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domingo, 30 de setembro de 2012

Consciência Negra*

O homem-branco olha a pela alva, os olhos claros, os lisos cabelos, e declara: “Sou belo!”. Mira o negro, escuro, nariz largo, lábios intumescidos, cabelos desgrenhados, e sentencia: “És feio e bruto. Sereis meu escravo!”, como se o ato de assenhorear-se de seus semelhantes não fosse em si uma abominação vergonhosa que coloca o dominador em posição desprezível, mostrando sua vileza frente à fragilidade do escravizado, demonstrando que a beleza apenas oculta uma face monstruosa do civilizador.

Vem aqui um navio – primeiro de muitos – e despeja na terra seres estranhos: sujeitos sem família, sem vontade, sem sonhos ou esperança. Pessoas sem vida, com suas sentenças de morte assinadas por quem não tinha autoridade. O futuro incerto encontra resposta na certeza do fim trágico, abreviado pela maldade do branco dominador. Um instante e estão espalhados pelos cantos da nova terra, fazendo o serviço do branco preguiçoso e arrogante. Dor misturada com sangue produzem um grito louco de agonia e revolta pelo sofrimento sem sentido. Dia e noite chora o preto porque não consegue – e nem poderia, pois não existe – a resposta para tudo aquilo, para aquela pergunta: por quê?

Em mais uma demonstração de mau-caratismo, eis que o branco, sucumbindo ao instinto animalesco que traz consigo, toma para si as negras mulheres, e têm com elas negros filhos, enegrecendo sua raça e o futuro dos pequenos. O povo vilipendiado afinal fere o agressor: macula sua linhagem, num enxerto não sem dor, mas que os lembra serem a mesma espécie, e não outro tipo de bicho.

Um homem tenta, bravamene, resistir contra o senso comum. Liberta muitos dos seus e cria um exército, um mundo africano na colônia portuguesa. Crime de morte ser livre. Insiste o branco até conseguir vencê-lo. E mais uma vez, como um animal – que julga ser o outro –, usa de toda sua brutalidade para afirmar-se senhor, temendo ser novamente desafiado.

Surgem aos poucos medidas para mitigar o absurdo da escravidão, mas são frios, movidos por motivos outros que não o compadecimento da raça oprimida. Alguns, de bom alvitre, contribuem em nada para amainar o que sentem os negros, pois dando, não dão, por não criarem meios para tal. A libertação vira tema romântico, cantada em verso, em prosa, apenas na alta sociedade, mas a realidade é outra.

Surge então uma princesa, uma lei e um problema: milhares de seres transmutados automaticamente de bichos em homens. Mutação imperfeita: homens-bicho, bichos-homem, agora sem ter e sem saber aonde ir. Expatriados de sua terra-natal, foi-lhes negada nova pátria. Largados a esmo, à sorte do destino. Trocados por outro tipo de gente. A liberdade debalde não fez mais que os desassistir por completo e empurrá-los à margem do futuro.

Assim banidos, tornaram-se o estrato mais baixo da sociedade, nesse que é um país de casta nas entrelinhas. Foi-lhes destinado o pior de tudo – saúde, instrução, cidadania. Ocuparam as posições invisíveis da sociedade: abrem ao mesmo tempo que ocultam-se atrás das portas para que outros passem, limpam agachados o chão, de modo a não serem encarados por ninguém, levantam as habitações alheias para ao final recolherem-se a seus casebres.

Mas um povo, uma raça, não se destroi assim. A gana de sobrevivência levou-os a fossilizarem-se na sociedade. A massa desprezada pelos brancos revidou. Imiscuíram-se em todas as esferas possíveis. Descobre-se de repente num nariz, numa cabeleira, na comida cotidiana, nas palavras das conversas, nas músicas que se ouvem, traços negros. Grupo que se avolumou com a chegada de muitos brancos, tornados pretos de pobreza. No entanto, o país da diversidade não é o da tolerância. Em todos os estamentos existem ainda indivíduos sedentos por opressão, mas confundidos por ser o alvo agora difuso, não sabendo direito a quem atacar, o que todavia não os impede de fazê-lo.

Nesse meio, vem um grupo de justiceiros para pôr em evidência ninguém sabe o quê: falam-se em cotas, usam-se de eufemismos, impõem-se determinações, criam-se distinções dispensáveis e dolorosas. Na verdade, apenas buscam às cegas tornar proeminente o que foi nivelado pelo tempo, errando o alvo do que poderia ser chamado compensação ou justiça.

Assim, vive (ou sobrevive?) não o negro, mas o legado deste no Brasil, como uma entidade incorpórea onipresente, observando de plantão a sociedade, esperando um dia descansar tendo visto o dia da tão sonhada igualdade racial, existente (sem se saber) apenas quando viviam as tribos isoladas no continente África.


* À época que esse texto foi escrito, faltavam ao autor informações históricas relevantes acerca da escravidão, por isso o leitor que possui esse conhecimento discorde de alguns pontos apresentados. No entanto, cabe ao menos a reflexão a respeito da situação do negro no Brasil.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Salto alto


toc toc toc 
Ouço os sons no corredor
no andar de cima
e na calçada dos transeuntes
Seco, cadenciado, imperativo
É o som que anuncia:
– Uma mulher vem vindo
Logo se instaura a expectativa
Como será? Conheço-a?
O imaginário toma forma
e às vezes agradecemos ao som
que a precedeu
toc toc toc toc toc toc  toc
Concorrem os sons no espaço
Saracoteando freneticamente
Arritmado, ora nervoso, ora sossegado
“Lá vem ela...”
Para alguns
é o momento mais esperado do dia
Para outros
o mais indesejado
Mas o som
será sempre acompanhante
do melhor dos sexos
toc toc toc

domingo, 23 de setembro de 2012

Nordestino, sim sinhô!

Sou alagoano. Nasci e cresci em Maceió, onde passei vinte e sete anos e meio de minha vida. Durante esses anos, odiei tudo o que havia lá. Imaginava que todos os outros lugares eram melhores: as pessoas eram mais felizes, o sistema de transporte era melhor, o sol não queimava tanto. Mas, como tudo tem sua época, chegou o dia de partir e conhecer o mundo. E foi aí que tudo mudou.

O primeiro lugar que conheci foi a mais idolatrada cidade brasileira, a antiga capital do império. Lá, o primeiro lugar turístico que visitei foi a praia mais famosa do Brasil. Todo meu entusiasmo se desfez quando a avistei. Se fosse durante o dia, talvez minha frustração tivesse sido menor, mas à noite, a única coisa que pude fazer foi compará-la com a praia mais feia de minha terra que pude lembrar. Conheci vários outros lugares da cidade. Alguns me surpreenderam, outros me causaram desolação. Eram lugares bonitos na visão e nas palavras dos outros, movidos que eram pela obrigação de concordarem com a maioria, com o senso comum. A cada coisa que conhecia – restaurante, lugar, pessoas –, a comparação com a terra de origem era inevitável. Às vezes concordava com a “superioridade”, outras vezes não, e por outras considerava apenas uma forma de ser ou fazer diferente, não necessariamente melhor ou pior.

Conheci outras cidades, e não comparar tornou-se impossível – afinal, é comparando que fazemos nossas escolhas. Ao fim de tudo, percebi que, a despeito dos muitos e graves defeitos de minha terra, há aspectos que merecem elogios, alguns rasgados até. Eu sei que se trata de um estado de violência assustadora, mas também é um estado que abriga praias incríveis. Reconheço que possui a pior educação do país, mas possui uma gastronomia notável. E, apesar do total descaso dos diversos governantes, sua gente carrega o estado nas costas com bravura e determinação. Se você possui um mínimo de cultura, pode agora lembrar de alagoanos ilustres em áreas tão diversas como música, política e esportes.

Mas seria um tanto quanto injusto de minha parte restringir esse orgulho unicamente a meu estado, quando há diversos outros estados tão semelhantes ao meu que não gozam de prestígio algum por parte de diversos outros estados. Sou nordestino, assim como diversos outros. Somos discriminados, mas ao mesmo tempo usamos essa barreira para buscarmos com mais dignidade e força superar a desvantagem com a qual começamos a vida. Aguentamos o calor que castiga, suportamos a seca que assola, sobrevivemos às chuvas que levam vidas. O sertão é quem seleciona os mais aptos a continuar nesse mundo. Abandonados pelos governantes, aprendemos a agir sem a mão do Estado que deveria cuidar de seus filhos todos. Buscamos por nossos próprios meios alcançar os grandes e nos tornar como eles.
 
Mas os turistas adoram vir desfrutar de nosso sol, nosso mar, nossas comidas e festas típicas. E voltam felizes para a selva urbana e seu ar poluído. Devo dizer que não prego a superioridade nordestina, pois o que é ser superior? Ter uma herança cultural rica? Receber uma bênção da natureza? Herdar a história de um povo? Mas de modo algum me envergonharei ou sentirei constrangimento de minha origem. Só devemos sentir acanhamento por algo de que somos responsáveis. Podemos nos frustrar por não conseguirmos alcançar os sonhos dos quais não corremos atrás. Podemos nos desesperar por nossa desistência sem luta. Podemos sofrer pela falta de esforço em desenvolver uma habilidade. Mas nunca poderemos nos culpar pela terra-natal. Não escolhi onde nascer, mas não posso mais falar de onde nasci. Posso apenas fazer côro com os milhares, milhões de outros conterrâneos que, como eu, chegaram ao nível de reconhecimento e altura daqueles que não precisaram lutar todo o tempo contra as circunstâncias da vida.

Reconheço um certo chauvinismo regionalista nesse discurso, mas não posso deixar de contestar os que acham que podem me ridicularizar. Não estou pedindo que você ame minha terra, apenas peço que a respeite. Tampouco estou pedindo que você venha morar nela, afinal, talvez lhe falte a aspereza necessária para sobreviver aqui, para encarar a vida severina. Sou do nordeste, lugar de histórias, de cultura, de personagens imortais, de belezas naturais as mais diversas e comidas únicas. Sou do nordeste da fala arrastada, do “oxente”, do São João, do bumba-meu-boi, do cangaço, do cordel. Sou do nordeste da rapadura, da tapioca, das frutas maduras que só tem aqui, das danças folclóricas, das bandas de pífano, da sanfona-zabumba-triângulo. Sou do nordeste de lindas mulheres, não da beleza padronizada, recomendada, mas da beleza agreste que não pede licença e se impõe. Não vou fazer uma lista de nossos herois, pois isso daria um livro de incontáveis páginas. Vou apenas dizer que todo nordestino é um heroi da sobrevivência, da fé, da esperança. Somos herois por aguentar tanto sofrimento e mantermos vivo o bom-humor característico. Se ninguém é por nós, somos unidos para nos fazermos fortes, porque o nordestino é, antes de tudo, um forte.

E sempre que me perguntarem sobre minha origem, sempre responderei: nordestino, sim sinhô!

domingo, 16 de setembro de 2012

O Novo Feminismo

Serão as novas manifestações feministas um movimento sólido ou apenas frustração por parte das jovens que não puderam participar do movimento original?



Há alguns meses, o mundo assistiu ao movimento conhecido como Marcha das Vadias (slutwalk, em inglês). Em diversos países (e várias cidades brasileiras), mulheres foram às ruas em passeatas, protestando por seus direitos, algumas vestidas sumariamente, outras com cartazes. O evento Rio+20 também presenciou manifestações do público feminino. O tom foram os seios à mostra, semelhante aos protestos das loiras europeias que resolveram tirar a roupa a fim de chamar a atenção para sua causa (movimento Femen, de origem ucraniana). Essas manifestações compõem o novo feminismo, idealizado por jovens mulheres que, em vez de queimar sutiãs, preferem simplesmente tirá-los. Mas qual bandeira elas defendem?

O primeiro movimento feminista tinha objetivos claros. Defendia a liberação do voto para as mulheres, garantia constitucional de sua autonomia enquanto pessoa, igualdade de condições de trabalho. Elas queriam dignidade e respeito. Ter a decisão de escolher seu próprio caminho. Podemos dizer que sua luta vingou. Hoje as mulheres estão em pé de igualdade com os homens. Em algumas áreas, elas dominam. Elas dispõem de praticamente todas as ferramentas para fazer valer sua independência e liberdade, direitos e deveres. Tanto que alguns até sentem um leve preconceito contra as mulheres que optam por serem donas-de-casa1. A maioria de suas conquistas se deu através da promulgação de leis que garantiram esses instrumentos para execução de seus anseios. Nesse ponto, a imagem do novo feminismo se turva. Sem foco, suas manifestações não produzem ação alguma ou não incumbem ninguém de algo. Sem produzir algo concreto, seus gritos tornam-se palavras ao vento.

As reivindicações das novas feministas são muitas – a exemplo do Movimento Sem-Terra brasileiro que, de movimento rural formado por trabalhadores do campo que não tinham onde plantar, evoluiu para entidade de ideologia e manobra políticas. Extendem-se desde o fim da violência contra a mulher até a cassação de políticos corruptos. Não é preciso muito para percebermos que alguns desses protestos não precisam ser feitos necessariamente por mulheres, mas por qualquer turba revoltada.

A Marcha das Vadias teve início no Canadá, por um grupo de mulheres que se indignaram ao ouvir de um policial que deveriam ter cautela quanto às roupas que deveriam usar, a fim de evitarem ser molestadas ou estupradas. Se foi discriminação ou recomendação cuidadosa nunca iremos saber, mas isso me lembra o fato de um famoso da televisão brasileira que há alguns anos fez muito barulho por ter seu Rolex roubado enquanto andava com ele à mostra em uma cidade passível de assalto – e foi extremamente criticado por haver protestado. Absurdo? Sim, claro. Ninguém deve ser assaltado apenas por possuir um relógio caro. Mas convenhamos, sabemos que o mundo é mau e sabemos também que há lugares e lugares, então por que facilitar a violência? Embora as estatísticas mostrem que as principais vítimas de estupro não são escolhidas pela sensualidade, ter cuidado ao escolher o que usar de acordo com aonde se deseja ir nunca é demais. Desafiar o meio, expondo-se a riscos, apenas por acreditar que a realidade deva ser diferente, nem sempre é o melhor caminho. A menos que se esteja pronto para aceitar as possíveis consequências.

Até agora não consegui entender qual o alvo dos protestos das novas feministas. Os homens? A sociedade? O mundo? O universo? Deus? Será que defendem que tudo no mundo é mau, menos as mulheres? Será que se trata de um movimento sólido ou apenas uma expressão de mulheres eternamente insatisfeitas? (semelhante aos movimentos estudantis,compostos pelos alunos que menos estudam) A bem da verdade, o maior protesto das mulheres deveria ser contra elas mesmas. Os meios, os recursos, as ferramentas que as permitem exercer a plenitude de sua cidadania estão disponíveis (tanto que houve delegações nas Olimpíadas de Londres onde havia mais atletas femininas que masculinos; também é notável o número crescente de mulheres bateristas, como Vera Figueiredo, reconhecida no Brasil inteiro). O problema é que nem todas sabem (ou querem) usá-los. Há discriminação contra as mulheres? Sim, há. Situações difíceis são impostas a elas? Sem dúvida. Mas devemos atentar que elas não são o único grupo discriminado na sociedade. A abolição da escravatura se deu há mais de cento e vinte anos e ainda é visível a herança deletéria daquele período. Minorias de povos remanescentes em países como Espanha, Irlanda e Iraque lutam há décadas por reconhecimento. O feminismo atingiu seu auge há menos de cinquenta anos. É natural que ainda haja muito por fazer, mas, comparativamente, foi o movimento mais bem-sucedido de que se tem notícia.

Acredito que a maior parcela de contribuição para a melhora da situação da mulher na sociedade está nas mãos delas mesmas. Por exemplo, algo que são contra é a “mercantilização do corpo” – o que é isso? Vou assumir aqui que se trata da insistência em expor o corpo feminino em propagandas e eventos outros. Devemos lembrar a essas feministas que nenhuma modelo é obrigada a participar de tais comerciais de divulgação. Não é um trabalho escravo. Se aceitam, é porque se identificam. Devem ser atacadas? Se sim, então que sistema de liberdade é esse que prega o fim do livre-arbítrio? Adianto que é absurdo afirmar que essas mulheres de pouca roupa são vítimas da “sociedade”. Ora, se as mulheres nem minoria são, então de que sociedade estamos falando? Acaso elas não influenciam fortemente essa sociedade? Se querem fazer realmente alguma mudança, então mudem os indivíduos. É como um pai que deseja proteger o filho mantendo-o isolado do mundo. Isso é absurdo. Deve-se muni-lo da capacidade de discernir o certo e errado e escolher o caminho que lhe agrada. Então, se o problema são as mulheres que aceitam “mercantilizar seus corpos”, então tratem de “educá-las”, e não apedrejar o resto do mundo a fim de destruí-lo. Qual é pior: modelos que recebem por seu trabalho ou garotas que se exibem em seus saltos altos nas baladas de sábado e vão dormir na cama fétida de sujeitos que nunca viram na vida, farão sexo com elas buscando apenas sua satisfação pessoal e, no outro dia, ainda falarão mal dessas garotas? Essa é a recompensa que os homens cafajestes recebem? Está mais para incentivo a continuarem assim. A menos que seja essa a liberdade de que o movimento esteja falando.2

E mesmo quando essa “mercantilização” poderia ser vista de outro modo, ela também é atacada. Houve uma propaganda veiculada certo tempo atrás onde uma supermodelo brasileira usava seu poder de sedução para “anestesiar” o marido ao lhe contar péssimas notícias. As modernistas atacaram o anúncio furiosamente, acusando-o de reduzirem a mulher a um objeto. Por que não enxergar de outro ângulo? Por que não ver ali um elogio à magia da beleza e sensualidade femininas? Por mais que as feministas lutem contra, a natureza sexual de homens e mulheres nunca será extinta. Talvez fosse mais condizente se essas feministas (que devem ser assexuadas) perseguissem as mulheres que usam a beleza para casarem-se com homens ricos e viverem às suas custas, muitas vezes servindo como passaporte para outros países. Também seria mais promissor se as mulheres usassem seu encanto para guiar os homens no modo como gostariam de ser tratadas, em vez de se contentarem com a situação atual. Mas se há mulheres que não têm intimidade com suas próprias genitálias por considerarem-nas feias, comprometendo uma satisfatória vida sexual, o que esperar delas em outras áreas de suas vidas?

Além do mais, de acordo com as últimas pesquisas, há várias mulheres chefes de família. Elas são as responsáveis pela educação dos filhos. Ora, se há tantos homens que desrespeitam as mulheres e se recusam aos afazeres domésticos, onde está a falha? Novamente na sociedade? Não seria um caso de falha na educação doméstica? Ou vão colocar a culpa no “sistema” que impele as mães a trabalhar o dia inteiro e as priva da educação dos filhos? Será que é tão difícil assim assumir alguma culpa? Um pouco que seja? Não faz muito tempo, na capital paulista e a plena luz do dia, um grupo de moleques agrediu alguns jovens com lâmpadas fluorescentes por se acharem no direito de julgar a conduta sexual dos outros e puni-la como lhes conviessem. Surpreendentemente, na delegacia, uma das mães dos delinquentes tentava convencer a mãe de uma das vítimas (e a própria vítima) a retirar a queixa, pois aquilo não passava de uma brincadeira de adolescentes. Que tipo de monstros essa senhora está criando? Será que essa mãe, que cria filhos como sociopatas, também é uma vítima? O que se esperar de homens que são criados como animais sob a chancela dos pais? A considerar a quantidade de casos absurdos de violência, acredito que essa “família” não é uma exceção. E não são poucas as mulheres que insistem em namorar homens violentos porque acreditam que contra elas eles não agirão violentamente. E, quando agem, preferem guardar segredo. Quantos não são os casos de mulheres que, agredidas, chamam a polícia, mas, quando essa chega, imploram aos prantos que não levem o agressor, porque o amam. Que tipo de amor destrutivo é esse? É fácil notar o futuro que tais mulheres estão plantando.

Outro comportamento irritante nesse novo movimento (e também no eco do antigo) é querer que mulheres e homens sejam iguais, mesmo desprezando as evidências físicas. Há alguns anos, Lawrence Summers, à época reitor de Harvard, fez uma suposição de que o motivo de haver mais homens que mulheres nas ciências exatas talvez fosse biológico (repare no termo “talvez”). Foi removido do cargo por isso. Ora, isso é novidade para alguém? Por acaso é alguma inverdade? Mas não se pode falar apenas porque é politicamente incorreto? Esse fato mostra até onde a hipocrisia pode chegar. Querem também culpar a sociedade por menos mulheres prestarem vestibular para as ciências exatas? Não há ativistas com cartazes protestando contra mulheres nos cursos de engenharia (certamente os estudantes homens adorariam ter companhia feminina em seus cursos). É como querer culpar a sociedade pelo fato de, na média, os homens dirigirem melhor que as mulheres (será que as mulheres são tão engajadas ao ponto de fazerem questão de pagar a franquia gratuita de certos seguros de automóveis que dispensam a primeira franquia apenas para mulheres?). Se uma mulher tem problemas mecânicos com o carro, por que pede auxílio ao primeiro homem que passa por perto? Ela é o componente da “sociedade” que a torna podre? Mandem-na prender então. É bem sabido de todos que pesquisas recentes apontam que os hemisférios cerebrais possuem funções distintas: um cuida do raciocínio lógico-espacial, enquanto o outro comanda as funções linguísticas e abstratas. Também tem sido verificado que o primeiro é mais ativo nos homens, ao passo que o segundo é mais desenvolvido nas mulheres. Coincidência com o fato de os homens serem predominantes nas engenharias e as mulheres na linguística? Ou por acaso isso também é artimanha dessa sociedade? Pesquisas também indicam que as mulheres podem desenvolver as habilidades matemáticas, mas até que ponto massificar isso não passa de capricho feminista para provar algo? Será mesmo que as mulheres querem seguir esse caminho? Por que devem ser majoritárias em tudo? Isso não seria apenas o inverso da situação atual contra a qual lutam?

Do mesmo modo, muita coisa fica oculta sob essas pesquisas que indicam que mulheres ganham menos que homens. Os resultados dão a entender que, para o mesmo cargo, há diferenças salariais unicamente motivadas pelo gênero. Embora isso possa ser verdade em alguns lugares, não é a regra. O fato de as mulheres ganharem menos que homens diz respeito ao fato de ocuparem cargos cuja remuneração é menor de acordo com a posição no organograma da empresa. Em outros casos, como apontam algumas pesquisas, para os cargos cuja remuneração é negociada, elas simplesmente não tem a audácia de pedir um salário maior. Também é fato que poucas mulheres ocupam cargos de chefia. Mas também é engraçado constatar que muitas mulheres não gostam de ser subordinadas a outras mulheres. Isso porque é comum que mulheres-em-comando ajam como se quisessem se vingar ninguém sabe do que ou quem, agravado pela constante variação de humor – será que foram os homens que implantaram os hormônios nas mulheres?

Reafirmo que há sim preconceito contra as mulheres, tanto da parte dos homens quanto da parte delas mesmas. Mas convém lembrar que também há discriminação contra os negros, os índios, os pobres (principalmente esses, que nem cor, raça ou gênero possuem), os deficientes. Também sofrerm agressões as crianças, os animais, as árvores. Se toda a pressão da “sociedade” for um “você não pode fazer isso porque é mulher”, então realmente as que sucumbem a esse argumento não estão aptas a encarar a vida. Não seria o caso de uma cura única para todos os males? A Educação é a melhor candidata a ser essa panaceia. Age tanto do lado vitimador – abrindo suas mentes para notar que qualquer preconceito é ridículo – quanto do vitimado – dando-lhes munição irrefutável para garantir reconhecimento. Até lá, valem políticas atenuadoras, como a Lei Maria da Penha – a bem da verdade, qualquer violência deveria ser punida por igual. Mas o fato de uma classe necessitar de assistência especial por parte dos órgãos governamentais classifica esse grupo como desfavorecido. Logo, o discurso de que as mulheres não são o sexo frágil cai por terra (ao menos do ponto de vista mais óbvio). Pesa a favor delas o fato de nem sequer terem o benefício da dúvida. Se acusam alguém, estarão certas até que se prove o contrário, como ficou comprovado no caso Strauss Kahn e a camareira.

Vale notar também que muitos homens não são “machistas” por que querem, mas unicamente devido ao modo como as coisas são hoje. Por exemplo, se você algum dia se depara com um cego trabalhando no caixa de uma loja, você certamente irá se surpreender pela situação inusitada e fatalmente terá receio de que ele conseguirá desempenhar aquela função. O mesmo ocorre em ambientes onde até hoje sempre houve homens. A presença feminina irá despertar atenção e ressabiamento, mas, uma vez que demonstre capacidade e torne-se mais comum, será naturalmente aceita. Um exemplo que ilustra bem o “machismo inercial” é dado pela Pixar. O gênio da animação digital John Lasseter e sua equipe, apesar de sempre apresentarem personagens femininos em suas produções (como Procurando Nemo, Os Incríveis e Toy Story), nunca haviam criado uma protagonista feminina unicamente pelo fato que a equipe era formada apenas por homens. Bastou tão somente sua esposa inquirir-lhe sobre um filme para meninas que nasceu Valente, também dirigida em grande parte por uma mulher. Existe uma falsa acusação de machismo cerrado por parte dos homens, mas para muitas mulheres que experimentam áreas onde só havia homens, elas percebem gentilezas e cavalheirismo a maior parte do tempo (como declarou a uma revista de grande circulação nacional uma mulher que dirige carros de corrida em rallies). Se os homens são mesmo tão machistas, então qual seria a explicação para haver tantos cabeleireiros de celebridades homens, numa atividade praticamente exercida por e direcionada para mulheres? Acaso as mulheres também são machistas? Há várias esferas que hoje são masculinas, mas a porta está aberta para que as mulheres entrem. Só não podem reclamar porque querem que alguém lhes pegue pela mão, se tem pernas para isso.

Por fim, creio que muitas participantes desses protestos realmente não estavam ali para apoiar causa alguma. Estavam apenas entediadas de suas vidas ordinárias e aproveitaram o calor do momento para fazer algo diferente. Algumas, quem sabe, sempre quiseram praticar nudismo, e naquele momento tiveram a oportunidade sob a bênção do movimento. Não seria de se espantar se muitas despeitadas, findos os protestos, dirigiram-se aos bares, misturaram-se à multidão e foram oferecer os seios aos companheiros de copo que ocasionalmente estavam por perto.

Do modo como se comportam e agem, até parece que feministas em geral detestam os homens, que não amam, desprezam o sexo. Mas a verdade é que as mulheres, mais do que serem amadas, tem necessidade de amar. Talvez esse seja o ponto que as torna mais vulneráveis. Mas essa é outra batalha, sem bandeiras, sem protestos. E bom seria se todos ganhassem.


1Embora algumas mulheres afirmem que ser dona-de-casa é tão ou mais complexo que trabalhar fora, a verdade é que não é. Sim, é importante, principalmente se se traduz em acompanhamento integral do desenvolvimento dos filhos. Mas a dificuldade do trabalho externo dá-se pelo estresse de projetos, prazos, perda financeira para a empresa, lidar com pessoas difíceis e coisas do gênero. Bem diferente de cuidar de algo que é seu – sua casa e seus filhos. Maçante, por vezes sim, mas certamente mais cômodo e confortável.

2Não estou criticando o sexo casual, apenas colocando na balança qual dos comportamentos o feminismo que aí está quer para as mulheres.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Alagoas

Ver o mar
Ouvir o mar
Sentir a brisa do mar

Ver o sol
Sentir o sol
Deixar o sol me queimar

Ver o céu
Olhar pro céu
Brincar com as nuvens do céu

Esperar a lua
Amar a lua
Ter a companhia da lua

Pisar a areia
Sentir a areia
Se esparramar na areia

Provar teus sabores
Lembrar teus sabores
E assim se deliciar

Ver tua gente
Falar com tua gente
E se sentir em casa

Estar em você
Voltar pra você
Querer você melhor
– Alagoas!

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Motes e enumeração

Exercícios de uma época em que estudei poesia.

Exercício de enumeração


Mulher
Olhos
Cabelos
Lábios
Seios
Cintura
Pernas em geral
O olhar
O falar
O ouvir
O recordar
O mover-se
Roupas
Faltou algo?
Sim: as ideias


Exercícios de desenvolvimento a partir de mote


Mote: Esses inquietos ventos andarilhos

Desenvolvimento:
Esses inquietos ventos andarilhos
que vem, vão, vem, vão, num indo-vindo ad aeternum
Bolem num, mexem co'outro
como se disso dependesse sua existência
Onde dormem? E pra onde vão quando vem chuva?
Morrem se amadurecem, refreando as travessuras –
deixam de lado as saias, esquecem os chapéus, abandonam os papéis
Tudo acaba em ar
Ou vento


Mote:  Uma formiguinha atravessa, em diagonal, a página ainda em branco

Desenvolvimento:
Uma formiguinha atravessa, em diagonal, a página ainda em branco
Coitada! Deveria cuidar da geometria, para não perfazer o caminho mais longo
Branco deserto frio, habitado por criaturas velozes e esguias
sedentas de sulcar a superfície plana
Corre, formiguinha!


Mote:  O fim do cigarro tem uma tristeza de fim-de-linha

Desenvolvimento:

O fim do cigarro tem uma tristeza de fim-de-linha
E agora, como fica?
O pensamento suspenso, inacabado
A mão trêmula, a ponta da caneta ofegante
Mas, onde arrumar espaço?
A idéia tem que continuar, a linha idem
Mas para onde?
A folha, esse ente sabotador, limitado, não compreende a grandiosidade
a missão
o prazer de terminar de escrever
um fim-de-linha


Mote:  Uma senhora gorda, com um chapéu de plumas

Desenvolvimento:
Uma senhora gorda, com um chapéu de plumas
Antítese ambulante
Um numerador gracioso encimando um denominador ofegante
E ainda dizem que os opostos se atraem




domingo, 2 de setembro de 2012

Pequeno(íssimo) ensaio sobre o ponto de exclamação

O ponto de exclamação é, dentre os sinais de pontuação, o que melhor expressa a faceta humana. Pois para que serve o ponto, a vírgula? Apenas indicam que somos seres aeróbicos. E o dois-pontos? Lembra-nos que sabemos contar. A interrogação se sai bem: demonstra que indagamos, que queremos respostas. Mas só a exclamação transmite a profundidade das sensações humanas. Abrange a gradação da tristeza à alegria, da admiração ao espanto. Dois sinais alinhados que diferenciam os homens dos animais. Basta juntá-lo a uma frase para mudá-la de simples descrição de idéias para expressão de sentimentos. Por isso convém que se utilize com parcimônia, pois pode provocar intrigas se utilizado inconvenientemente. Por outro lado, pode-se não alcançar o resultado previsto se omiti-lo. É preferível usá-lo em número de um ou três: um para o uso normal a que se presta; três para indicar a informalidade juvenil ou os excessos de nosso povo. Dois é deselegante e além de três é banalizá-lo.