarefa difícil de realizar), o que lhe rendeu críticas e um processo por parte dos descendentes do Yuanjia real, mas não deixa de contar a essência de sua importância. A licença poética de que se vale o diretor é a mesma que distorce as histórias das HQs ao serem adaptadas para o cinema.

Quando criança, Yuanjia era uma criança doente, proibida por seu pai de praticar o estilo de luta da família – wushu. Após perder vergonhosamente uma luta para outra criança com aproximadamente a mesma idade, promete nunca mais perder para ninguém. O enredo é adiantado em alguns anos, indo encontrá-lo já adulto e com uma filha e aclamado como o melhor lutador da região, a quem vários desafiantes corriam a enfrentá-lo. Inconsequente de seus atos, Yuanjia comete um grande erro que, por sua vez, incorre em uma grande desgraça em sua vida. Atordoado pelos acontecimentos, vagueia até encontrar um povoado rural onde passa alguns anos e aquieta seu ímpeto por combates, passando a admirar a grandeza das pequenas coisas. É quando decide retornar a sua província natal.

Lá chegando, não reconhece a cidade que deixou para trás, agora invadida por imigrantes e costumes estrangeiros conflitantes com os costumes tradicionais chineses. Mas algo chama sua atenção: uma matéria em um jornal onde um lutador de luta-livre desafia os lutadores chineses, apelidando-os de “homens doentes da Ásia”. Yuanjia o enfrenta e o vence, elevando a moral nacional. Indignados, os dirigentes estrangeiros promovem um torneio onde Yuanjia tem de enfrentar quatro oponentes de diferentes estilos e armas de luta. Esse é o cenário de início e fim da produção, que é contada em flash back (retrospecto).
 
Para os aficionados da sétima arte, O Mestre das Armas talvez não seja de grande interesse, mas para o espectador médio, preocupado apenas em lazer de boa qualidade, ele oferece um bom retorno. O Yuanjia do filme é um lutador inveterado que vê na luta um fim em si mesmo, mas, ao modificar sua conduta em consequência de seus atos, percebe que deve existir algo maior que justifique o uso da força – em seu caso, a soberania da nação. Apesar do nome completamente equivocado e incoerente do título em português – o original é Fearless (destemido) – e de não contar a história do Yuanjia real, o filme conta a história de um homem que aprende, a partir de seus erros, os valores da vida que devem balizar nossas ações e legitimá-las. E isso é uma verdade universal.


* O Tigre e o Dragão (melhor filme estrangeiro, melhor fotografia, melhor direção de arte e melhor trilha sonora)

domingo, 8 de setembro de 2013

Pais

Os pais constituem uma das maiores fontes de influência na vida dos filhos. Pena que nem todos têm consciência disso


Há uma corrente filosófica bastante comum que afirma que o homem é um produto do meio. O filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau acreditava que o homem é essencialmente bom, mas a sociedade o corrompe – caso dos que se tornam maus. Obviamente, o comportamento do ser humano não pode ser determinado assim de modo tão cartesiano e por apenas um fator, mas por uma intrincada relação de variáveis, em graus diferentes e influência relativa às predisposições individuais. Acredito que o homem tem uma inclinação para o mal – vide o fato de ser mais fácil para as crianças aprenderem coisas ilícitas que construtivas, além de haver mais mal que bem no mundo –, mas que sua conduta decorre de dois fatores: sua índole e as pessoas que o influenciam. Dentre as últimas, creio que os pais são os principais representantes, com quem a criança passa os primeiros momentos de sua existência, aprendendo coisas que levarão para o resto da vida. Essa afirmação não é baseada em suposições ou teorias. O que me faz afirmar isso é o exemplo que tive. Meus pais foram a grande influência de minha vida e certamente sou o reflexo dos valores que me ensinaram. 

Nasci e cresci em um dos bairros mais violentos e pobres de uma das cidades mais violentas do mundo. Estatisticamente, poderia não estar vivo, ou deveria viver à margem da sociedade, ocupando uma posição social invisível. Probabilisticamente, não deveria ter nível superior, ser cidadão de bem, nem ter ascendido socialmente. Em meio a todos os fatores que me impediram de seguir o destino comum às pessoas que conheci no meu bairro, a educação que recebi de meus pais foi preponderante. Quando falo em educação não me refiro a ensinamentos do tipo que recebemos na escola (que, da forma como a escola os ministra, pouco se aplicam à vida), mas aos preceitos que norteiam nosso modo de viver como um todo. Meus pais eram pessoas simples, conservadoras, praticamente sem instrução, tentando criar os filhos num meio onde a facilidade para o mal, o crime e o vício estava à distância de uma casa apenas. Conseguiram salvar os quatro filhos, e isso vale mais que a maioria dos discursos de psicólogos modernos que não têm filhos e creem poder dar conselhos a jovens pais.

Aprendi diversas coisas com meus pais, direta ou indiretamente. Uma das mais importantes é que, mesmo sem instrução formal, é possível ter bom-senso, ser justo, honesto e responsável, além de possuir sabedoria. Os estudos nos auxiliam a alcançar essas qualidades, mas não são o único caminho até elas, tampouco garantem que todos que por ele sigam as adquiram. Não são poucos os tiranos que ostentam títulos e diplomas, justamente por não terem encontrado o caminho da ética através do conhecimento. 

Aprendi também que animais sentem e sofrem, portanto, não devemos maltratá-los. Mas sentem e sofrem ainda mais os seres humanos que estão abandonados pelas ruas, com a dignidade e a humanidade extintas. Devemos ser bons com os animais, mas jamais devemos colocá-los em pedestais e tronos, como muitos fazem hoje. Animais são animais e devem viver o mais próximo disso. Oxalá a atenção e as somas de dinheiro gastas com animais domésticos fosse revertida para minar a miséria do mundo.

Aprendi que, por mais encantadoras que sejam, crianças são apenas isso: crianças. Elas devem ser ensinadas que há autoridades – em geral, as pessoas mais velhas – que devem ser obedecidas e ordens que devem ser seguidas, e não que o controle de casa está condicionado a seus berros e esperneios. Sua personalidade, em grande parte, começa a se formar cedo, e cabe aos pais incutir-lhes o que se espera de pessoas de bem, vivendo em uma sociedade. Claro que elas possuem o livre-arbítrio para decidirem como viver suas vidas, mas os pais não podem se eximir da responsabilidade que lhes compete.

Aprendi que todo trabalho é digno, desde que honesto. Que a preguiça pode levar ao delito. Que só se pode ter aquilo que for possível – a ostentação deve ser repudiada. Que o importante em presentear é o ato em si, e não o valor do presente. Que as pessoas devem andar por si só, e não caminharem apoiadas nos outros. Que cada um deve ser responsável por suas ações e resolver os problemas que criou. Que seja dada liberdade para quem quer se afastar e acolhida para quem se achega. Que devemos nos preocupar apenas com o que é importante, não dando valor a acontecimentos insignificantes. Que quem se pauta pela opinião alheia é tolo – devemos apoiar nossos próprios atos. Que devemos nos afastar dos transgressores, mesmo que sejam de nossa família. Que devemos ajudar quem nos procura, mas ao limite de nosso alcance. Que devemos dar valor ao dinheiro que é suado, pois ninguém nos dará nada de graça. Que favor se paga com favor e a união dentro de casa é imprescindível. Aprendi que nossos atos têm consequências com as quais temos que arcar. Que o justo e trabalhador será recompensado por todo o seu esforço, ainda que demore. Que quem está no direito da razão deve defender sua posição, seja onde for e perante quem for. Que os ricos não são melhores que os pobres pelo dinheiro que possuem – muitas vezes, são mesmo piores.

Por fim, aprendi que deve-se fazer o que é certo, e quem tem força de vontade alcança seus objetivos. Foram esses os ensinamentos que recebi de meus pais e repasso, seja através de minha conduta, seja exortando a outros. Talvez não sejam os melhores ou mais adequados, mas me serviram muito bem. Alguns tive que deixar para trás ou adaptá-los, dadas as mudanças do tempo e da sociedade. Serei eternamente grato a meus pais por tudo quanto me ensinaram. Muito me entristece ao ver pais que deixam os filhos à deriva, sendo criados de qualquer modo, aprendendo coisas terríveis com qualquer um que queira ensinar. Assim se está fadando a criança a uma personalidade fracassada. O que esses pais não compreendem é que colherão os frutos de sua irresponsabilidade, com dor e lágrimas.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Uma questão de atenção

A demora em detectar sinais decorrentes de maus tratos sofridos por idosos e crianças por parte de seus cuidadores pode ser indício de falta de atenção adequada por conta de seus responsáveis


É recorrente a veiculação de notícias referentes a agressões sofridas por crianças ou idosos em lugares que se destinam a os abrigar, como creches ou escolas, asilos e casas de repouso (ou, no pior dos casos, dentro de casa, por babás ou cuidadores). Imagino a dor e a revolta que se instala nas famílias que passam por essa situação. Certamente trata-se de uma atitude bárbara e hedionda, que merece ser tratada com os maiores rigores da lei, e destinados a duras penas os praticantes de tais atos contra incapazes. No entanto, com grande frequência tais notícias informam que tais agressões perduraram durante tempo considerável, apenas descobertas quando já em estado insustentável. É esse ponto que sempre me chama a atenção.
 

Saí da casa de meus pais há cinco anos, mudando-me de cidade, e mantenho o hábito de ligar para minha mãe todos os dias. Já nos primeiros segundos de conversa consigo identificar se ela está aborrecida, doente ou preocupada. Sinais como alteração da voz e ânimo da conversação denunciam qualquer anormalidade. Também na época em que usava bastante comunicadores instantâneos para conversar com amigos através da Internet, era fácil, já nas primeiras mensagens trocadas, identificar se a pessoa do outro lado estava com algum tipo de problema. Isso também era fácil, pois o tom da conversa e a escolha das palavras era diferente. E estamos falando de pessoas jovens e adultas, independentes a nível funcional. Ora, se com elas já é perceptível qualquer mudança de comportamento quando perturbadas por questões pequenas ou moderadas, será que é tão difícil assim notar alterações de humor e proceder em crianças tenras e idosos senis?

Irei fazer uma pequena atenuação pelo fato de eu ter a qualidade de bom observador – o que já pude comprovar repetidas vezes, para espanto de não poucas pessoas. Mas aprendi algo nessa vida: qualquer um que se interesse por algo, passa a ser bom observador de seu objeto de interesse. O indivíduo que gosta de carros rapidamente percebe todos os detalhes de um modelo que lhe apresentem, como rodas, design, etc. Quem é aficionado por grifes logo notará quais marcas de roupas e acessórios alguém está utilizando. O amante dedicado facilmente confere as mudanças – visuais ou de comportamento – do parceiro. Longe de querer acusar alguém, apenas desconfio que os casos citados no início do texto sejam decorrentes de falta de atenção devida para com os incapazes entregues a cuidados de terceiros. E isso, para os casos onde seja verdade, é algo que me preocupa.

A rotina das famílias brasileiras tem mudado nas últimas décadas. Com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, a carga de estudos e atividades extras dos filhos e o estabelecimento da família nuclear (excluindo avós, por exemplo, do convívio estreito com filhos e netos), cada vez mais crianças e idosos são deixados a cuidados de outrem. Esse não é o grande problema. A real questão é quando, junto com o indivíduo, quer-se também transmitir a responsabilidade por ele, e não apenas alugar os cuidados de alguém por um determinado período de tempo.

Os professores atualmente em exercício queixam-se bastante do fato de seus alunos chegarem à sala de aula sem o mínimo de modos e educação. O motivo, quase sempre, é que os pais deixam aos cuidados da escola a responsabilidade de educar seus filhos, quando na verdade a instituição tem o dever de contribuir com sua instrução, mas os rudimentos de cidadania devem ser ministrados em casa, pelos pais. O ensino de valores não pode ser transmitido a outros. A assimilação se dá muito cedo, cabendo aos pais o dever de ensinar princípios a seus filhos. Do mesmo modo, muitos filhos não têm paciência e/ou tempo para dar assistência pessoal a seus pais, então os entregam aos cuidados de outrem, mas de tal modo que nem se importam em averiguar o modo como estão sendo tratados, fazendo vista grossa a possíveis sinais de maus tratos, o mesmo valendo para crianças novas.

Anciãos e bebês apresentam, quando maltratados, uma série de sinais bastante perceptíveis para qualquer um que os investigue com o mínimo de atenção. O que suponho ocorrer com frequência é a negligência ao notar esses sinais, atribuindo-os a quaisquer outros motivos, que não agressões de terceiros. Minha mãe sempre conta que, quando eu e meus irmãos éramos cuidados por babás, nos primeiros anos de vida, éramos vistoriados diariamente, sendo acordados, se dormindo, quando minha mãe voltava do trabalho, procurando sinais em nossos corpos ou mudança de comportamento. Temo que falte a muitos pais e filhos os cuidados e atenção devida para com as pessoas que deveriam ser do mais alto grau de importância em suas vidas. Essa simples atitude pode evitar sequelas terríveis e salvar vidas.