A despeito de todas as conquistas do
movimento feminista, esse avanço não tem chegado integralmente a
todas as esferas que cercam a vida da mulher. O lado profissional,
que é sabido ainda não ser plenamente igualitário*, talvez tenha
apresentado, por incrível que pareça, mais avanços que o lado
sentimental. Mesmo que haja aqui e ali exemplos de mulheres que
seguem suas vidas sem se importar com regras sociais originadas em
séculos passados, não são poucas as que ainda as seguem e, pior,
as defendem – inclusive muitas bem-sucedidas profissionalmente e de
elevado nível cultural.
Libertar a mulher, hoje, passa
necessariamente por afastá-la da ideia do amor romântico como o
conhecemos. Quantas não desperdiçam suas vidas em busca de um
“príncipe” que trará sentido a suas vidas? Quanta energia e
esforço não é perdido perseguindo esse ideal quase utópico? A
farsa da idealização de um parceiro serve apenas para encaminhá-las
ao sofrimento. De tão convencidas que são por essa ideia, dão mais
importância à relação que ao companheiro em si. Elas criam uma
máscara e saem em busca de alguém que a use. Dessa forma, ignoram
quem essa pessoa realmente é, com suas virtudes e, principalmente,
seus defeitos. Quando a euforia inicial do romance passa, e
finalmente enxergam quem os parceiros realmente são, se desesperam
por terem criado para si uma ilusão que lhes tomou tanto tempo –
já que vislumbram os romances como investimento.
Se as mulheres são vistas como
inferiores por muitos homens, é simplesmente porque muitas assumem
tacitamente esse papel. Condicionam sua felicidade a um
relacionamento. Se não estão em um, sentem-se infelizes e
fracassadas. Insistem em relações desastrosas porque acham que
nunca irão encontrar outra pessoa. Viver um grande amor é o
principal objetivo de suas vidas, atrapalhando muitas vezes que
foquem em outras questões, como estudos e profissionalização.
Realizam sexo ultrajante pela simples obrigação de uma relação
infeliz – e preferem isso a uma noite de prazer descompromissado
onde há respeito mútuo. Tem-se que destruir a imagem da mulher
incompleta, que necessita de um homem a seu lado para ter um sentido
na vida, do homem que tem que pagar sua conta e sustentar a casa. Da
princesa que precisa ser resgatada porque não consegue fazer nada
sozinha.
É preciso jogar fora o papel da
mulher coitada que tem que esperar o homem vir até ela. Da mulher
que envia mensagens secretas às nuvens na esperança de que os
homens pelos quais se interessa as interpretem. Não à toa os homens
de caráter duvidoso se saem bem no quesito número de conquistas.
Como não têm escrúpulos, atiram-se à tarefa do galanteio sem
considerar quaisquer consequências. E, uma vez que as mulheres estão
à espera de que alguém lhes venha falar, consideram que eles são
verdadeiros apenas por isso. Iludem-se e voltam a iludir-se,
repetidas vezes, criando a partir de experiências ruins ideias
deformadas sobre todos os homens. Muitas preferem viver infelizes e
frustradas a tomarem uma iniciativa. Preferem permanecer na
comodidade de seus lugares, experimentando apenas as oportunidades
que lhes chegam, em vez de abandonarem essa posição limitante e
ampliar as possibilidades de boas experiências.
Para libertar a mulher, nesse nosso
século, temos de quebrar a promessa da certeza do amor eterno a qual
todos têm direito – mas pouquíssimos encontram. Temos que
explodir a condição da mulher que abre mão de sua vida, se limita,
se anula, mente para o parceiro e para si mesma a fim de fazer um
relacionamento dar certo. Da mulher que assume todas as tarefas e
responsabilidades do lar sem exigir ou consentir que o marido tome
parte nelas. Que precisa de um divórcio para compreender que ainda
está viva, que não existem contos de fadas e que tem à disposição
mais escolhas do que imagina. Abaixo a mulher que se humilha, que se
deixa agredir – física ou psicologicamente –, que critica as que
tentam quebrar esse paradigma. Fora com a mulher que pecisa de falsas
juras de amor para se entregar ao prazer das carícias; que dissemina
que sexo só interessa ao homem; que se sente depravada ao fazer sexo
casual; que pede desculpas por ser “oferecida”. Desfaça-se a
ideia de que amor, paixão e sexo se confundem. Que se ponha um fim
no número de mulheres que fazem sexo forçado em relações estáveis
mais do que no meretrício. Sem isso, outras conquistas têm sua
importância reduzida. Essa mudança deve partir do interior de cada
um – homens e mulheres –, senão corre-se o risco de termos uma
sociedade onde o avanço das mulheres não passa de teatro. Esses
mitos é necessário derrubar.
*E aqui é necessário fazer um adendo:
não conheço bem como essas pesquisas são conduzidas, mas desconfio
de que muitas chegam a conclusões sobre diferenças de gênero no
âmbito laborativo a partir de confusões estatísticas, seja de
amostragem, seja de interpretação de resultados.
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