Título: O Som da Revolução: uma História Cultural do Rock – 1965-1969
Autor: Rodrigo Merheb
Editora: Civilização Brasileira
ISBN: 9-788520-010556
À exceção dos clássicos da
literatura, livros brasileiros são invariavelmente mal escritos. E
isso nos dois aspectos possíveis: forma e conteúdo. Reflexo de uma
cultura de pouca leitura e ódio ao idioma, realizado no minimalismo
preconizado por estudantes e alguns professores, o discurso é fraco
e as palavras são mal escolhidas. No quesito teor, o desapego a
detalhes e a ojeriza a teorias produz um manual técnico com fins
práticos muitas vezes inútil; um maço de poucas páginas ou um
calhamaço não coeso que quase nada agrega a quem o ler e pouco faz
diferença em relação a outras obras do mesmo assunto. Que dirá
causar impacto. Por esse motivo é que causa grata surpresa quando
nos deparamos com uma obra produzida em solo nacional que prima pela
boa escrita, tem uma narrativa envolvente e é pródiga em detalhes
que fazem toda a diferença.
O Som da Revolução: uma História
Cultural do Rock – 1965-1969, de Rodrigo Merheb, é leitura
obrigatória para aficionados, simpatizantes e curiosos do rock, e
altamente recomendada para interessados em geral, ignorantes sobre o
assunto e inimigos do estilo. A proposta do livro está expressa no
segundo subtítulo: a decisão de cobrir um período curto (mas
prolífico) da história do rock revela a despretensão do autor em
escrever uma malfadada cobertura de todos esses anos do estilo
musical, ao mesmo tempo que, dada a extensão de suas quase
quinhentas páginas, mostra que esses poucos anos são narrados com
riqueza de detalhes. O autor escolheu dois festivais, um para início
e outro para encerramento da obra, e um terceiro para o recheio:
Newport e Altamont, escoltando o inevitável e mítico Woodstock.
A escolha do festival de Newport como
abertura deve-se ao fato de ter sido nele que Bob Dylan, nome de
grande expressão do folk americano, tocou pela primeira vez em
público sua guitarra elétrica, escandalizando a audiência ali
presente. Marcava assim o início da invasão do rock a áreas até
então livres de sua influência. Já Altamont foi o palco da
desordem que anunciou que a paz e o amor talvez fossem incompatíveis
com os ideais de uma geração que clamava por músicas tão
agressivas. No meio deles, por sua vez, Woodstock, representação
maior da cultura hippie e ponto de parada obrigatória a qualquer
história do rock que se preze, pouco teve de coletividade,
espontaneidade, organização e, por incrível que pareça, música.
Mas, para maiores explicações, é necessário ler o livro.
O autor não se limita a despejar
datas, nomes e acontecimentos, mas constroi um panorama da época que
contextualiza o leitor no espírito e ânimos daquele tempo, trazendo
à tona a motivação dos músicos e consumidores do rock de então.
As histórias dos personagens são bem entrelaçadas, de modo que
nomes não surgem ou desaparecem do nada. Todos vêm e vão com um
propósito, e nunca com uma história própria, desconectada das
demais. Uma deficiência de livros de história, sejam propedêuticos,
acadêmicos ou de entretenimento, é dar a impressão de que um
determinado personagem existiu sozinho durante seu tempo. Merheb não
cai nessa armadilha, indicando o entrosamento, as influências, as
desavenças e tudo o mais que viveram juntos os protagonistas e
coadjuvantes das cenas descritas no livro. É importante destacar que
o autor não se deteve aos artistas, mas desenha também o retrato
dos empresários e qualquer um que tenha desempenhado alguma
influência no meio. Ao retratar muito mais que seus feitos – suas
histórias de vida, desventuras e projetos –, traz o personagem
para perto do público, que o encara antes como figura humana que
histórica.
Mas um dos principais méritos do
livro – e que poderia também ser um tiro pela culatra – é
emitir ligeiras reflexões sobre o fenômeno rock, principalmente
sobre a cultura hippie: seu impacto, sua filosofia e seus membros. O
modo como mostra o tão combatido sistema capitalista de braços
dados com o movimento que pregava a revolução, e por fim a total
posse do novo ritmo pelos empresários que o empacotaram para pôr em
prateleiras, desperta no leitor a curiosidade de pensar sobre o
caráter dos movimentos de contracultura. Até onde se sustentam? A
confissão, anos depois, de ídolos da rebeldia niilista de que
estavam arrependidos de seus dias de militância consiste em um grito
de alerta para aqueles interessados em mudar o sistema (é impossível
implodir o sistema ou de fato seus opositores obrigatoriamente
combaterão por um curto período de tempo de suas vidas? O sistema é
inexorável ou a motivação de seus inimigos não é sólida?). E o
desvencilhamento do rock do caráter de reforma social que o
caracterizou no início (tanto um como outro capitaneados por Bob
Dylan) levanta o debate sobre o papel político da arte – algo tão
forte no Brasil.
Outro ponto forte consiste na
reiteração do autor em chamar a atenção para a comum influência
do blues sobre os rockeiros sessentistas. Apesar de hoje se perder de
vista, o blues foi um dos principais estilos que deu origem ao rock,
onde bebiam seus jovens astros. De fato, Eric Clapton e Janis Joplin
estão mais para bluseiros deslocados no espaço e tempo (e
amaldiçoados pela brancura de suas dermes) do que para astros de
rock. Há também no livro uma seção na qual o leitor é agraciado
com indicações de quais álbuns ouvir para apreender a produção
musical daquela época, de grandes nomes a quase desconhecidos.
Registre-se ainda a façanha realizada por Meheb em escrever, com
muita propriedade, um livro sobre a história do rock, um estilo que
não se firmou muito por aqui – sobrevive em guetos, e o intitulado
rock nacional não passa de uma declaração chauvinista de que não
conseguimos fazer rock de alta qualidade. Por tudo isso é que Uma
História Cultural do Rock desponta como um importante acervo a
figurar nas estantes dos que se sentem mais vivos com o pulsar
binário do ritmo que atravessou décadas e marca gerações até
hoje.
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