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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Caiu na net

Não basta esbravejar contra quem divulga vídeos íntimos na Internet, prejudicando outrem. É necessário conscientizar as pessoas de como podem ser corresponsáveis através de seus deslizes.



Há alguns dias vi, em uma rede social, uma postagem de alguém em apoio a uma jovem chamada Fran. Na verdade, era uma replicação de um blog de outra pessoa. Como não sabia do que se tratava, busquei mais informações. Tratava-se de mais um desses casos conhecidos como “caiu na net” – fotos ou vídeos íntimos (a maioria de relações sexuais) que são postados na Internet, normalmente contra a vontade de ao menos um dos protagonistas. Esse em particular ficou conhecido devido ao fato de ter se tornado “meme” – ideia que se espalha rapidamente através da Internet –, pois, em um dado momento do vídeo, a jovem mencionada anteriormente faz um sinal (incomum para a ocasião) com a mão, parecido com o sinal de “ok”. A propósito, as pessoas que lhe prestavam apoio na Internet repetiam o gesto que a tornou conhecida.

Casos semelhantes não faltam na grande rede. A maioria com o mesmo fim: quem tem o vídeo divulgado abandona emprego, para de sair de casa, muda de cidade – um caso recente culminou em suicídio. Um transtorno para ela e para a família. Normalmente a vítima é uma mulher. As razões variam: vingança, câmera ou aparelho celular roubado, arquivos copiados sem autorização por terceiros, etc. Há sites especializados apenas nesse tipo de material, e há pessoas fascinadas por ele devido ao realismo, bem diferente das filmagens pornográficas realizadas em estúdio. Faixa etária e posição social dos vitimados são as mais diversas possíveis. Algumas fotos/filmagens são realizadas de comum acordo (aparentemente a maioria), outras sem consentimento. Enfim, há de tudo.


O vídeo citado no início do texto não traz nada de novo, mas como tornou-se conhecido, é um bom mote para tratar do tema. Em primeiro lugar, é desnecessário dizer que, nos casos onde alguém deliberadamente divulga um vídeo desse tipo sem o consentimento de quem está nele exposto, com a finalidade de prejudicá-lo, não pode ser classificado como menos que mau caráter. No limite, como criminoso, um sociopata. Mas essa não é a abordagem que pretendo aqui, até mesmo porque para isso existem inúmeras pessoas que não se cansam de fazê-lo. Meu objetivo é analisar um outro aspecto de tais casos. Afinal, bradar contra todo culpado que surja para cada novo caso não é de modo algum produtivo. O bom é utilizar a inteligência e extrair algo útil dessa questão.


Quando as populações europeias da Idade Média começaram a melhorar de vida através da circulação do dinheiro, os bancos, então já existentes, prosperaram. O capital financeiro era importante demais para ser guardado em casa ou circular com seu dono pelas ruas e estradas, sujeito a saqueadores. Hoje isso continua uma verdade, tanto que dispomos de modernos substitutos das cédulas e moedas, como cheques e cartões de crédito. O dinheiro é algo trabalhoso de se conseguir (ao menos para a maioria das pessoas) e valioso o suficiente para que as pessoas evitem expô-lo ao risco de o perder. Alguns o entregam aos bancos, enquanto outros o empregam em negócios financeiros. E esse cuidado não se restringe apenas ao pecúlio, mas a toda sorte de bens. Alguns bancos abrigam joias, documentos, objetos raros, entre outras coisas, todas com valor para seus donos.


Infelizmente, não podemos guardar bens intangíveis nos cofres fortificados dos bancos. Esse tipo de bem exige outro tipo de tratamento e segurança, que cabe quase exclusivamente a nós e a uns poucos a quem os confiamos. Honra, lisura, caráter, fama, prestígio, confiança. São valores construídos com esforço e que podem ser facilmente destruídos. Basta um passo em falso. Embora haja uma tendência crescente de exposição da sexualidade, através de festas como bailes funks, a verdade é que a intimidade permanece como parte da identidade de um indivíduo que ele prefere manter entre quatro paredes. Seu comportamento durante o ato sexual não é algo que deva ser devassado, sob risco de trazer graves consequências e ignomínia, talvez irremediáveis. Sendo assim, talvez seja o caso de nos acercarmos dos maiores cuidados possíveis a fim de preservar nossa imagem.


O grau de liberdade sexual que vimos experimentando década após década dá margem para que pessoas que se sentem excitadas ao fazerem sexo frente a câmeras possam gravar a si mesmas, livres de qualquer dilema moral. No entanto, deve-se atentar que esse fato, a princípio simples e desprovido de riscos, pode-se constituir em prova ou elemento de chantagem que será utilizado contra seu autor. Por isso, duas medidas importantes devem ser tomadas quando se praticar tal atividade.


A primeira delas é mais que óbvia: a escolha do parceiro. Deixar-se filmar em um encontro de sexo casual com um desconhecido é assinar um cheque em branco – claro, e você apenas ponderará a respeito se estiver minimamente sóbrio. Gravar um vídeo com um companheiro de tempos e relação estável também não é garantia de tranquilidade eterna. Como dito antes, a divulgação intencional a fim de prejudicar outrem só pode ser perpetrada por pessoas muito más e/ou doentes. A questão – e se você for minimamente sincero irá concordar – é que esse tipo de homem (foco no gênero masculino devido a ser ele o principal divulgador desse tipo de vídeo) desfruta de grande prestígio entre as mulheres – e há estudos científicos que buscam explicações para esse incômodo fenômeno. Como nossas mulheres ainda vivem a ilusão do amor romântico, onde elas criam um perfil de homem ideal e o preenchem com qualquer um, passam então a ignorar propositadamente tudo que não se encaixa no personagem criado mentalmente – porque o mais importante é a relação, e não o companheiro. Ora, ninguém é mau uma única vez na vida, ainda mais com um ato tão hediondo. As pessoas dão demonstrações várias e repetidas de seu caráter, mas compete a quem quiser vê-los enxergar. Tudo bem que aparências enganam (o risco sempre haverá, mas o importante é tentar mitigá-lo ao máximo), mas encher-se de toda a ingenuidade do mundo e registrar algo tão íntimo e com alto poder devastador com um parceiro arriscado não ajuda em nada. É preciso analisar o que vale a pena.


O segundo cuidado que se deve ter é com o conteúdo registrado. O que fazer com ele? Onde guardá-lo? E por quanto tempo? Mesmo nos casos em que se obsevou o primeiro aspecto (o do companheiro), nada garante que o vídeo vá ao ar pela ação de terceiros. Há muitos displicentes que copiam esse conteúdo para computadores do trabalho, onde pode ser copiado indiscriminadamente, ou enviam seus notebooks para manutenção sem tomar qualquer cuidado. Classificar isso como irresponsabilidade é dizer pouco. É não atentar para o potencial devastador de sua divulgação, colocando a vítima lado a lado com o criminoso, em nível de delinquência mental. Deve-se criar a cultura e a consciência de que isso é arriscado e cuidados devem ser tomados a fim de não se ver em uma situação indelicada como tantos outros mundo afora.

Concordo que é válido lutar pelo extermínio dessa prática, assim como também o é defender o fim de roubos, assassinatos, estupros, preconceito, etc. São desordens que estão com a humanidade desde os tempos imemoriais e não têm pressa nem previsão de irem embora. Até lá, é mais prudente adotar uma postura pragmática que surta efeito a curto prazo, em vez de tentar atingir um inimigo quase invencível.


O pai de Sidarta Gautama – hoje conhecido pelo nome de Buda – sabia que o mundo era mau, por isso mantinha o filho trancafiado dentro dos muros do palácio, a fim de não tomar conhecimento da miséria do mundo. Mas como esse modelo era insustentável, um dia o jovem saiu e ficou chocado com o que havia lá fora, pois não fora preparado para isso. Felizmente, ele encontrou seu caminho e é hoje admirado – e seguido – por milhares de pessoas. Embora a maioria dos militantes e simpatizantes se condoam dos que passam por tal abuso, não adianta querer mudar o mundo a fim de protegê-los. O caminho seguro é ensiná-los os perigos do mundo para que nunca caiam neles.


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