Pesquisar este blog

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Fim de ano


Fim de ano...
Fim de muita coisa
Fim de coisas planejadas
de coisas voluntárias
e de outras que nem começaram
Mas não é um fim que termina
É um fim que se transforma
Vira começo
Começo de muita coisa
Coisas que faremos
coisas que finalmente faremos
e outras que ficarão apenas na agenda
esperando o próximo ano
Mas o viver, por essa ocasião não termina
É contínuo
Ininterruptível até o final definitivo
Não entra na agenda
Não como um item
mas como as várias partes que o compõem
Era uma vez um ano
Será outra vez um novo
Que findem os maus sentimentos
e recrusdeçam os bons
Que nasçam, se for o caso
Façamo-lo diferente
Não necessariamente melhor
porque o destino é inexorável
Mas vivamos
Terminemos
E (re)comecemos

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Um Novo Sentido pro Natal

A data é bem conhecida de todos: gente na rua, viagens, presentes, um velhinho estrangeiro e a neve que nós não temos. A cidade, armada de luzes e enfeites, cuida em anunciar a época aos desavisados. É Natal!

Natal... O que significa mesmo? Com algum esforço, lembra-se de um menino que nasceu (faz tempo) bem longe. Difícil lembrar. Bate um sino e nos vem o nome Belém. Pronto! Obrigação cumprida, vamos às comemorações. De quê? Quem era o menino? Ora! Isso já não importa! Comamos e bebamos, companheiros! (lembro que antes dizia-se irmãos).

Diminuído o Natal, ficamos com o Ano-novo. Novo tudo. Compra-se novo, fala-se de novo, pinta-se de novo. E tão pouco dura o novo. Vem a velhice que tudo acaba e toma o carro, a casa, as roupas e até os hábitos. Velho tudo outra vez.

É por esse tempo que descemos aos porões, subimos aos sótãos, pegamos as caixas, empoeiradas, e tiramos dela a árvore, a estrela, as guirlandas, anjos e contas de vidro. Espana-se, endireita-se, põe-se tudo em ordem. Ao final, o que resta é guardar tudo. Desfaz-se o presépio, desmonta-se a árvore. É também quando muitos aproveitam o momento para ir a seu depósito, buscam o sorriso guardado, desembrulham a boa-vontade, espanam a solidariedade, todos empoeirados. Guardam na caixa o mau-humor, a vingança e a ranzinzice, para pegá-los dali a alguns dias.

Então viram as festas de fim-de-ano uma grande deixa: um momento raro onde as pessoas apresentam o melhor de si e pode-se praticar valores esquecidos, como o perdão, o dar-se incondicional, o companheirimo. Se foi esquecido o princípio do Natal, se a passagem de ano virou sinônimo de enovecer tudo, fiquemos com o que há de bom nessa época. Praticar a amizade, trocar abraços, olhar o outro e vermos a nós mesmos. Agradecer (a quem?), ao menos no fim do ano, as coisas que vivemos. Mesmo aquelas que não vemos de tanto olhar. Lembrar a religião e praticar a tolerância tão em falta.

Se isso é Natal, por que esperar todo um ano? Celebremos todos os dias. Pensemos em prolongar os bons sentimentos e ações por mais tempo, desvincular boas emoções de objetos empoeirados, tentar mudar o mundo com a pouca força que cada um tem, mas muita se somada. Comamos e bebamos, sim, mas não deitemos no fundo da caixa o amor, a fé e a esperança. Vamos deixá-los para sempre pendurados na árvore da vida.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Maceió


Maceió minha
Minha Maceió

Tens história
Tens personagens
Tens lembranças
e sentes dores

Maceió minha
Minha Maceió

Um dia estive aí
e me sentia infeliz
Hoje estou longe
e me sinto mais infeliz ainda

Maceió minha
Minha Maceió

Porque é preciso ir longe para ver
Perder para sentir
Ter pouco para valorizar
e ter saudade para lembrar

Maceió minha
Minha Maceió

Tens sofrido tanto
nas mãos de homens que não te querem bem
Querem sepultar teu brilho
Querem que se esqueçam quem és

Maceió minha
Minha Maceió

Mas não te preocupes
Tens filhos valentes
que hão de proclamar teu nome
em lugares que desconheces

Maceió minha
Minha Maceió

Bendita seja a cor de teus mares
Benditas sejam tuas fontes de águas
Rende à mãe-natureza graças
pelas dádivas que dela recebeste

Maceió minha
Minha Maceió

Tua música é bela
Tuas festas são vivas
Tuas delícias são ricas
e teus sabores são muitos

Maceió minha
Minha Maceió

Sou exilado de teu chão
Sou privado de ti
São as lembranças que me sustém
e a saudade que me mata

Maceió minha
Minha Maceió

domingo, 9 de dezembro de 2012

Sugestão de leitura




Título: A Língua de Eulália
Autor: Marcos Bagno
Editora: Editora Contexto
ISBN: 978-85-7244-397-5








– Para dizer a verdade – prossegue Irene –, a Eulália é um poço sem fundo de conhecimento e sabedoria. Todo dia aprendo uma coisa nova com ela. Só de remédios caseiros, feitos com ervas medicinais, dava para encher uma enciclopédia. E como conselheira para momentos de angústia e depressão não conheço melhor psicólogo do que ela.

– Pode até ser – comenta Emília enquanto as quatro se sentam num grande banco de madeira sob um caramanchão. – Mas ela fala tudo errado. Isso para mim estraga qualquer sabedoria.

– Eu tive de me segurar para nao rir quando ela disse aquelas coisas na mesa – acrescenta Sílvia.

– Que coisas? – quer saber Vera.

– Ah, sei lá... agora não me lembro – responde Sílvia.

– Eu me lembro – adianta-se Emília. – Ela disse “os probrema”, “os fósfro”, “môio ingrês”...

– É mesmo – confirma Sílvia –, e a mais engraçada foi: “percurá os hôme”...

Sílvia ri, e Emília a imita.

Irene fica séria por alguns instantes. De repente, vira-se para as duas moças e diz:

Or tu chi se', che vuoi sedere a scranna / Per giudicar da lungi mille miglia, / com la veduta corta d' una spanna?

Sílvia, Emília e Vera, tomadas de surpresa, ficam mudas.

E então? Não querem rir também do que eu disse, como riram das coisas que a Eulália falou?

Mas você falou em italiano diz Vera.

Se era italiano, por que devíamos rir? Eu não posso achar graça naquilo que não entendo diz Emília.

E o que é que você fala? continua Irene.

Eu falo português diz Emília, já intrigada.

E o que é o italiano para alguém que fala português? quer saber Irene.

As moças param um instante para pensar. É Sílvia quem responde:

É outra língua.

Uma língua diferente completa Vera.

Muito bem diz Irene. Vocês não entenderam o verso de Dante que eu citei há pouco porque era italiano. Mas e se eu disser assim: “No mundo non me sei parelha, mentre me for' como me vay, ca já moiro por vos e ay!”?

Esse quase dá para entender, afinal é espanhol diz Sílvia.

Não senhora corrige irene. É português.

Português?! espanta-se Emília.

Português, sim, só que do século XII, Idade Média explica Irene. E que tal alguma coisa assim: “Estou-me nas tintas se não te apetece uma bola de Berlim”?

Vai me dizer que isso também é português? duvida Sílvia.

Claro que é, é português falado em Portugal. Significa: “Estou pouco ligando se você não gosta de comer sonho”.

Vera impacienta-se:

Tia, aonde é que você quer chegar?

Vocês não entenderam o Dante porque o italiano é diferente do português. Vocês não entenderam o português do século XII porque ele é diferente do português de hoje. E não entenderam o português de Portugal porque é diferente do português do Brasil.

E o que tem isso a ver com a fala errada da Eulália? pergunta Emília.

A fala da Eulália não é errada: é diferente. É o português de uma classe social diferente da nossa, só isso explica Irene.

Para mim é errado diz Emília.

É errado dentro das regras da gramática que se aplicam ao português que você fala diz Irene. Mas na variedade não-padrão falada pela Eulália essas regras não funcionam.

(…)

Antes eu quero saber o que foi aquilo que você disse em italiano...

Irene sorri:

São uns versos da Divina Comédia, de Dante. A tradução é difícil, mas significam alguma coisa como: “quem você, tão presunçoso, pensa que é para julgar de coisas tão elevadas com a curta visão de que dispõe?

domingo, 2 de dezembro de 2012

Nomes

Nossos nomes são nossa marca registrada. No entanto, parece injusto que o recebamos de outras pessoas, por motivos alheios aos nossos.



– Pois não, senhor Carlos, em que posso ajudá-lo?
– Tenha uma boa tarde, senhora Marisa, volte sempre!

Dizem as boas regras de convivência que a maior gentileza que se pode fazer com outra pessoa é chamá-la por seu nome – por isso os operadores de telemarketing e atendentes de loja são orientados a perguntar nossos nomes ao iniciar o atendimento. A pessoa sente-se especial, individualizada, única. Mas, a julgar pela extensa quantidade de nomes pouco convencionais – e pouco queridos – que por aí estão, essa regra é rebaixada de axioma (algo que não necessita de comprovação) para teorema (algo que deve ser provado como verdade).

Nossos nomes constituem um dos fardos mais injustos da atualidade. Eles nos são dados à nossa total revelia. Não opinamos, não tomamos parte, apenas o recebemos e não há nada a fazer que não aceitá-lo – há aqueles que o mudam, mas não sem complicações e dores de cabeça. Embora alguns argumentem que queriam ter pais diferentes, esse é um desejo impossível, uma vez que, com pelo menos um dos pais sendo diferente, a pessoa já não seria a mesma. No entanto, ter um nome diferente é um desejo totalmente plausível. A questão é que os pais não têm como saber se os filhos aprovarão o nome que eles escolheram.

Esse é um problema de muitos aspectos. Há diversas maneiras pelas quais os pais escolhem nomes para seus filhos. Alguns usam os nomes que estão na moda – por exemplo, o nome da protagonista da novela do momento –, outros, igualmente pouco criativos, reutilizam os nomes de parentes, como pais e avós. Há também os que, nesse caso, para que ambos os pais fiquem satisfeitos, dão ao rebento um nome que é a fusão de seus próprios nomes, gerando nomes estranhíssimos (imagine a fusão de Astrogenildo com Adamastora).

Mas há dois casos que, por sua excentricidade, constituem-se os piores. Um deles é quando os pais decidem fazer uma homenagem à custa dos filhos. Tudo bem os pais terem um time do coração, um ídolo dos esportes, um cantor preferido, um ator que admiram ou um escritor de quem gostam muito – às vezes, até um amigo se presta a esse fim. A pergunta é: o que seus filhos têm a ver com isso? Mas os pais, no calor do momento, não consideram que aquela criança, tão pequena e inerte, um dia terá seus próprios gostos e poderá discordar radicalmente da opinião de seus progenitores. Pior ainda se forem nomes ligados à religião. O rebento poderá tornar-se um descrente, um apóstata e, além de lamentar o nome que lhe perseguirá pelo resto da vida, ao mesmo tempo maculará a crença de seus pais com suas atitudes.

O segundo pior caso é quando os pais enfadam-se de procurar bons nomes e consideram que seria melhor criar nomes novos – um arroubo de autoconfiança e originalidade. Daí surgem nomes tão estranhos quanto divertidos – ao menos para os espectadores. São nomes de objetos, plantas, animais; termos os mais diversos. Há inclusive os que são formados por outros nomes ou mesmo frases escritos de trás pra frente. Não há limites quando se trata de pais empenhados em dar nomes únicos aos filhos.

Claro que sempre há a possibilidade de os pais terem escolhido um nome apropriado para o filho, mas esse nome pode assumir um significado depreciativo com o tempo. Qualquer nome está sujeito a isso. Sempre pode surgir um personagem na TV ou em livros – coisa rara, já que poucas pessoas leem hoje – e condicionar um nome a ele, afetando todos os portadores daquele nome. Não há muito o que fazer quanto a isso...

Talvez uma possibilidade de libertação para os filhos fosse receber nomes temporários dos pais, os quais poderiam alterar, caso desejassem, ao atingir uma determinada idade. Só teriam que lidar por um bom tempo com os apelidos baseados no nome antigo, além de ser inevitável os chamamentos do tipo “ex-fulano”. “– Ah, você que se chamava sicrano? Pode me chamar de João, mas todos me chamam de ex-beltrano”.

A escolha do nome para o filho é um desafio e uma responsabilidade. Por mais tempo que se gaste escolhendo, por mais considerações que tenham sido feitas, nada garantirá a simpatia da criança por seu nome. Ela poderá preferir outro qualquer, ainda que seja um tecnicamente pior. Se gostar, então todos viverão felizes para sempre, mas caso contrário, resta conviver com um apelido para substituir o nome, com o bullying, com o uso de apenas um nome (para os que têm nomes compostos), inventar um pseudônimo, esperar um redentor homônimo ou simplesmente afeiçoar-se a ele.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A visita do conhecimento

(Em minha infância, minha casa foi visitada diversas vezes por colportores - vendedores de livros que iam de porta em porta. Esse texto é uma homenagem a essas pessoas, em especial ao "Barbudo", o mais assíduo. Sem os livros que compramos àquela época, certamente não estaria onde estou hoje. O dia14 de março é dedicado a todos os vendedores de livros.)
 
Alguém chama à porta.

– Boa tarde!
– Boa tarde, responde a mulher que vem atender o visitante.
– Não gostaria de comprar um pouco de conhecimento?
– Como?!? – indaga a mulher, supresa – Conhecimento?
– Sim, minha senhora! Conhecimento: um pouco para você, um tanto para seus filhos e também para seu marido.

A mulher hesita diante de tão curiosa pergunta do homem estranho; não sabe o que fazer. Nesse momento, surgem dois meninos detrás dela.

– Olá, garotos! Vocês não gostariam de adquirir um pouco de conhecimento?

As crianças, confusas, olham ora para o homem que lhes oferece algo tão estranho, ora para sua mãe, que também olha para ele.

– Se me deixar entrar, senhora, posso lhes mostrar melhor. Sim, conhecimento para viver, conhecimento para sorrir, para melhorar de vida e até para se divertir. As crianças certamente gostarão.

A mulher mira os filhos, com olhares de petição. Dirige-se ao portão e permite ao homem que entre. Ele sorri e se dirige ao interior da casa, simples, vazia de conhecimento até aquele instante. Estava prestes a transformar-se...

Dentro de casa, sentado em um banco, o homem mostra a mala que traz consigo.

– Aqui dentro está o conhecimento!

Em uma mala? – indagam os pensamentos anuviados dos presentes. Como é possível?

– Agora lhes mostrarei.

Com um movimento hábil de quem está habituado à tarefa, abre a maleta, põe a mão dentro e vasculha seu interior, como que procurando algo em especial. Seria sua mala como o saco de Papai Noel? Pequeno por fora, mas capaz de abarcar um universo dentro dele? 

O homem, por fim, tira algo de sua mala mística: um livro. Segura-o firme, exibindo o que veio trazer.

– Aqui está, meus caros! Puro conhecimento.

Olha para a mulher, que ainda não está convencida se fez certo em deixá-lo entrar e se ele está falando a verdade. Passa-lhe o exemplar, que ela segura receosa, enquanto ele principia a buscar outra coisa em sua mala. As crianças acercam-se de sua mãe para ver o que ela agora tem nas mãos. E qual não é sua surpresa ao abrirem o livro: um esplendor sai de dentro dele. Fachos de luz vindos de suas páginas, multicores, projetam nas paredes da sala figuras diversas: são aves dependuradas em galhos de árvores, animais à beira de rios, homens fardados montados em cavalos, brandindo no ar suas espadas, retratos de reis, imperadores, imagens de civilizações antigas, suas construções, seus rituais, partes do corpo humano, palavras de outros idiomas, falados por povos distantes, bandeiras de outros países. Tudo girando em carrossel, viajando das páginas do livro para o espaço, acompanhados de maviosa música. A cada exemplar que o homem dá à mulher seguia-se um novo espetáculo de som, luz e cores. Os garotos quedam-se estupefatos com o que estão presenciando. Nunca imaginaram que pudesse haver tantas maravilhas nos livros. Aqueles eram diferentes dos de sua irmã mais velha. Era como se falassem com eles, pedindo-lhes morada naquele lar, tão seco de conhecimento. Prometiam ajudar os meninos em toda sua vida.

Enquanto a família folheava os livros, o homem discorria sobre a importância deles: citava fatos históricos, descobertas da ciência, regras de gramática, localizações geográficas, cálculos matemáticos, obras de escritores antigos. E com tal ênfase o fazia que sua assistência condescendia tacitamente com suas palavras, embevecida pelo que presenciava.

Ao cabo de um certo tempo, o homem parte, após ter cumprido sua missão: deixara ali uma determinada quantidade de conhecimento. Ali, naquela casa tão humilde, afeita à falta de sabedoria do mundo, talhada por mãos rudes de quem nunca teve um livro nas mãos. Agora era outra: havia ocorrido naquele momento uma profunda e eterna transformação. A tristeza e o tédio deram lugar a prazerosas horas em companhia dos novos moradores do lar. A passagem daquele homem, naquele dia, mudou a história daquela família. Ele, que já vinha de outros lares, e ainda passou em outros tantos – alguns aceitando, outros rejeitando a maravilha do conhecimento –, continuou a visitar aquela casa, sempre com um novo espetáculo, uma mágica fabulosa, e sempre oferecendo:
 
– Não gostaria de um pouco de conhecimento?

domingo, 25 de novembro de 2012

A virgem e as outras

A venda da virgindade por parte de uma jovem pode até ser o ápice de uma sociedade onde sexo e dinheiro se complementam, mas está longe de ser a única manifestação disso.



Há alguns dias os noticiários veicularam diversas matérias a respeito de uma jovem brasileira que decidiu leiloar a virgindade por motivos controversos. O fato causou alguma repercussão. Enquanto alguns deram de ombros por acreditarem que ela tem a liberdade de fazer o que quiser com seu corpo, outros a criticaram. Não cabe aqui fazer uma discussão moral ou ética a respeito, mas é uma boa oportunidade para tomarmos tal caso como mote para outra discussão.

Muitas mulheres se indignam com o fato de que algumas delas utilizem seus corpos para auferir ganhos. Acham um absurdo, algo sujo, inaceitável. Embora umas poucas façam críticas com motivações invejosas – frustram-se por não terem a coragem de seus alvos –, a verdade é que a maiora delas não percebe que esse fato é apenas o cenário mais gritante da troca de favores sexuais por pecúlio.

Muito da ideia de romance que acreditamos ser verdade vem dos contos de fadas. Neles, as “heroínas” são lindas e desfavorecidas socialmente. Sofrem agruras as mais diversas até que são salvas por um príncipe que lhes dá tudo – o qual nunca viram ou ouviram falar. Não fosse ele, a heroína seguiria sua vida de sofrimento, infeliz para sempre. Não são poucas as mulheres que carregam essa ideia de relacionamento. Crescem na projeção de um dia encontrarem um homem perfeito que mudará seu rumo, tornando esse encontro um divisor de águas em sua vida. Com isso em mente, esquecem-se de viver suas vidas, preferindo a reconfortante crença de que alguém aparecerá para suprir suas necessidades. Com o advento das mulheres no mercado de trabalho, a dependência financeira diminuiu, mas a emocional continua bem presente mesmo em nossa época. Aceitam a idea de que o homem tem a obrigação de lhes prover tudo, mas em nenhum momento acenam com a possibilidade de fornecerem uma contrapartida – limitam-se basicamente ao sexo, não diferindo em nada das princesas dos contos que só possuíam beleza. Isso abre precedentes para que o homem busque outra tão logo a beleza acabe.

Enquanto algumas assumem a posição de dependência de maneira quase ingênua, há mesmo aquelas que o fazem escancaradamente: selecionam homens unicamente pelo quanto ganham; ou procuram se casar com um estrangeiro cujo idioma não conhecem apenas para ir morar em um país mais desenvolvido. Muitas não trabalham e nem fazem menção disso. No máximo cursam uma faculdade. Prestam-se ao papel de amuleto ou troféu do marido. Seria natural, nesses casos de relacionamentos bastante desequilibrados, concordar que o homem, uma vez que detém o poder financeiro, possa tomar a maiora das decisões – mesmo deixar o relacionamento ao se sentir atraído por pessoa mais interessante. Ora, quem não quer ser tratado como mercadoria não deve se vender.

Esse último caso é abafado como verdadeiro devido ao mito de que o amor é cego. De acordo com ele, duas pessoas que nunca se viram na vida passam a se amar instantaneamente no momento do primeiro olhar – ou antes mesmo de saber que a outra pessoa existe. Não é preciso conhecer o outro, admirá-lo, ser capaz de conversar com ele. O amor é suficiente apenas devido à existência do outro. Não é necessário pensar muito para perceber que esse tipo de relacionamento não é sustentável. Um casal que decide se formar e viver sob a bênção do amor deve entender que passarão a maior parte do tempo em atividades comezinhas – decisões sobre qual lugar ir, contas a pagar, etc. – e não em enlevadas contemplações românticas ou memoráveis noites de sexo. O que sustenta uma relação harmônica entre duas pessoas é o respeito e admiração que cada um tem pelo outro, e não um capricho do cosmos que liquida o intelecto e impele a pessoa para outra qualquer, ainda que lhe custe uma vida de sofrimento.

A venda da virgindade por parte de uma jovem pode até ser o ápice de uma sociedade onde sexo e dinheiro se complementam, mas está longe de ser a única manifestação disso. Umas mais discretas, outras com menos reservas; casos não faltam onde as mulheres se submetem aos homens por benefícios outros que não o caminhar junto rumo à uma convivência solidamente fundamentada. Mas talvez a maior indignação dos críticos da “virgem brasileira” seja o fato de que, daqui pra frente, vamos nos defrontar com sua imagem estampada nos mais diversos lugares e eventos. Isso ocorre devido ao esforço da mídia em utilizar a imagem da moça, uma vez que tem a certeza de que há interesse por parte da sociedade nisso. Enquanto por um lado atiramos pedras na moça, por outro aplaudimos sua presença no palco. É a manifestação clara da hipocrisia.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Sugestão de leitura




Título: O Livro do Amor
Autor: Regina Navarro Lins
Editora: Best Seller
ISBN: 978-85-7684-340-5 / 978-85-7684-614-7







Apesar das visíveis mudanças que temos presenciado nos modos como as pessoas se relacionam, podemos dizer que, atualmente, o amor está em voga. As crianças crescem com a certeza de que são seres incompletos, que seu objetivo na vida é encontrar o par perdido (e perfeito) e, caso não consigam, entregam-se à frustração por ter falhado em sua passagem pela terra. Pessoas pela metade, inacabadas, confiam a própria felicidade à dependência que nutrem por alguém. Desse modo, cometem erros cegos, mergulham na amargura e não poucas vezes desperdiçam anos preciosos de suas vidas.

Embora hoje isso seja uma verdade praticamente ululante, será que o amor sempre desfrutou de tamanho prestígio? Como será que os povos antigos de civilizações distantes encaravam as relações de paixão, amor e sexo? Regina Navarro Lins nos traz algumas respostas em O Livro do Amor (obra em dois volumes). O objetivo da autora é retratar ao máximo como as relações afetivas eram encaradas nos séculos anteriores. Cada capítulo abrange um período (pré-história, antiguidade, idade média, etc.) e, ao final de cada um deles, há uma seção de links, onde é realizada uma análise das influências e contrastes daquela era e a nossa. A pesquisa foi muito bem realizada e o panorama histórico é rico em detalhes.

Para a maioria das pessoas, é difícil acreditar que povos de outrora tivessem visões bastante diferentes da nossa. Grande parte de nossos princípios e convicções são fruto da cultura em que somos criados, absorvendo muitas vezes as regras sociais sem qualquer tipo de questionamento. Até que ponto o social nos afeta é uma questão delicada (inclusive muitos defendem que, como não há o ser humano “puro”, toda nossa índole é moldada pela cultura em que estamos imersos), mas decerto é o suficiente para pautarmos nossa conduta segundo os paradigmas vigentes. Embora seja um sentimento, o amor – em alguma definição, uma vez que pode haver várias –, não está a salvo da influência da sociedade. Por serem facilmente influenciáveis ou por seguirem modelos ditados pela maioria a fim de se identificarem com o grupo, as pessoas não conseguem vislumbrar outras formas de encarar e expressar o sentimento que têm por outrem, limitando-se aos padrões praticamente impostos a elas.

O primeiro passo para reavaliar e mudar uma atitude é reconhecê-la, o que se dá através da busca de conhecimento. À medida que o leitor avança pelas páginas do livro, ele notará o quão variável pode ser o conceito de amor. Povos de outras eras adotaram diversas variações da forma que conhecemos hoje. Algumas podem parecer absurdas, mas à época eram aceitas como verdades imutáveis – assim como acreditamos que nossos conceitos são os mais acertados possíveis. A sociedade encontra-se em um estágio de desenvolvimento tal que pode mesclar formas diferentes de relacionamentos, mas o indivíduo que tentar isso precisa ter coragem para lidar com o incômodo que os outros sentirão. Temos muitas armas à mão, mas entraves como preconceito, incompreensão e hipocrisia surgem como inimigos poderosíssimos contra os quais devemos lutar sempre.

domingo, 11 de novembro de 2012

Milena


Milena contava dez anos, mas em nada se assemelhava a uma criança de uma década. Não pelo tamanho. Sua estatura a denunciava, salvo se comparada aos casos das pessoas acometidas de pequena altitude perpétua. Embora não atingisse ainda a altura das mulheres comuns, era por assim dizer uma mulher em miniatura. Gostava do cabelo negro e brilhante, levemente ondulado, espraiando-se pelos ombros, com o qual brincava, prendendo-o em vão por detrás das pequenas orelhas. O corpo era esguio, mas a magreza era de tal graça que denunciava um princípio de corpo feminino, do qual se gabava muito. Mas era um orgulho inocente, brejeiro, desses que nos fazem rir. Inventava desfiles e trejeitos apenas para fazer inveja e arrancar elogios às coleguinhas. Movia-se rápido e sempre, como que para gastar a grande energia que guardava dentro de si. Gostava dos lábios bem vermelhos, o rosa natural sobrepujado por um vermelho de batom vivo. Era a moldura de um sorriso de dentes pequenos e alinhados. Longe de usar as roupas reservadas a sua faixa etária, preferia as da moda, das mulheres jovens e vivazes, desprezando sapatos mimosos e fofos laços. Tinha uns olhos negros e redondos, que pareciam movidos a motor, de tão inquietos que eram. Seu único defeito era o leve estrabismo, que só os muito observadores notavam. No entanto, isso não contribuía para comprometer a harmonia da pequena. Era de todo bonita.

Mas o que mais impressionava nela era seu gênio. Era daquelas pessoas da qual todos se agradam. Tanto os fechados e ranzinzas como os alegres e festivos. Milena, ainda que com sua pouca idade, conseguia encontrar o rumo certo da prosa para cada tipo de pessoa. Bastante esperta, árdua tarefa era enganá-la. Verbosa e de uma curiosidade instigante, perguntava coisas aos outros, demonstrava interesse por histórias, prestava atenção aos modos das pessoas. Nisso destoava da irmão mais velha, que, apesar de gentil, parecia andar sempre sonolenta. Também não se assemelhava em nada àqueles interlocutores que se prestam a papel de ouvintes apenas. Contava casos, ilustrava, dava conselhos, contestava. Era de uma vivacidade que impressionava. Em poucos instantes fazia do desconhecido um amigo de anos. Produzia nesse uma confiança que o fazia contar até os segredos mais ocultos. Era bastante prestativa, principalmente com os mais velhos, que logo a cobriam de elogios e galanteios, que adorava. Só não aceitava infligirem-lhe ideias sem lógica, leis infundadas, regras sem propósito. Todas essas coisas a aborreciam, e lutava até onde podia com as autoridades caprichosas.

Certa vez viajava sozinha, voltando de férias em casa de parentes. Moravam distante, em um lugar de costumes diferentes e pessoas estranhas. Essa estranheza durou apenas uma semana, ao cabo da qual tudo e todos já lhe eram familiares, de modo que entristeceu um pouco por ter que voltar a casa. Embarcaram-na e iria sozinha encontrar sua mãe que a buscaria quando chegasse. Não estava nervosa nem apreensiva, pois já viajara sozinha antes. Viagens menos longas, mas para ela não havia diferença, certa que estava de que todas as viagens são iguais: a partida, um trajeto variável e a chegada. Sentou-se ao lado de um jovem senhor, aparentando uns trinta anos. Jovem senhor era um tratamento adequado a alguém com três vezes sua idade, embora as demais pessoas o considerassem praticamente um rapaz. Achou-o bonito. Havia outra pessoa ao lado do jovem senhor. Parecia ser uma senhora, mas por ser daqueles seres que passam despercebidos pela existência, não fez muito caso dela.

Logo iniciou contato com o homem. Falaram do dispositivo que oferece segurança e que alguém achou por bem designá-lo segundo o nome de uma peça de vestuário; dos bancos que poderiam ser mais confortáveis, da quantidade de pessoas a bordo e do clima lá fora. Em pouco tempo, sabia de onde vinha e para onde ia o jovem senhor, assim como anunciou, mesmo sem ele perguntar, sua origem e destino. O homem parecia não ser dado a longas conversas, embora demonstrasse boa vontade em conversar com ela. Após pequena pausa, ele pergunta:

– Você gosta de ler?
– Prefiro sair, mas quando não posso, gosto sim.

O homem então levanta, pega uma de suas bagagens, vasculha um instante e retira dela um pequeno livro, mas não tão fino como se seria de supor. Entrega-lhe.

Milena toma o livro, curiosa. Analisa a capa – gosta das coloridas – e se agrada dele. Começa a folhear. Encontra um título e principia a ler. Vencida a primeira página, descobre do que trata o livro. É um desses livros dedicados inteiramente a crianças, com histórias de reinos e princesas, feitiços e animais que falam. Já havia visto desenhos desse tipo quando cuidava de sua irmã mais nova. Devia ser um livro importante, já que o homem estava com ele. Talvez levasse para seus filhos, embora pela conversa preliminar entendeu que não os tinha. Talvez fosse especial para o jovem senhor; talvez o tivesse acompanhado na infância, apesar de não estar tão velho o livro. Na verdade, era praticamente novo. Depois veio a saber que fora escrito por uns homens de longe. Uns alemães, há muito tempo atrás.

Essas estórias nunca lhe agradaram, pois pareciam assaz distantes da realidade. Por isso preferia conversar com as pessoas, sair e ver como as coisas são mundo afora. Fechou o livro e olhou para o jovem senhor com uma expressão de insatisfação, atenuada por um esboço de sorriso. O homem compreendeu e sorriu.

– Não gostou, não é? Tudo bem.

Ela sorriu dizendo que sim, e ele guardou o volume. Pensou em como as crianças estavam mudadas e tinham interesses tão diferentes dos de sua época. Era um pensamento apenas, sem julgamento ou condenação. Apenas pensava nas mudanças trazidas pelos anos, que só percebemos quando postos defronte de um fato como esse: representantes de eras diferentes confrontando-se.

Continuaram conversando – o homem, que desde o início tentava ler, afinal desistiu, repondo o marcador entre as páginas e deitando o livro ao colo. Falaram de suas ocupações e preferências. Contaram seus familiares próximos e falaram dos distantes. Confidenciaram amizades e apenas ele falou de amores.
Chegaram enfim ao destino. Ela estava feliz por ter gostado da companhia. Recordava de outra viagem em que teve por companhia uma velha resmungona e enfezada. Ele estava animado por saber como a nova geração é mais próxima da realidade, alheia a decrépitos contos de fadas e duendes que, pensando bem, faziam por bem aposentarem-se. Despediram-se e aguardavam a liberação para saírem. Ela volta-se para ele, indagando:

– Posso fazer uma coisa?

Ele, ligeiramente confuso, não sabia o que poderia ser. Titubeando, encorajado pela figura nada ameaçadora dela, afirmou que sim. Recebeu um beijo na bochecha, ficando ali a denúncia daquela boca pequena. Ela, sorrindo, segurou a mão da funcionária da empresa de transporte e partiu alegremente, conduzida pela mulher ao encontro de sua mãe.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Ode à Jujuba

És pequena e delicada
Sutil
Multicor como as muitas
cores do espectro
Teu sabor...
Ah, teu sabor
é um quê de lembrança
ainda viva em memória
Traz as manhãs jocosas
e as tardes divertidas
Teu dulçor não tem igual
em medida de leveza
em generosidade de prazeres
Há os que te atacam
Coitados!
Falta-lhes uma boa infância
Uma lembrança que seja para sempre
Nós, teus cúmplices
te amamos
E agradecemos a companhia feliz
que um dia tivemos
Lembraremos de ti
enquanto nossos filhos crescerem
e, saudosos, te faremos homenagem
E sempre que o acaso e a vontade
tornarem-se demasiado fortes
Voltaremos a ti
E memoraremos tempos de outrora
agora preciosos
pois imbuídos de saudade
Salve, rainha das preciosidades!
Salve, teu inventor
Construam-lhe um busto
em nossa principal praça
E se mesmo assim
ainda te olvidarem
Dorme feliz
Porque te veneramos

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Sobre homens e bichos

Muitas pessoas hoje em dia preferem a docilidade incondicional de seus animais  a lidar com seres humanos, às vezes desprezando-os totalmente. Será esse um comportamento sadio?


Gosto de natureza. Passear no campo, embrenhar-me na mata, estar junto às aguas. Ser biólogo ou algo do gênero seria uma opção possível para mim. Quando criança, sempre lia livros que falavam de animais. A propósito, sempre gostei mais dos bichos que das plantas. Era-me difícil reconhecer e entender as classificações das espécies vegetais, enquanto era muito mais divertido estudar os bichos. Apesar disso, o apego exagerado a animais domésticos que a sociedade moderna desenvolveu é algo que não vejo com bons olhos. Parece-me ser indício de algum distúrbio.

Não sou contra ter animais domésticos, afinal, o homem os criou (cruzando espécies mais dóceis até chegar às que conhecemos) e é justo que tome conta deles. São bastante úteis, como para proteção, guia de deficientes, caça, etc. Ou mesmo apenas para companhia. Há muitas pessoas que moram só, por vezes idosas, sem família e sem laços com outras pessoas, que encontram bastante satisfação dividindo sua casa com bichos de estimação. No entanto, não são poucas as pessoas que elevam o status desses bichos, indo de animal a gente. Mesmo famílias que (aparentemente) passam longe de necessidade afetiva parecem curvar-se ao animal, dando-o total autoridade dentro de casa.

Se você é daqueles que tem grande estima por seu bichinho, mas sem exageros, fique tranquilo, essa crítica não se dirige a você. É natural que nos apeguemos a um animal que cuidamos desde seu nascimento, que esteve conosco por muito tempo, que dá demonstrações de afeto. Deve-se apenas, nesses casos, levar em conta que muita coisa de seu comportamento é instinto. Por mais humano e nobre que possa parecer seu comportamento em determinadas situações, ele ainda é um animal.

Hoje podemos ver uma total descaracterização da condição de animal por parte dos donos. São spas, academias, tratamentos de beleza, iguarias, dentre outros. Embora esses animais tenham perdido algo de sua origem selvagem, muitas dessas modernidades são estranhas a eles, como cheiros fortes que os desnorteiam – uma vez que seu principal contato com o mundo se dá através do olfato – ou alteração radical de seus pelos. Animais soltos entendem que o mundo tem limites, com presas e predadores, mas muitos animais domésticos entendem que são donos do mundo.

Antes que você julgue que nunca tive animal de estimação, adianto que já possuímos quatro mamíferos em casa (quando morava com meus pais). Do primeiro cão tenho vagas recordações, pois contava uns três anos de idade na época. Era um pequenês chamado Zorrinho. Não recordo sua origem, mas lembro que um dia fomos à padaria e ele não voltou conosco. Tivemos um segundo, batizado por meu pai de Brac (não sei a origem do nome). Esse foi adotado das ruas por demonstrar companheirismo e por compadecimento de sua situação. Brac realmente era companheiro. Quando saíamos, ele nos seguia. Às vezes ia bem longe, até o ponto de ônibus, ou seguia meu pai para o trabalho. O mais fantástico era ele ir esperar meu irmão no ponto de ônibus quando voltava da faculdade tarde da noite. Infelizmente, ele também sumiu nas ruas. Supomos que, como rosnasse para os marginais na rua (provavelmente porque antes o maltratavam), devem ter dado cabo dele. Tivemos ainda dois gatos, um com nome politicamente incorreto (também dado por meu pai) e um com nome típico de gato fêmea (dado por minha mãe), ambos também adotados das ruas. O primeiro salvou-se por ser bom caçador. Para um gato, até que era amigo. Um dia saiu à rua e não voltou. Já a gata, tão arisca pra tão pouca idade, foi dipensada cedo da convivência.

Não ficamos felizes quando nossos bichinhos foram embora, mas o mundo não caiu para nós. Nada de enterro simbólico ou missas ou altares. Entendemos que, por maior que seja a relação com o animal, ele é apenas isso: um animal. Não que isso o incapacite de ações louváveis ou afetuosidade. Isso também não significa não ficar triste – ou chorar até – por seu fim. Mas conheço pessoas que dão mais valor a animais que à vida humana. Há mesmo aqueles que vivem em função deles, não saindo de casa ou não dormindo na própria cama para lhes dar vez.

Entendo que esse comportamento diz respeito a cada um, mas até que ponto isso não indica uma patologia comportamental que possa vir a afetar a sociedade? Talvez o adorador de animais domésticos prefira bichos à gente unicamente porque não consegue se relacionar com outras pessoas, pois elas argumentam, discordam, têm autonomia, injuriam-se. Mas o mundo é assim e não se pode fugir disso. Talvez essa mesma pessoa não se incomode quando um ser humano morre, mas sente o coração apertado pela morte de um cão ou gato. Quem sabe ele entenda que os moradores de rua estão lá porque querem, mas os animais abandonados precisam ser salvos. O sofrimento humano sempre será maior que o de um bicho, ampliado que é pela consciência. Isso o torna mais degradante, humilhante, uma vez que entendemos o papel marginal do excluído, o desprezo constante, a falta de esperança no futuro. O resgate de um homem que morre um pouco todos os dias é o resgate de uma vida plausível de realizações, não apenas para ele, mas também para a comunidade. Já um animal traz benefícios apenas para a pessoa que o mantém.

Analisando essa faceta de nossa sociedade ocidental, pergunto-me porque há críticas aos animais adorados na Índia, dado que adoramos também nossos animais domésticos. O fato de eles serem considerados deuses lá deve-se apenas ao fato de serem mais religiosos que nós. Por aqui nossos bichos também são deuses, enquanto os seres humanos descem cada dia mais o caminho para o total desprezo.

sábado, 27 de outubro de 2012

Homem pra casar e homem pra curtir

A expressão machista pode ser utilizada sem prejuízo de conteúdo pelas mulheres. A questão é as mulheres saberem o que esperar de cada tipo de homem.


Todo mundo já ouviu a expressão “mulher pra casar e mulher pra curtir” – para horror das feministas de plantão. Mas o que não se fala é que também há homens para casar e para curtir. A questão é que as mulheres, apesar de saberem do fato, não fazem bom uso disso.

Não acredita? Então me explica que tipo de homem você escolhe ficar numa balada. A propósito, que tipo de homem você espera encontrar numa balada? Claro que há vários tipos de pessoas lá, mas no geral as personalidades não são tão diferentes. São pessoas desinibidas que estão ali à procura de um(a) parceiro(a). Se você costuma ir pra night esperando encontrar um príncipe encantado, então você precisa rever seus conceitos (todos eles, começando pelo do príncipe). As pessoas vão ali para arrumar parceiros para satisfazer seus impulsos, principalmente os sexuais. Ninguém está ali para descobrir quem tem o mesmo hobby que você, saber o que você quer ser quando crescer. Todos estão ali para ver gente bonita e, se der sorte, não terminarem a noite sozinhos. Se disso surgir um relacionamento, é uma loteria.

Então, o sujeito chega com tudo em você, por que você acha que é especial? Até o momento ele só enxergou sua beleza (no melhor dos casos), então a única conclusão que você pode tirar é que ele quer ficar com você. Logo, por que se encantar? Por que acreditar que ele te considera especial? Antes de você, foi com outra. Se você não der bola, haverá uma próxima. Horrível? Considerando que esse é o maior propósito de tais eventos, não. Mas é justamente esse o tipo que você curte: o ousado, o de roupas da moda, o playboy, o pegador. Não há problema nenhum nisso, a questão é o que você espera dele.

Você se agrada, se entrega, dorme com ele em algum lugar. O mínimo que você pode esperar é respeito (não divulgar vídeos seus, não espancar ou destratar), nada mais. Isso não significa mensagens ao longo do dia, flores, poesia (aliás, as mulheres ainda gostam dessas coisas?), pedidos de namoro. Ele saiu com um objetivo, o qual foi alcançado. E qual era seu objetivo? Imaginava ganhar o coração dele com isso? Achava-se diferente das demais? Pensa que não houve outras antes de você? Intuitivamente você sabia o tipo de homem que ele era – e foi isso que te atraiu. No seu íntimo você sabia no que estava se envolvendo, então por que agora fica se lamentando, reclamando que foi seduzida? Que tal assumir a responsabilidade por seus atos em vez de se portar como as inocentes mulheres dos séculos passados? Você sempre soube que esse era um cara pra curtir.

Por outro lado, você, também instintivamente, reconhece o tipo de homem caseiro, “certinho”, do tipo “bom filho, bom marido”, que fala em vez de fazer, responsável, mas... sem pegada (embora você apenas possa supor isso). Automaticamente, você o associa com um casamento tranquilo, estável e... chato (embora isso também seja suposição). Você não se imagina indo curtir a noite com ele, fazendo loucuras na praia num pôr-do-sol ou viajando inesperadamente a lugares estimulantes. Mas sabe que seria um bom pai para seus filhos, se os tivesse. Ou seja, você sabe que esse é um homem para casar.

As mulheres passaram séculos sem ter liberdade de se expressar e de expressar seus anseios e desejos. Depois de muita luta, finalmente ganharam abertura para expor seus sentimentos. No entanto, muitas, passado tanto tempo sem essa possibilidade, agora que a tem, não sabem o que fazer com ela. Limitam-se a repetir modelos exauridos de anos anteriores – de que o sexo está limitado ao amor, de que só se deve ter relações em um relacionamento sério. Muitas refream seus desejos sexuais ao ponto de fazerem crer que não os possuem e apressam-se em acusar as que têm a coragem de expressá-los. Muitas imaginam que para usar de sua liberdade nos relacionamentos devem abrir mão de sua moralidade ou imagem perante os outros – como se isso fosse da maior relevância. Conheço uma jovem do tipo recatada, daquelas que todos tomam por modelo de comportamento, religiosa e etc., mas que, antes de casar, teve diversos namorados (nesse caso, todos oficiais), e ainda assim manteve a admiração dos outros. Também conheço o caso de uma estagiária que saiu com vários funcionários da empresa, e somente bastante tempo depois os rapazes que saíam com ela vieram a descobrir o fato.

As mulheres precisam aproveitar os tempos em que vivemos e seguir seus desejos – desde que com responsabilidade, sabendo que é responsável por seus atos. Aprender que devem curtir com os homens que consideram úteis a isso, sem sentir a consciência pesada por desfrutar de um momento desprendido de uma relação duradoura. Este pode vir a ser o homem com quem irá se casar – se é que irá se casar –, ou não. Talvez se decida pelo outro, o do casamento estável – ou talvez você queira experimentar a pegada de um homem pra casar. Você pode fazer qualquer escolha, desde que seja através de sua própria consciência, e não pautada por comportamentos fossilizados e preconceitos históricos.