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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Cadê


Se você estuda idiomas, deve ter percebido que não há “cadê” gringo. “Cadê” é coisa nossa. Intraduzível. Brasileiríssimo. “Cadê” não pergunta apenas a localização de algo. Inquire sobre sua vida pregressa. “Cadê você?” quer saber por onde alguém andou, o que está fazendo. Pergunta pelas novidades. É melhor que a dobradinha pronome interrogativo-verbo. Estrangeiro não vê “cadê” em seu curso de língua portuguesa Se vissem, se conhecessem nosso “cadê”, amariam-no. Mais. Patenteariam-no. E logo surgiriam o kade alemão, o kad inglês. Os irmãos cadé espanhol e cadé francês. Nosso idioma é melhor porque temos o “cadê ”. A propósito, dizem que nasceu na Bahia...

  • “cadê” vem de “quedê”/“quede”;
  • que vem de “que é de” (os espanhóis estão nesse ponto: “Qué es de María?”);
  • que vem de “que é feito de”;
  • que quer dizer “onde está”.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Voluntariado – porque não adianta ser feliz sozinho

28 de Agosto, Dia Nacional do Voluntariado

A gente estuda, se esforça, faz cursos. Enfrentamos uma universidade, batalhamos por emprego, abrimos negócio próprio. Compramos nosso carro, adquirimos nossa casa, realizamos a viagem dos sonhos. Mas é difícil não sentirmos uma ligeira tristeza ao termos, quando parados no sinal de trânsito, alguém mendigando do lado de fora do carro. Ou ver pessoas – ou algo próximo disso – vasculhando lixo em busca de alimentos. Doentes que poderiam ser curados caso tivessem um mínimo de tratamento médico. Crianças que embrutecem a cada dia na ausência da escola. Será que podemos ser completamente felizes rodeados de tanta tristeza?

Felicidade é o que todos almejam. Nem todos a buscam com esse título. Alguns procuram bem-estar, outros, posses, ou mesmo um companheiro. Nem todos vão encontrá-la seguindo esses caminhos, mas certamente continuarão a busca até se satisfazerem. Infelizmente, há aqueles que tem por ideal de felicidade coisas que a maioria de nós possui e muitas vezes não damos sequer valor. Um teto, uma refeição, uma palavra de consolo, um conselho, roupas um pouco menos surradas, a certeza de voltar vivo para casa, uma família, ler e escrever, matar a sede, poder sorrir, sarar uma dor.

Quando se fala em mazelas da sociedade, logo pensamos nos extremos. Pensamos nos países miseráveis cuja população não tem qualquer esperança de melhora. Lembramos dos moradores de rua que acordam – quando dormem – sem qualquer certeza do que o dia os trará. Mas às vezes nem é preciso irmos tão longe. Às vezes basta olharmos para dentro de nossas casas, para nossa família e perceber algum ente que precisa de um auxílio que podemos dar.

Talvez você ache que as pessoas padecem necessidades unicamente por não terem se esforçado o suficiente em suas vidas. Isso pode ser verdade, desde que as condições iniciais sejam as mesmas. Mas a verdade é que dificilmente é. Para você, que teve acesso à educação, uma família que lhe apoiou e orientou, conheceu pessoas que lhe indicaram que direções seguir, a tarefa do sucesso coube unicamente a você. Mas é fácil ser levado pela maré, o difícil é nadar contra a correnteza. Há pessoas – muitas – que simplesmente não têm nenhum exemplo bem-sucedido em que possam se espelhar. Têm como destino continuar a sina de fracassos que lhes rodeiam. Esse círculo vicioso só pode ser quebrado pela ação de uma força externa. Que tal você ser essa força?

Talvez você relute em aceitar essa ideia, aludindo ao fato de que tal tarefa cabe aos governantes. Sem dúvida, é deles a maior fatia de responsabilidade, mas nem sempre eles a assumem. Certamente eles deveriam cuidar desse problemas, assim como não deveria haver sofrimento no mundo, os pais não deveriam enterrar seus filhos, as doenças deveriam ser menos agressivas e as pessoas deveriam ser boas. Não podemos simplesmente fechar os olhos à realidade e fingir que está tudo bem, deixando as pessoas, nossos irmãos e irmãs, sozinhas com sua penitência de vida. Isso é a própria negação da humanidade que apenas o ser humano possui.

Consulte a si mesmo e descubra o que você pode fazer por alguém. Não precisa ser muito, pois o pouco que você der será multiplicado muitas vezes pela gratidão dos que receberem seu auxílio. Hospitais estão cheios de desconsolados. Escolas comportam muitos alunos sem objetivo na vida. As ruas abrigam pessoas que a cada dia se tornam um pouco menos humanas. Asilos dão guarida a anciãos que passam pelo ocaso da vida de um modo que não planejaram. Há lugares longínquos em que uma pequena contribuição que você pudesse dar em dinheiro seria de grande valia – principalmente pela conversão em suas fracas moedas locais. Lembre-se que suas ações, boas ou más, terão um retorno, para você e para os outros. Que tipo de retorno você quer ter? Que marca você quer deixar no mundo?



O livro Dignidade é um bom ponto de partida para quem pensa em voluntariado. Ele é iniciativa da organização médico-humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) – Nobel da Paz em 1999 –, instituição que oferece serviços médicos em regiões de difícil acesso, seja em florestas ou zonas de conflito. O livro consiste em nove histórias redigidas por escritores conhecidos do meio literário (a exemplo de Mario Vargas Llosa, Nobel de Literatura) que vivenciaram de perto um projeto da MSF –  e não não cobraram cachê por isso. Cinco por cento do valor do livro é revertido para ações do projeto. Quem sentir interesse em contribuir para essa causa pode se tornar um doador através do site ou por telefone.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Sugestão de leitura



Título: O Poder dos Quietos
Autor: Susan Cain
Editora: Agir
ISBN: 978-85-220-1326-5


  



Primeiro dia de aula. Você fica ansioso com o novo ambiente. Tanta gente estranha te dá nervosismo. Os grupos começam a se formar e você sobra, embora saiba que em algum momento irá conhecer algumas daquelas pessoas. Falar para um pequeno grupo parece uma tarefa digna de Hércules. Frequentar festas barulhentas exige a coragem de um mártir. Um fim de semana recolhido cultivando a própria solidão, em companhia de livros e pequenas coisas que te dão prazer são o ideal de divertimento. Você tem poucos e bons amigos. Embora não possua traquejo social, é um grande observador. Sua qualidade de bom ouvinte faz com que as pessoas desabafem com você. Problemas difíceis te seduzem, porque você sabe que, dedicando tanto tempo quanto for preciso, conseguirá solucioná-los. Se você se identifica com muitos desses traços, então está de parabéns, você é um introvertido.

A despeito do estereótipo de nerd, os introvertidos possuem características admiradas por muitos e que os levam a diversos lugares, alguns inimagináveis durante a infância frustrada. Em O Poder dos Quietos, Susan Cain – uma introvertida típica – expõe o fruto de anos de dedicação ao tema. São resultados de pesquisas, questionamentos, testes, histórias, tudo em busca da redenção do comportamento introvertido. O mundo hoje vive em clima de apoteose, como se tudo necessitasse de ações espalhafatosas. Os “populares” da escola desfrutam de direitos em meio aos demais alunos. Os universitários que gostam de brilhar em debates são tidos por inteligentes. Os funcionários que se envolvem em várias atividades unicamente para promover sua imagem são indicados para liderança. As empresas pregam que todos devem ser líderes, falantes e convictos. O que ninguém observa é que, além do aluno popular, está o discente estudioso que resolve por completo as listas de exercícios e obtém as melhores notas nos vestibulares. Para cada universitário verboso, há pelo menos um outro que desenvolve pesquisas que tem utilidade para o mundo. Por detrás dos funcionários que tocam o piano, há aqueles outros que levam o instrumento nas costas e sustentam a empresa com atividades sólidas. Embora as empresas valorizem seus vendedores, eles cuidam apenas em sair à rua com os resultados dos esforços dos que ficam nos laboratórios e escritórios criando produtos tangíveis.

Em seu livro, Susan conduz o leitor através de diversas evidências de que não há nada de errado em ser introvertido – embora a timidez, companheira quase inseparável desses, seja muitas vezes companhia indesejada. Pelo contrário. Muito do que há hoje no mundo nos foi dado pelas mentes de introvertidos, entre as quais destacam-se gênios em diversas áreas: Isaac Newton, Albert Einstein, Mozart (três gênios indiscutíveis sob qualquer análise), Marcel Proust, George Orwell (gênios da literatura, apenas para citar alguns), Steven Spielberg (um dos maiores nomes do cinema), Sergey Brin e Larry Page (criadores do Google), John Lasseter (pioneiro da animação digital e nome por trás de grandes animações, como Procurando Nemo, Os Incríveis e Toy Story). A lista é interminável.

À medida que se aprofunda na leitura, o leitor introvertido se descobrirá em cada página, como se fosse ele próprio ali descrito. Os fatos surgem como velhos conhecidos, mas agora sob um sentimento de libertação, pois sabe-se ser fundamentada cada reação do introvertido. É como se o livro fosse a voz para muitos, deixando claro que os quietos não são avessos a pessoas, apenas se sentem confortáveis com poucas delas. Assim como não é que não gostem de conversar, apenas não têm paciência para falar de amenidades durante longos períodos. Também não precisam de grandes eventos para se satisfazerem, sendo a simplicidade das coisas o bastante. Susan também traz informações valiosas a respeito de alguns traços estereotipados dos quietos. Será que são genéticos? Até onde vai o limite do caráter inato? Tem fundamento a imagem de que tímidos têm aparência física frágil? Será que precisamos ser mais extrovertidos?

Embora seja um livro destinado a chamar a atenção do mundo para os quietos, não preconiza de maneira alguma uma suposta superioridade do introvertido. Seu objetivo é que os dois grandes temperamentos, extrovertidos e introvertidos, aprendam a coexistir e a se completarem. Em especial, que os próprios quietos abandonem as dúvidas quanto a seu temperamento e abracem com prazer a compleição que possuem, fechando os ouvidos aos comentários infundados do mundo.

domingo, 19 de agosto de 2012

Crime e valores morais

O recente desmascaramento de grupos criminosos formados por jovens de classe média serve para desfazer o mito injusto de que apenas os pobres cometem crimes.

“Fica evidente que a motivação não é a desigualdade social, mas a falta de valores morais”. A declaração, proferida por uma socióloga, refere-se ao recente desbaratamento de gangues formadas por playboys cujo objetivo era financiar baladas com o fruto de assaltos e sequestros-relâmpago. Para quem vê de fora, essa frase parece uma iluminada revelação, mas para quem está inserido no meio, ela não passa de simples obviedade.

Os governos têm criado programas sociais a fim de promover a distribuição de renda, acreditando com isso afastar o risco da marginalidade nos lares atendidos por esses programas. Na lógica deles, pobreza, pura e simplesmente, gera bandidos. Embora esses fatores muitas vezes se superponham, essa relação não é direta. Criminosos são transgressores da ordem, e os motivos de agirem desse modo variam, mas algo comum a todos eles é a ausência de remorso por suas ações, motivada em grande parte pelo fato de acreditarem que o que praticam é aceitável sob seu ponto de vista. Uma pessoa que ignora a gravidade de seus atos, mesmo sabendo que são prejudiciais para os outros, é desprovida de qualquer grau de senso ético. Esse limite é regulado pelos princípios morais.

Caso a pobreza fosse fator determinante para a criminalidade, então todos os pobres praticariam crimes em algum grau. Mas isso está longe de ser verdade. Assim como é absolutamente falso que filhos de famílias abastadas passam longe da marginalidade. Com efeito, se tomarmos como base a Hierarquia de Necessidades de Maslow1, podemos afirmar que a não realização das necessidades fisiológicas básicas podem impelir alguém ao crime, mas apenas no sentido de satisfazer aquela necessidade. É o caso de alguém que rouba uma fruta na feira a fim de saciar a fome, não o havendo conseguido de outra maneira. Não é o caso de alguém que vira chefe de tráfico, o qual busca essencialmente poder e ostentação. Essa motivação pode estar presente tanto no dono de boca-de-fumo no morro quanto nos universitários de classe média que realizam sequestros.

Negar que há mais pobres no crime do que ricos seria absurdo. Como dito no início, a falta de valores morais favorece a criminalidade. Atualmente, a escassez desses valores ocorre tanto nas classes menos como nas mais favorecidas. No entanto, a falta de acesso à educação formal acaba por prejudicar de certa forma os menos abastados. Até pouco tempo atrás, eram raros os casos de assaltantes, época em que os pais, mesmo os de baixa renda, impunham rígidos valores morais aos filhos. Mas, com o advento de pais jovens e inexperientes aplicando conceitos psicológicos duvidosos de maneira distorcida, as crianças têm recebido um tipo de educação que deixa muito a desejar. Desconhecem limites e implicações de seus atos, forjados na “redoma de amor” dos pais modernos que lhes permitem tudo a fim de compensar a ausência devido ao trabalho. Em lares onde os pais podem financiar o luxo dos filhos, há menos risco de ele buscar recursos através do crime – embora o elevado padrão de vida de que desfrutam ou almejam possa incentivá-los a isso –, mas para aqueles que não podem, escolhem roubar como alternativa, culpando o sistema (que, sim, tem sua parcela de culpa) por seu desvio de conduta , quando na verdade lhes falta força de vontade para trabalhar arduamente.

Há muitos pobres honestos que, mesmo não possuindo recursos para frequentar determinados ambientes e adquirir itens de marcas conhecidas, esforçam-se por manter sua dignidade e caráter. Enquanto isso, há diversos filhinhos-de-papai que desconhecem os limites da ética e da convivência em sociedade, cuidando em utilizar da pior maneira possível o dinheiro dos pais e desperdiçar a oportunidade que tiveram na vida de serem pessoas de bem. Nascer em berço de ouro não é garantia de integridade. A parcela de educação proveniente dos pais ainda é o principal fator em jogo no que tange à formação de um bom cidadão.


1Modelo proposto pelo psicólogo americano Abraham Maslow que dispõe as necessidades humanas em forma de pirâmide, sendo a base formada pelas necessidades mais básicas (como fome e sede), seguindo em gradação até o topo, onde estão as necessidades referentes à realização pessoal (moralidade, criatividade, etc.). De acordo com Maslow, para se atingir um nível superior de satisfação, deve-se primeiro realizar as necessidades do(s) nível(is) anterior(es).

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Educação: importante ou prioritária?

(Originalmente escrio para submissão a concurso literário)

O garoto pára e olha as mãos feridas, gretadas, cheias de calos. Apóia-se ao cabo da enxada a fim de descansar um pouco. Trabalha há horas e falta ainda muito para terminar o serviço. Começa a pensar. Vida triste a sua. Acorda cedo, trabalha muito, come pouco – e mal –, dorme cansado. Todo dia a mesma rotina. Deveria haver um jeito de melhorar as coisas. Trabalhar menos, comer bem, dormir tranqüilo. Mas não sabe como. Não tem nem mesmo certeza disso. Olha seus companheiros: alguns da sua idade, outros velhos. Há ainda mais novos. Teve pena deles. Uma multidão que se estende pela lavoura, sobre os morros, detrás das plantações. Gente pobre, sofrida. Eram assim todas as pessoas que conhecia. Nasciam, cresciam e morriam naquele lugar, do mesmo jeito triste. E pensava. Duvidava que conseguisse envelhecer ali, envergando o corpo, quebrando os ossos, secando a carne. Mas ao mesmo tempo não sabia como fugir àquilo, libertar-se. Pensou nos filhos. Que seria deles? Viveriam a mesma vida que a sua? Principiou voltar ao trabalho. Será que algo poderia acontecer para mudar suas vidas? O que seria tão poderoso a ponto de mudar destinos? Voltou a ferir a terra, esquecendo por hora a preocupação causada por seus pensamentos.

* * *

O rapaz repousa os óculos sobre o livro que está lendo e olha um instante pela vidraça. Admira os prédios fortes e altos que um dia ele mesmo projetará. Estuda com esse intento. Distraído, imagina a paisagem diferente; sem as construções, sem os automóveis. Povoa o cenário com vastas plantações e muitos trabalhadores braçais. Assim imaginava as histórias às quais acostumou-se a ouvir desde criança, contadas por seu avô. Deveria ser difícil viver daquele modo. Nunca visitara um campo semelhante, por isso imaginava segundo o relato que lhe faziam. Alegrava-se por viver outra realidade. Era cuidar para mantê-la. Põe os óculos e retorna ao livro. Importante continuar. Projetar prédios fortes, prédios altos.

* * *

Duas gerações e um abismo. Duas gerações e um abismo transposto por uma ponte chamada Educação. Ponte que vira caminho para seguir adiante o que se sabe ser certo. Prioritária onde não há perspectivas, onde grassa a desesperança, torna-se importante nos lugares que ajudou a transformar. Urge por libertar as pessoas das trevas da ignorância e conclama aos libertos que não se afastem a fim de conservar o bem alcançado. Tanto debatem-se os governantes para resolver inúmeros problemas e esquecem-se que a causa da Educação, resolvida, põe fim a questões igualmente antigas e importantes. Sem ela, todas as soluções são paliativas, pois a Educação não é apenas um troféu para regozijo individual, mas um agente transformador da sociedade que nela investe.

Ora importante, ora prioritária, a Educação é um elemento do qual não se pode prescindir na construção de uma sociedade mais justa, equânime, forte e promissora.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Jogos

Queria saber jogar alguma coisa. Participar de uma equipe, disputar campeonatos, possuir troféus (minhas conquistas foram todas intelectuais, com pouca adrenalina e pouca torcida, normalmente eu lutando comigo mesmo). Mas não sei jogar nada – na verdade, não posso – , então, não sei o que é nada disso. Imagino que uma vitória de virada deve ser emocionante. Costumo dizer que meu gene relacionado a esportes veio desativado de fábrica. Jogos com bolas são os piores – ou seja, um mínimo de oitenta por cento das modalidades esportivas. E não apenas os jogos, digamos, cinéticos, mas também os games eletrônicos (nunca consegui passar da primeira fase daquele Mario Bros em duas dimensões – que saltava buracos e atingia blocos flutuantes com a cabeça). Os que ainda escaparam foram dama e xadrez (embora não seja tão bom neles quanto gostaria).

Antes que alguém levante a mão para afirmar que não me dediquei o suficiente, devo dizer que sim, tentei. Enquanto iniciantes – mesmo os que não estão mais nos primeiros aninhos de vida – apresentam uma curva de aprendizado bastante promissora, alguns meses de prática de um jogo em primeira pessoa me fez melhorar algo em torno de vinte por cento. É pouco. Com esse aproveitamento, se eu quiser ser bom em algum tipo de jogo, teria que dedicar um tempo tão grande a ele que não conseguiria fazer mais nada. E fazer apenas uma coisa é uma ideia que definitivamente não me agrada.

Mas felizmente as pessoas são diferentes, e há aqueles que parecem ter nascido para serem jogadores, atletas, pessoas que brilham nos estádios e ginásios mundo afora. Como minha inaptidão para esportes me excluiu de suas emoções logo cedo, nunca fui muito fã de acompanhar campeonatos, mas recentemente tenho me habituado – voluntariamente! a vê-los – alguns, ao menos. E não posso negar que há grandes emoções. Isso porque sabemos que os que foram classificados para importantes eventos – como a Copa do Mundo de Futebol ou as Olimpíadas batalharam arduamente para estar ali. O corolário de ser atleta é uma vida de abnegações – enquanto seus [poucos] amigos vão para a night, o jovem atleta tem que dormir cedo; enquanto a turma viaja nas férias, o atleta tem que se preparar para um campeonato que está próximo. E para ser um atleta de elite então! Haja renúncia.

A Olimpíada de Londres trouxe grandes momentos. Momentos de euforia e momentos de tristeza. Instantes de surpresa e outros de decepção. A estatística (sempre ela!) apontava que o Brasil ganharia muitas medalhas, uma vez que será o próximo país-sede. Bobagem! Todo mundo viu que os números não são confiáveis. Nossos favoritos sucumbiram, ao passo que desconhecidos brilharam. Como não lembrar da medalhista do judô, nosso primeiro ouro, nordestina e guerreira – a distinção entre essas duas palavras muitas vezes é tênue , afirmando que continuará em sua cidade natal, a fim de contribuir na formação de jovens que têm poucas oportunidades? (O tão idolatrado give back da cultura americana) Como não sentir muito pela ausência do ouro na ginástica? E a alegria inesperada do sucesso nas argolas? Como não se chatear por mais uma escapada – tão próximo! do título inédito para o futebol brasileiro? Como não vibrar junto com a seleção feminina de vôlei de quadra na conquista mais do que emocionante? E, na mesma medida, aquietarmo-nos e darmos vez à torcida russa no equivalente masculino? O salto com vara e a natação, promessas certas, negaram-se a se cumprir. Daqui a quatro anos, quem sabe.

Sabemos que o Brasil não é um país dos esportes – aliás, o Brasil não é um país de muitas coisas. Em alguns países o exemplo por excelência é os Estados Unidos –, o esporte é prática integrante da educação aplicada nas escolas. Por aqui, é um meio de subsistência onde normalmente as pessoas caem de paraquedas. Quem tenta viver do esporte encontra uma série de dificuldades, pois os patrocínios são poucos e as condições muitas vezes são precárias. Mas tenho dúvidas se apenas isso justifica nossa colocação tão distante dos primeiros colocados no quadro geral de medalhas. Sem dúvida patrocínio e boa infraestrutura são fundamentais, mas nunca há apenas um fator determinante sobre o que quer que seja. Se o único problema fosse patrocinadores, então o futebol masculino seria invencível e sabemos que ele está muito, muito longe disso. O vôlei não tem o mesmo destaque que a bola nos pés, no entanto, tem sido a fonte isolada de alegrias para os [tele]espectadores tudo bem, esqueçamos apenas a derrota do time masculino na final de Londres. Detemos vários títulos mundiais em categorias diversas, mas não conseguimos reproduzir os bons resultados nos jogos olímpicos. Por vezes podemos ver o semblante de desolação dos jogadores ou notar o nervosismo reinante diante da derrota iminente. Em geral, os brasileiros (atletas ou não) sabem lidar muito mal com as emoções – no caso dos favoritos, com autoconfiança exagerada; para os opacos, falta da frieza necessária para melhorar. Basta observar a enorme importância que a torcida exerce sobre as equipes.

Sabemos que o Brasil possui excelentes atletas, basta que eles mesmos se encarreguem de deixar isso patente para o mundo. Há um sentimento generalizado nesse país de que “mais ou menos é bom”. Não é. Para ser bom deve-se primeiro reconhecer que não se alcançou o nível excelente e a partir daí buscá-lo. Que os erros desses últimos jogos sirvam de lição para não mais repeti-los quando, em nossa casa, daqui a quatro anos, os “campeões voltarem”.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Nossos heróis

Se os heróis representam os desejos que não somos capazes de realizar, qual seria a melhor representação para nosso povo?

Existe um reality show bastante popular no Brasil onde os participantes são chamados de heróis. Algumas pessoas se indignam, outras adoram e outros não tem nenhuma opinião formada sobre isso. Há algum tempo circulou na Internet um texto do apresentador desse programa defendendo-se das críticas sobre esse tratamento dispensado aos “jogadores” televisivos – quanto esforço por nada!

De fato, não deveriam ser chamadas de heróis essas pessoas. Heróis são personificações de nossos anseios, desejos, princípios. São os que incorporam nossos ideiais. São eles que atuam onde não podemos. Estão além de nossos limites, por isso gostamos deles. Estão além de nossa mediocridade. Compartilham dos mesmos sentimentos que nós, mas os levam ao extremo, a um nível puro. Desse modo, embora os “heróis” da televisão compartilhem muitas das características da grande maioria dos brasileiros – falsidade, desonestidade, desrespeito, perjúrio–, eles ainda não são nossos melhores representantes. Temos heróis de verdade em quem nos espelhar e admirar: os políticos.

Pode parecer absurda essa declaração, mas em que nossos políticos diferem de nosso povo? Apenas na ordem de grandeza dos fatos. Se furamos a fila da xerox, por que eles não podem passar parentes concursados à frente de outros que estão na espera? Se ficamos com o troco a mais que percebemos errado, por que incriminá-los por embolsar verba de obras públicas? Se não devolvemos livros na biblioteca, por que reclamar quando eles se beneficiam de verba extra? Se faltamos dias de trabalho deliberadamente, por que seria injusto quando eles tiram férias de três meses? Se defendemos nossos filhos quando estão errados e acusamos seus professores que estão com a razão, acaso seria absurdo que empreguem seus parentes? Se usamos de mentira com a consciência tranquila, por que não mentir também nas comissões parlamentares de inquérito? Se podemos tripudiar sobre classes que constituem minoria, então por que é errado que eles não sancionem leis que os beneficiem? É bem verdade o provérbio bíblico: “quem é fiel no pouco, também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco, também é injusto no muito”.

O político não é alguém que nasce do nada. Não é um robô fabricado por ocasião das eleições. Políticos emergem do povo – mesmo os provenientes de família política. E, sendo do povo, guardam em si as características desse. Se são injustos, se agem desonestamente, se mentem, roubam ou mandam matar, tudo isso adquiriram no convívio com a sociedade da qual fazem parte. Por isso nos identificamos com eles. Se não fosse, por que motivo então os piores políticos são sempre reeleitos? A coação para que votemos em determinados políticos é muito baixa se comparada ao total de eleitores. Mas é comum que a política seja conduzida por crápulas que nem se dão ao trabalho de usarem máscaras para encobrir seus desmandos. É comum ouvirmos pessoas falarem que gostariam de estar na política também, mas não para agir de modo diferente, mas para obter todas as regalias. Se almejamos algo assim, então em nada somos diferentes deles. Caso estivéssemos na mesma posição, faríamos tudo igual. Então, pra que tanto discurso sobre honestidade?

Concordo que, para o cidadão consciente que detesta o jogo político do atual cenário, é bastante difícil encontrar em quem votar. O critério invariavelmente acaba sendo o de escolher o “menos pior” ou o pouco suspeito. Essas é a triste verdade, dado que, quem quiser entrar na política, tem que se submeter as regras sujas dominantes nessa esfera. É necessário ter um padrinho político que lhe angarie votos, mas qual a probabilidade de se ter um padrinho corrupto sem ser também corrupto? Afinal, uma raposa velha só aceitará um novato se perceber que tirará proveito disso. E é esse círculo vicioso que arrasta o país sempre para baixo.

Embora haja um princípio de renovo político, devemos considerá-los como exceção, do mesmo modo que pessoas justas são exceção na sociedade em geral. Se quisermos uma verdadeira renovação, devemos começar por nós mesmos, nos policiarmos no que sabemos ser o certo, construir uma sociedade melhor em seu alicerce, para que um dia o topo seja um reflexo claro de um povo minimamente justo. Ainda que seja necessária uma revolução niilista, mas que seja pautada na indignação verdadeira, e não na hipocrisia cínica.

domingo, 5 de agosto de 2012

Sugestão de leitura


Titulo: Uma Breve História do Mundo
Autor: Geoffrey Blayney
Editora: Fundamento
ISBN: 85-88350-77-7








A disciplina de história figura entre as menos interessantes do ensino regular, disputando com a geografia o título de mais maçante. Poucas são as pessoas que se sentem atraídas por elas. Se matérias que possuem grande aplicação prática, como matemática e química, já não despertam a atenção dos alunos, quem dirá história.

Mas um dos motivos da falta de prestígio do ensino de história deve-se ao fato de ela ser tratada como um amontoado desconexo de datas, personagens, lugares e acontecimentos alheios a nossa atual realidade. Desse modo, é vista apenas como uma história dos outros, e não como uma história da raça humana. Quem se aventurar a ler Uma Breve História do Mundo, de Geoffrey Blainey, experimentará uma sensação completamente diferente. Deixando de lado datas precisas e detalhes que mais distraem do que informam, o autor constroi magistralmente a história da humanidade desde o homem primitivo até o atual cenário tecnológico. Livre do tom formal dos livros tradicionais, que parecem apenas relatar uma cartilha com a qual não se tem intimidade, Blainey aproxima seu discurso de uma conversa informal, mas de tamanha convicção que impressiona. Mesmo perseguindo o caminho da neutralidade, por vezes é possível perceber uma crítica ligeira e inteligente.

Em Uma Breve História do Mundo, nada é desprovido de sentido. O céu não é apenas um ente da natureza, mas a cúpula salpicada de luzes que acompanhava o embevecido homem primitivo nas noites escuras, posteriormente guiando-o nos mares errantes e iluminando com sua lua cheia as colheitas noturnas – daí o surgimento natural da astronomia/astrologia e as religiões que adoram os astros. Os rios não são apenas acidentes geográficos, mas fontes naturais de vida que, além de saciar a sede, fertilizavam os solos com suas inundações periódicas, além de servir de meio de transporte aos primeiros marujos destemidos – por isso muitas civilizações se instalaram próximo a eles. Os primeiros grandes grupos de homens não sumiram misteriosamente, mas esgotaram os recursos naturais em uma época em que não detinham o conhecimento e tecnologia para melhor aproveitá-los. O milho não é apenas o cereal desconhecido das Américas, mas um produto valioso que rendia muito mais que os grãos consumidos na Europa, afastando os períodos constantes de fome. A máquina a vapor não é apenas um triunfo da engenharia, mas um meio de transportar carnes e alimentos frescos de um lugar a outro, além de permitir que as pessoas, antes fadadas a nascer e morrer em um mesmo lugar, pudessem deslocar-se a lugares distantes. O desenvolvimento das comunicações não é um simples deslumbre da vida moderna, mas um fator que diminuiu o mundo – antes isolado por acidentes naturais e longas distâncias –, constituindo-se como amarras invisíveis entre os blocos de terra que flutuam nos oceanos, reproduzindo o bloco pangeia original.

O leitor talvez sinta falta do detalhamento de algumas passagens históricas, como o império macedônico de Alexandre, o Grande, ou as Cruzadas, fatos talvez abordados mais apropriadamente em versões futuras do livro. De qualquer modo, o apanhado geral de toda a história do mundo em apenas um livro, no qual os fatos estão todos encadeados, faz o leitor se sentir vivendo aquele momento e acreditar que, no futuro, nossos dias serão contados em algum livro de história.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O balão


O homem passa com dezenas de balões
cheios, revoltos, teimosos, em polvorosa
Coloridos, agitam-se com a cadência dos passos
O homem tenta os conduzir em paz
Mas aqui e ali estouram um e outro
Desfavorecendo o conjunto
Mas de repente um deles se desprende
Voa rápido, nervosamente
Não sabe, a princípio, aonde ir
Sabe apenas que quer ir ao longe
O homem o olha, mas o despreza
Afinal, há tantos ainda...
E o balão voa
Alheio aos perigos
alheio de tudo
Não sabe que pode extinguir-se a qualquer instante
E, por não saber, não se importa
Quer apenas voar
Subir
Passear pelo universo
Desvendá-lo
Não espera nada
Não tem promessas, ninguém esperando
É livre, é o que importa
E de liberdade se alimenta
E, enquanto comportar o gás que lhe dá vida,
voará