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quarta-feira, 27 de junho de 2012

"Pra que eu tenho que aprender isso?"

A maioria dos estudantes não percebe que as matérias que estudam são um preparo, e não um meio de preencher o tempo

Quem já estudou na vida ao menos uma vez ouviu a seguinte pergunta: “pra que eu tenho que aprender isso?”. Um bom rebote seria: “pra que você aprendeu a andar?”.

Discordo em muitos pontos da educação brasileira. Mas a motivação dos estudantes quando fazem essa pergunta seguramente não é insatisfação pelo modelo de ensino a que estão submetidos. É apenas a busca de um pretexto para não estudar. Concordo que nossas escolas são em geral desmotivadoras, mas a escola não pode fazer tudo pelo aluno. Primeiro de tudo, a responsabilidade pela educação (em seu sentido mais abrangente) é dos pais. A escola ajuda (e muito), mas ela não pode pegar na mão de ninguém e fazê-lo andar se não quiser. Querer aprender depende de cada um.

Pra que você aprendeu a andar? Havia necessidade para isso? O que você tinha em mente? Tinha planos? Claro que não. Até mesmo pela idade que você tinha naquela época. Mas a questão que quero mostrar é: nem sempre você faz coisas com um objetivo específico. Muitas vezes você aprende algo e só vai usá-lo anos à frente. O objetivo da escola, nesse ponto, é muni-lo de uma bagagem abrangente o suficiente para que você decida por onde seguir. Afinal, como decidir seu rumo se não conhece os caminhos?

Você ainda deveria estar feliz, pois aqui no Brasil o generalismo dura apenas até o ensino médio. Nas faculdades americanas, você passa os primeiros períodos estudando as disciplinas básicas de todos os cursos. Legal, né? Já imaginou alguém que quer ser historiador estudando Cálculo1? Ou algum físico estudando Sociologia? Esse modelo é bastante interessante, pois permite a interdisciplinaridade (conjunção de áreas distintas de conhecimento). É praticamente impossível, hoje em dia, desenvolver qualquer coisa com o conhecimento de apenas uma área. Imagine qualquer aparelho de imageamento médico (ultrassom, ressonância magnética). O time de criação dessas máquinas é composto por engenheiros, físicos, médicos, dentre outros. Para vislumbrar a aplicação de uma descoberta, é ncessário ter um certo conhecimento de outras áreas para poder perceber onde ela pode ser utilizada.

Há um caso particularmente interessante a esse respeito. Quando Steve Jobs (um dos fundadores e principal responsável pelo sucesso da Apple – uma das maiores e mais importantes empresas do mundo) era jovem, estudou caligrafia na universidade. Era um curso totalmente desprovido de senso prático. Era apenas artístico. Como ele mesmo afirmou, não teria nenhuma aplicação em sua vida. Mas dez anos mais tarde, quando projetava (juntamente com Steve Wozniak) o primeiro computador pessoal da história, ele utilizou esses conhecimentos para implementar o design das fontes que todos nós conhecemos hoje. Como ele mesmo questionou, como seria a interface dos computadores pessoais hoje caso ele não tivesse feito esse curso?

Exemplos como esse existem aos montes. Desde o telefone e o computador, que à época muitas pessoas (incluindo Graham Bell, o inventor oficial do telefone) duvidaram que alguém os utilizaria um dia, até o laser. A princípio, o laser era apenas um feixe de luz que se propagava em uma única direção (a luz sempre se propaga em linha reta, mas em várias direções). Era meramente um invento científico. Hoje em dia, ele é utilizado para realização de cirurgias, leitura de superfícies ópticas ou códigos de barras, telecomunicações, ou simplesmente para apontar notas num quadro branco. 

Mas talvez um dos casos mais emblemáticos seja o do músico alagoano Nelson da Rabeca. Criado no roçado, viveu alheio às modernidades e artes do mundo. Aos 54 anos, viu na cidade uma pessoa tocando violino. Pensou: “vou fazer um desse pra mim”. Mesmo sem nunca haver estudado instrumentação ou música, conseguiu construir a rabeca (violino rústico) e hoje é um dos principais luthiers2 do Brasil, no que se refere a esse instrumento. Também toca esse instrumento e faz composições junto com a esposa, que as interpreta. Ora, se Nelson da Rabeca tivesse a oportunidade de, quando jovem, estudar música, quanto mais ele não poderia ter contribuído? Quantos “mozarts” ou “einsteins” não estamos perdendo nesse Brasil ignorante?

Realmente, talvez a maioria do que você estuda hoje não lhe sirva. Mas, se servir, não terá valido a pena a semeadura que foi feita? Há uma frase muito boa que diz: “sorte é quando a oportunidade encontra o preparo”. Pense nisso.


1Uma disciplina que estuda o cálculo diferencial e integral idealizado por Newton
2Pessoa que fabrica e/ou repara instrumentos musicais

domingo, 24 de junho de 2012

Hoje te amo, amanhã te odeio

Declarações de amor nos meios digitais nem sempre são verdadeiras. Muitas vezes prenunciam o fim de um relacionamento

Demonstrar de maneira pública a quantas anda um relacionamento não é novidade. Antigamente escrevia-se nos troncos das árvores os nomes dos enamorados e o símbolo do afeto: um coração atingido por uma flecha. Anos depois, dado o aumento da civilização e a redução do espaço verde, os muros e paredes foram tomados de pichações que duram muitos anos. Hoje é fácil encontrar declarações de desconhecidos de todos os tempos de que “duas pessoas se amam”.

Mas como entramos na década da velocidade e do público exacerbado, essas declarações migraram para o ambiente virtual. Não há mais desconhecidos que “se amam”, mas um anúncio em alto e bom som do status de um relacionamento de alguém. É como se dissessem: “Atenção, estou livre!”. O que se põe em um perfil na Internet tem mais validade que uma aliança. É também a verdadeira prova de compromisso, de relacionamento sério. É a mais nova forma de dizer “Acabou! Estou namorando”. Fotos de momentos felizes, de lugares para onde viajaram juntos, do outro, pipocam incessantemente, importunando quem não tem nada a ver com aquilo. Frases de apaixonados (normalmente esdrúxulas, como diria o grande poeta português1) são exibidas para quem quiser ver.

Mas, como diria o outro poeta2, de repente (e não mais que isso), em meio a fotos e frases românticas, surge o novo status: “relacionamento: solteiro”. Como assim? Acabou o encanto? “Do riso fez-se o pranto”? Difícil acreditar. Tudo estava tão bem... Será que estava mesmo?

Dizem as lendas e as estórias (às vezes a história também) que o amor é um sentimento sublime, puro, benigno, que tudo espera e tudo suporta. E ele acaba? Alguns dizem que sim, outros que não. Mas, se acaba, acaba assim tão rápido? Sem nem tempo para pensar, refletir? Bem, acredito que não. Provavelmenet acabe sim, se não houver chama que o alimente, não há como se sustentar. Mas seguramente não é rápido. A paixão, essa sim é rápida. Mas o problema que vejo com essas pessoas é outro. Não é nem de amor nem de paixão: é de sinceridade.

Relacionamentos não acabam da noite para o dia – a não ser aqueles que nunca deveriam ter começado. Ele vai se desgastando aos poucos. Incompatibilidades incontornáveis, orgulho, inconcessão, falta de companheirismo, princípios conflitantes, mudanças de atitudes (acredito mais em revelação do que em mudança), incompreensão. Tudo isso são coisas que degradam os sentimentos afetuosos. Ora, isso não ocorre da noite para o dia. Então por quê, em questão de horas, as fotos e declarações dão lugar a uma notificação de “estou livre”?

Talvez haja dois motivos para isso. Ou a pessoa quer fazer crer que está em um relacionamento estável ou quer convencer-se de que tudo está bem. Pessoas que se enquadram no primeiro caso sofrem necessidade de aceitação. Sentem-se acossadas por uma “sociedade” que lhes cobra ter alguém para amar – se essa sociedade existe, é tão forte a ponto de mandar em sua vida particular? Ou isso é uma justificativa para suas fraquezas? Você não é nenhuma personalidade famosa. Guarde sua vida amorosa para você mesmo se falar de seu amor é pura farsa.

As que aderem ao segundo motivo podem sofrer de problemas piores. Aceitam manter uma relação sabidamente insustentável por algum motivo desconhecido. Talvez queiram fazer valer a energia que gastaram para engatar a relação. Ou pior, acham que finginddo felicidade, fugindo dos problemas reais, evitando encará-los, eles se resolverão sozinhos ou magicamente. Não, criança. Se você não tomar uma decisão e levá-la a cabo, seu sofrimento não terá fim. Tenha a coragem de fazer você mesma feliz. Não é possível enganar-se a si mesma, e você sabe disso. Enquanto você segue sofrendo apenas para não estar sozinha, joga fora a oportunidade de ser feliz com alguém que pode estar próximo.

E sigamos acompanhando os novos status em nossa rede social preferida.

2Vinícius de Moraes, em Soneto de Separação

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Saber

Invejo os brutos
Queria imitar os leigos
Mas minha fraqueza não me permite
Afinal, para que estudar as ciências do mundo?
O muito estudar traz o raciocínio
E o muito saber causa estranhamento
Como se pode ser feliz quando se entende uma música que se ouve?
Onde está o prazer em decifrar uma imagem pintada por um artista?
Feliz mesmo é o indouto
que encontra prazer no mínimo das coisas
Não que adote isso por filosofia
mas porque tudo lhe vai bem
- Ah, que música bonita!
- Oh, gostei desse quadro!
Nada como um carpe diem após o outro!
Queria não conhecer os poetas
Daria tudo para ignorar os gênios da ciência
O que será de mim nesse mundo leigo?
Ouço aplausos para um falso artista
e minhas mãos tremem em silencioso protesto
Vejo olhares alegres para um anti-herói
e desvio o meu em desaprovação
Quão sozinho estou!
Antes soubesse dessa predestinação terrível
e não teria aberto o primeiro livro
Teria regozijo em cada ajuntamento a cada esquina
e também muitos amigos
Teria tardes pachorrentas
e lânguidas atividades
E o mundo seria bom

terça-feira, 19 de junho de 2012

Bom dia

– Bom dia!

A frase chegou indiferente à cobradora de ônibus. Afinal, nunca lhe falaram, e a frase, puída, rota, não passa de convenção social. Nada sincera. Invenção de poucos para alguns.

– Bom dia!

Nenhuma reação. Apanhou o dinheiro, contou o troco. Ia entregar-lhe... Descobriu, além da mão estendida, uns olhos grandes, cheios de brilho, um sorriso largo, uma convicção. Repetiu, contundentemente:

– Bom dia!

Causou-lhe estranheza e surpresa a imposição da sentença. Em meio à pequena multidão que acotovelava-se no ônibus, entre o burburinho e os bocejos denunciadores do sono interrompido, ali estava, defronte a ela, uma pessoa contrariando o cenário. Parecia não ser levada pelo clima reinante de apatia e aborrecimento geral. Ao contrário, assemelhava-se a uma pequena chama num breu escuro. Não sabia da vida desta, mas certamente conhecia bem a sua. Essa outra deve ter bons motivos para aparentar felicidade, mas daí a querer que os outros a acompanhem? Essa não!

Lembrava bem como foi sua infância. Sem pai, irmã mais velha em uma família de quatro filhos, fazia as vezes de mãe, enquanto a sua ia trabalhar. Habituara-se a bater nos irmãos mais novos durante dia e apanhar da mãe às noites. As visitas à escola – pode-se dizer assim, tão poucas vezes frequentou o lugar – foram dignas de esquecimento. Naquele ambiente só havia dois tipos de pessoas: as que haviam nascido para aquilo e as que iriam fracassar independentemente do que fizessem. A diferença entre ela e essas útlimas é que elas insistiam, mesmo percebendo seu insucesso. Ela, racional e consciente, preferiu entregar-se à correnteza do que remar contra a maré. Fez ali poucos amigos, dos quais também pouco se lembrava. Recordava que havia uma amiga que fora especial de certo modo, mas agora já não importava mais.

Fora relativamente longa aquela sua vida. Na metade da adolescência descobriu, observando os casos da vizinhança, como livrar-se de seu penar. Arrumou um homem. Não necessariamente um marido, pois esse título é reservado aos bons casamentos. Não teve muito esmero nessa tarefa. Escolheu um dos primeiros que apareceram. Não se pode dizer que gostava dele, mas precisava dele. O fato de ser casado não tinha importância para o que se prestava aquele arranjo. Não passava de uma ponte. Um novo martírio talvez, mas certamente diferente. Era a surpresa da novidade que a impelia.

Pouco tempo viveu em relativa tranquilidade. Logo viu-se de novo no espancamento noturno. Enjoou daquele homem e decidiu usar a técnica mais uma vez. De caso novo, logo percebeu que, ao contrário de antes, onde havia indiferença de sentimento, agora havia uma força contrária. Detestava-o, e o bom homem era-lhe uma tortura. Conheceu outro, um famigerado da polícia local. Amou-o muito. Ele também, a seu modo. Mas, após este anunciar que acabaria com sua vida, mudou-se para outra cidade.

Começou a trabalhar e foi morar em companhia de outras mulheres. A arenga era tal que quase sentiu saudades dos tempos de convivência com os irmãos. Ganhou algumas cicatrizes e foi viver com alguém de sua família que lhe era chegado. Dava-se bem com a prima. Conheceu um homem seu vizinho e acabaram por se juntar. Ambos desafortunados, foram morar de aluguel em uma pequena vila. É ali que reside ainda, suportando com dificuldade as agruras de uma vizinhança rude e má. Aborrece-se quando sai de casa e enfadonha-se ao chegar. Parece que nunca terá o que chamam de paz na vida.

E agora ali, parada em sua frente, alguém que lhe enseja um dia bom. Como pode ser bom o dia? Já não bastam os outros que lhe espezinham, agora também esta? Mas, essa força da saudação, de onde vem? Esse desejo de que essas palavras realmente se tornem verdade não parece normal. Pensou... Será? 

Lentamente, começaram a saltar da mente lembranças felizes, com pessoas alegres e lugares bonitos. Eram suas? Pareciam tão alheias... Logo recordou-se delas. Um esboço de sorriso principou a formar-se à medida que os cantos da boca se afastavam um do outro. Sim, estava lembrando de um aniversário em casa, com os irmãos. Eles haviam lhe preparado uma surpresa. Lembrou do susto ao ver a casa escura ao voltar da escola, da surpresa dos urros dos irmãos e da mãe que chegava na hora. Sentiu novamente o abraço do momento e a clareira de felicidade que prevaleceu durante aquela noite. Veio à tona também um ligeiro namoro no início da adolescência, mas tão sincero e tão bom... Pena que ele teve que ir para longe. Achou que seriam muito felizes agora, se o destino tivesse permitido. Lembrou-se de um gato que criou por um tempo, pelo qual teve muita feição. Foi com lágrimas que doou-o a uma criança que havia perdido o dela de modo trágico. Agora lhe ocoriam rostos, lugares, datas. Dias em que despediu-se da noite e abraçou o dia embalada em canções que falavam de coisas boas. Dias nos quais teve um abraço quando choveu. Vezes em que consolou choros. Vezes em que foi defendida por quem não conhecia. Foram bons os dias em que acordou tarde e foi o sol quem instou com ela para que levantasse. Foram boas as noites todas que viu a lua cheia sair de dentro do mar e falar com ela. De repente, o mundo parecia melhor e a vida era quase boa. Até lembrou o nome da amiga do colégio. Foi uma boa amizade, agora tinha certeza. Por onde andaria? Queria que estivesse bem...

Ainda tinha os olhos fitos nas cédulas que tinha à mão. A outra aguardava. Voltou os olhos à passageira, arauta da vida naquele dia. Queria agradecer-lhe por fazê-la entender que a felicidade é feita por nós e é oferecida até aos mais desamparados. Basta que cada um encare o destino com boa-vontade e otimismo. Decidiu ali que faria tudo diferente. Percorreria o sonho de ser feliz, mas teria que começar de alguma maneira. Então percebeu como dar o primeiro passo. O sorriso, já principiado, alargou-se. Encheu-a uma coragem, uma convicção. A boca finalmente abriu-se:

– Bom dia!

sábado, 16 de junho de 2012

Votos

O brasileiro só consegue ser honesto em um paradoxo: a venda de votos

O brasileiro é realmente um bicho muito engraçado. E conflituoso (mais do que conflitante). Na verdade, essa “graça” é do tipo que leva à exasperação. É bem sabido que brasileiro não é chegado à honestidade (apenas a cobrá-la dos outros), é dado a falcatruas, ganha no peso e na medida. Só pra ilustrar, brasileiro fura fila, pega emprestado e não devolve, mente à beça, se apropria do alheio quando pode, frauda o imposto de renda, dá seu jeitinho sempre. Mas tem um caso particular em que ele poderia fazer qualquer uma dessas coisas, e eu não me importaria, mas justo nessa situação ele é “honesto”.

Estou falando da venda de votos. Venda ou troca – na verdade, escambo. O candidato dá alguma coisa para o eleitor, que promete que votará nele e... surpresa! Contrariando toda a lógica, ele realmente vota em seu bem-feitor. O brasilleiro usa sua sagacidade e astúcia para fazer mal ao coitado que lhe é próximo, mas para o poderoso ele se curva em fidelidade. Justamente a esse, que é o responsável por sua desgraça, ele lhe oferece obediência. Mas por quê?

O voto é secreto, mas votam como se não fosse. Agem como se pudessem ser descobertos. Claro, há a situação em que um grupo todo pode ser acusado de não ter votado em determinado candidato devido ao número de votos ser menor que a quantidade de pessoas que deveriam ter votado, como é o caso em pequenas cidades ou patrões candidatos. Mas essa não é a totalidade das situações. Inclusive porque mesmo nesses casos, não é sempre que o candidato derrotado pode fazer algo contra aqueles que não votaram nele. E mesmo nos casos em que o político não consegue se reeleger, ele terá apenas mais alguns dias de mandado, e não é de todo uma ameaça. Por que raios só nesse caso os brasileiros são “justos”?

Mas é como dizem: o rico não gosta do pobre, e esse menos ainda gosta de si.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Amar e amar

Há pessoas que entendem que amar é encontrar uma pessoa que lhe complete. Apenas conseguem sorrir quando estão em um relacionamento. Acredito que muitas dessas pessoas são infelizes. Ora, como você pode dar aquilo que não tem? Antes de gostar dos outros você primeiro tem que gostar de si. Amar-se. Bastar-se. Apenas na presença do amor verdadeiro alguém deve amar mais a outrem que a si. É como se o mandamento Ama a teu próximo como a ti mesmo significasse Ama tanto a teu próximo como a ti mesmo. Amar não é procurar alguém para somar, mas para dividir, compartilhar. Não se deve procurar alguém para lhe completar, mas para compartilhar o amor que você já possui, extendendo-o ao outro, incluindo-o sob o alcance desse sentimento.

Procurar alguém para se completar muitas vezes configura-se em inquilinismo, ou, no pior dos casos, parasitismo, quando não há equilíbrio na medida em que cada um se dá. Outras vezes torna-se dependência, demonstrada nos inúmeros casos de desespero e loucura por um relacionamento terminado. Amor próprio não faz mal a ninguém. É benéfico. É sadio. Como diz a cançãoLearning to love yourself it is the greatest love of all (aprender a amar a si mesmo é o maior amor de todos).

domingo, 10 de junho de 2012

Eufemismos

A atual onda de eufemismos não passa de mascaramento para destratos que permanecem intocados

Eufemismos sempre existiram. É uma interessante figura de linguagem. Amenizam o sentido de certos dizeres que de outro modo seriam inapropriados em determinada circunstância. Mas temos visto nos últimos anos uma explosão de eufemismos. Um verdadeiro abuso, na verdade. São eufemismos de todos os tipos, muitos deles inúteis, outros equivocados e tantos sem razão de ser.

Antigamente a mulher contratada para fazer as vezes de dona-de-casa era chamada empregada doméstica. Acharam um absurdo o termo. Passaram a chamá-la diarista (embora semanticamente esses dois termos não sejam a mesma coisa). Não satisfeitos, promoveram-na a secretária. Não perceberam, no entanto, que, na ânsia de serem politicamente corretos, de fazerem justiça vocabular, incorreram num caso clássico de lençol curto: deram um benemérito a uma classe em detrimento de outra. A antiga empregada doméstica foi alçada ao posto de secretária, coisa para a qual até curso superior há hoje em dia. Mais: até três línguas se exige. “Rebaixaram” uma classe que busca se especializar cada vez mais apenas por um capricho linguístico. Sim, ninguém me diga que com isso estão fazendo justiça. Reconhecimento de verdade é pagar salário justo, direitos, tratar com respeito, e não mudar um nome e acreditar que isso resolveu todos os problemas. Em vez de promover moralmente uma classe, “rebaixaram” profissionalmente outra.

Mas o ponto alto do abuso de eufemismos é o mundo corporativo. Ali nada se diz como de fato é. Na verdade, as empresas atuais criaram seu próprio jargão, assim como a classe médica (onde doença é patologia, dosagem é posologia) e as pessoas da lei (contestar é impugnar, negar é indeferir). Quem antes era empregado, já foi um dia funcionário, passou por colaborador e agora já é associado. Ora, você se associa a um clube, a um grupo de interesses afins. Na empresa você trabalha, não comunga de amenidades. Mais uma vez um nome que não condiz com o tratamento dispensado a quem se refere.

O arcaico professor, antigo instrutor, agora é o facilitador. Hoje ninguém faz curso. Faz solução educacional. E ele não tem custo. Agora é investimento. A profusão é enorme, e para quê? Um nome é apenas um nome. As atitudes é que vão determinar o que se traduz por eles. Essa atitude me lembra uma fábula de Esopo.


O Cavalo e o  Palafreneiro
(Esopo)
Ao palafreneiro1 que lhe roubava a cevada e ao mesmo tempo o acarinhava o dia inteiro,um cavalo declarou: - Queres mesmo que eu seja belo? Não vendas mais a minha cevada. Assim fazem as pessoas cúpidas2: procuram seduzir os pobres com propostas insinuantes e bajulação, enquanto os priva do necessário. 
 
1Indivíduo que cuida de animais em cavalarias
 
2Que demonstra cobiça material

quarta-feira, 6 de junho de 2012

O Moleque


Na favela
O moleque corre
Sem pressa
Alheio da vida
Não sabe o que o espera
Solta pipa
Corre à toa
Vai em direção à vida
Má ou boa

A favela
É intensa batalha
Sem trégua
Polícia e bandidos
Ambos sinais de alerta
Batem num
Matam outro
Pois não veem mal algum
– São estorvo

Da favela
O moleque sai
Alerta
Vai ver a cidade
Que coisas terá nela?
Ouve gritos
Outro expulsa
E qual a causa disso?
Nenhuma

Pra favela
O moleque volta
Depressa
Onde é seu lugar
Entrega-se à baderna
Assim cresce
Assim sofre
Logo cedo fenece
E morre

domingo, 3 de junho de 2012

O futuro do país

Lembrança de quando estudava na rede pública de ensino

– Vocês são o futuro do Brasil, dizia a professora.

Recebíamos a premonição enquanto copiávamos, mãos ávidas, o que estava escrito na lousa – os livros não viriam esse ano. E enquanto escrevíamos éramos espetados por algo na banca ou na cadeira em que estávamos sentados – parafusos ou pregos soltos, lascas de madeira. O garrancho ia preenchendo o espaço na folha escura, parda, de papel jornal. Cadernos que o governo distribuía para que a previsão se concretizasse. Os lápis, pequenos, que a custo conseguíamos mantê-los à mão, com a ponta mal-feita, percorriam as páginas do caderno, linha a linha, com uma borracha rasgada no topo. Cuidávamos em não imprimir muita força na escrita para não furar a página em que escrevíamos. Aqui e ali haviam manchas escuras no papel. Resultavam de quando apagávamos os erros ortográficos. Os que mais erravam traziam as folhas mais escuras. Vergonha. Incompetência. Motivo de mofa.

– Vocês são o futuro do Brasil.

A frase pairava sobre nossas cabeças miúdas – várias, enfileiradas, amontoadas em uma pequena sala – e alguns de nós, os mais criativos, deixávamo-nos enlevar por ela. Imaginávamo-nos no futuro, homens feitos, casados e com filhos. Pensávamos em profissões simples: bombeiros, motoristas, guardas de trânsito, vendedores. Iríamos fazer um país melhor. Outros de nós deixavam o prognóstico passar desapercebidamente. Estavam ocupados pensando no pai bêbado que os receberia a sovas em casa, se haveria jantar à noite, se encontrariam a mãe em casa ou com homens na rua. Ou nas diabruras que aprontariam ao sair dali, pois não havia ninguém em casa e a vizinha dava cascudos e beliscões.

Fomos enganados. O futuro do país não estava em nossas mãos; não nos foi destinado. Deparamo-nos primeiro com a vida, num encarniçado confronto. Poucos sobreviveram. Meus amigos estão mortos. Sim, fomos enganados, e eles sabiam que mentiam para nós. O futuro do Brasil crescia em outro lugar: carro para ir à escola, carro para voltar para casa; salas bem limpas, bonitas, tudo muito novo; livros na bolsa, aulas de atividades culturais, alguém em casa para os receber com um sorriso e um abraço. A esses o país havia de acolher. Eles fazem o Brasil de hoje, pois eram seu futuro no passado. Nós éramos apenas o stuff1 da nação. Passamos despercebidos com nossa existência medíocre. Somos as pessoas que lotam os ônibus, que povoam as ruas, que preenchem os hospitais públicos, que formam longas filas nos bancos, antes mesmo de abrirem.

Fomos enganados para que não tentássemos mudar as coisas; para que nos conformássemos ao descobrir que estamos à parte da história do país, pois lutaríamos toda a vida, e, não conseguindo nada, é porque fomos incompetentes, incapazes. Somos o stuff da nação, e ninguém se preocupa com ele. Afinal, para que serve? Para estar lá, apenas. Faz parte do cenário. Não importa o que aconteça com ele, desde que não incomode “o futuro da nação” .
     
Predições ainda são feitas, mas continuam inócuas. O stuff vai se renovando e se avolumando. Estamos prestes a transbordar do recinto.


1 Perdoem-me os puristas, mas é que não encontrei uma palavra na língua portuguesa que traduzisse a força expressa por stuff, termo inglês que, em um de seus usos, traduz a ideia de preenchimento, recheio. É utilizada quando se quer designar algo de maneira imprecisa, ou não o nomeando por não ter importância. (e.g., "Take a bag and put some stuff in it" quer dizer "Pegue um saco e ponha algo dentro dele")

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Os meios de comunicação e nós*

Nossas relações pessoais são afetadas pelos meios de comunicação. Até que ponto iremos?


Na pacatez das cidades de outrora todos se conheciam. A vida privada inexistia, sendo o viver de cada um público. Era sabido onde cada qual morava, e não raras vezes os vizinhos se acercavam, visitavam-se, metiam-se porta adentro. Comiam juntos, bebericavam, passavam horas no alpendre a parolar. Dias tranquilos...

Mas a modernidade sempre vem, e traz consigo suas invenções. Assim veio o telefone, grande, respeitoso, conferindo sobriedade aos donos ilustres. Agora o ir e vir era substituído pelo discar. Os que não possuíam o aparato novíssimo pediam auxílio aos detentores. Crescia a distância e os pés principiavam a descansar. Os endereços olvidavam-se, sendo lembrados apenas nas visitas indispensáveis – nascimento, morte, matrimônio, aniversário.

Mas o tempo sempre corre, e mostra mais de suas novidades. O aparelho imenso, pesado, imponente de outrora, miniaturiza-se, apequena-se. Seu dono agora o carrega consigo, tornando-se independente de lugar. Desmaterializa-se, figura incorpórea. O lar, onde quase já não se ouve o tilintar do aparelho, torna-se cada vez mais sagrado. Pode-se adentrar ali apenas depois de custosa autorização. O número mágico que permite que as vozes de longe irrompam no silêncio, antes divulgado, agora reserva-se aos chegados. Se algum desconhecido o utiliza, é acuado com a indagação de onde conseguiu o número.

Roda o mundo, nova geração de maquininhas e novidades do novo século. Agora a voz torna-se dispensável. As frases são transportadas para um teclado mudo, frio, lidas em uma tela de monitor idem. As céleres conversas entre amigos são desaceleradas pelo movimentar de dedos nervosos e por mensagens que cruzam distâncias, indo depositar-se em lugares que não existem em nosso mundo, mas em outro. Parodiando a mágica das cartas de correspondência, agora temos caixas de correio que nunca envelhecem e dificilmente abarrotam. O novo endereço, em novo formato, agora é distribuído a todos, amigos e desconhecidos, próximos e afastados. Torna-se fácil falar com o distante do outro lado do mundo. Até que...

O novo torna-se velho, e assim o aparelhinho que cabe no bolso e o endereço denominado eletrônico são promovidos ao desconhecimento geral. Só os antigos o conhecem. Agora é necessário muita confiança para fazê-los cientes. Melhor usar a nova forma de comunicação: mensagens instantâneas entre pessoas afastadas de qualquer distância. Melhor que manusear algo ao ouvido. Agora é possível falar assuntos diferentes com pessoas distintas. O sonho da onipresença toma novo fôlego. No afã de fazer valer nossa natureza social, congregamos amigos em um espaço apertado no canto de uma tela de monitor onde todos brigam por atenção. Necessário ter todos por perto.

A essa altura, o caminho das residências cai em total desconhecimento. É como um lugar secreto sem mapa, revelado apenas aos familiares. O mundo está perigoso e ali é o reduto da paz e do sossego que não pode ser abalado. Ao mesmo tempo em que as pessoas migram para gaiolas de concreto, passando a morar cercadas em todas as direções por outros viventes, a distância vai na contramão do espaço físico. Mais uma novidade deve surgir para remediar a situação.

Alguém tem a ideia de converter amigos em números. A invenção é tão bem-aceita que subvertem a lógica: os números suplantam o que deveriam representar. Todos correm a aumentar seus números em uma rede de relacionamentos. Agora mensagens e fotos são compartilhados por todos e tudo é exposto como frutas em feira. Pessoas esquecidas aparecem, ao passo que outras, sempre presentes, somem. Enquanto uns abraçam o novo sistema, outros o desprezam. Esse torna-se o modus operandi de conhecer pessoas. Tudo o mais – comunicadores instantâneos, número de contato, endereços físicos – vem através dele. As pessoas rcolhem-se a seus compartimentos e esquecem o mundo lá fora. 

Mas alguns, tomados pelo tom de libertinagem do novo sistema, iniciam a prática da delinquência. Os outros se assustam. Desertam. Fecham-se em seus mundos. Vão de encontro à lógica nascida para agregar pessoas. O espaço irreal passa a refletir o real – o do medo, do receio do outro que não se conhece. Um ciclo que se fecha. Fim que vira começo.

E agora, aonde iremos? Talvez voltar ao princípio. Bater na porta ao lado e descobrir um sorriso aberto. Chamar um nome e receber um abraço. Trocar o receio pela confiança. Despertar a parceria através da mão que ajuda. Abrir nossa família para receber outra, e ganhar com isso. Talvez o que precisemos não sejam aparatos tecnológicos, mas a alegria de lidar com o outro frente a frente, apertar sua mão e convidá-lo a nossas vidas. Dar lugar à natureza gregária que nos manteve vivos até aqui e construir um futuro em que nossos relacionamentos não sejam moldados por invenções, mas que estas apenas reflitam nossas – oxalá eternas – intenções de camaradagem.


*Crônica finalista do concurso de talentos da Petrobras