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quarta-feira, 9 de abril de 2014

Minha idiossincrasia


Passei toda minha adolescência me autodeclarando niilista e iconoclasta. Adorava discordar das unanimidades e escarnecer dos ídolos adorados por todos. Tinha verdadeiro prazer nisso. Nunca recebendo impressões dos outros, sem ter contato com a crítica especializada, sempre tirava minhas próprias conclusões a partir de minhas observações. Não tinha muito acesso a informação, de modo que, ao ouvir um cantor ou banda (invariavelmente sem saber seu nome), realizava uma audição totalmente isenta, livre de qualquer dado que viesse a tendenciar minha opinião crítica. E o que gostava ainda mais era descobrir antes de todo mundo um talento, alguém ou algo que viesse a fazer sucesso ou ser bem conhecido. Isso me enchia de orgulho, pois comprovava meu faro para talentos brutos ou ignorados. Na mesma medida, rejeitava alguém ou algo que estava na boca do povo. Sentia verdadeira aversão, antes mesmo de conhecer o objeto de veneração pública. Só depois de tal coisa cair no esquecimento é que me aproximava e a examinava bem, e, se fosse o caso, dava meu crédito.

Não sou mais adolescente, mas ainda guardo comigo essa característica – um pouco esmaecida, talvez. Absorvendo conhecimento de diversas fontes, passei a admirar certos ídolos baseado no que descobri a respeito deles (ou de experiências que tive) e também abandonei o espírito do niilismo (por julgá-lo uma tentativa pouco prática de solução de problemas). Continuo partidário de minhas descobertas e avaliações, sentindo grande satisfação quando algum crítico reconhecido corrobora minha nota preliminar. Sim, ainda sinto repúdio em relação à celebração massiva de algo. E creio que essa última característica tem gerado uma imagem incongruente de mim mesmo perante os que acompanham meus posicionamentos à certa distância.

Estamos vivendo tempos de ativismo social intenso (ainda que fortemente virtual e não necessariamente sincero, dado que virou algo cult). Jovens idealistas bradam contra as desigualdades do mundo, suas injustiças, seus carrascos desmascarados. Escolhem alvos, bandeiras a serem levantadas bem alto a fim de chamar a atenção para suas causas. É bem verdade que muitos que se dedicam à tal atividade estão apenas gastando a energia dos hormônios juvenis. Quem os encontrar daqui a alguns anos não os reconhecerá, incrustados que estarão na realidade do sistema outrora pérfido. Não simpatizo com seus exageros, nem com seus modos, nem com sua incontinência. O problema é que também sou contra algumas coisas que eles atacam. Por exemplo, tenho verdadeira abominação por pessoas que julgam alguém pela cor de sua pele. Também não concordo que as mulheres não sejam equiparadas aos homens em diversos aspectos. Tenho combatido ferozmente tudo que chega a mim em relação a isso e outros pontos, mas algo me impede de subir num banco e gritar contra isso aos quatro ventos.

Esse empecilho é o barulho que vem de tanta gente eufórica tentando mudar o mundo a qualquer preço, empurrando possíveis aliados e passando por cima de quem para pra pensar um pouco se estão indo na direção certa. Preferia ser eu o primeiro a escancarar os problemas inúmeros desse país, de nossa sociedade. Publicamente defender os que sofrem, acusar os que os maltratam. Fazer conhecidas as pequenas classes desfavorecidas que ninguém se importa em enxergar. Mas antes que minha voz pudesse ser ouvida por muitos eles vieram e tomaram a dianteira. Agora falta-me assunto. Vez em quando vocifero contra eles, como que para vingar-me. Irrita-me saber que muitos não têm real compromisso com a causa. Preocupam-se demasiado com o discurso, mas pouco com as ações. É como um irmão que toma o brinquedo de outro sem o objetivo de se divertir.

É por isso que evito discursar sobre problemas sociais nos meios de difusão. A fim de não me confundirem com um deles. Eu sei, parece mesquinhez, mas é uma força maior do que eu. Quem é de meu convívio próximo sabe pelo que luto, mas quem toma conhecimento de minhas causas pelo que exponho deliberadamente para o mundo pode ter uma ideia equivocada de minhas ideologias. Como todo cidadão oriundo da periferia, detesto a polícia. Detesto patrões inescrupulosos. Detesto as classes abastadas que ridicularizam os trabalhadores pobres. Impreco contra o governo, a justiça, o transporte público, os médicos que nunca trabalham, os professores que nunca dão aulas. Somos iguais, mas diferentes.

É esse sentimento estranho que me faz ser um paradoxo: um iconoclasta conservador (sim, o sistema está falido e eu o repudio, mas isso é culpa de seus preceitos ou das pessoas que o puseram a perder?). Defendo a demolição de figuras e procedimentos arraigados, desde que não seja realizado por uma trupe barulhenta e por vezes supérflua. Enquanto zoam para os holofotes, sigo fazendo minha pequena parte nos bastidores, impossibilitado de elevar minha voz a fim de não me ver no meio deles. Às vezes tenho até vontade de me voltar contra as causas que apoiam, mas aí paro e me conscientizo que as causas nada têm que ver com seus arroubos. Foram apenas tomadas de reféns. Não sei se um dia eles se calarão, mas, se acontecer, estarei pronto para erguer a minha voz.

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