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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Os brasileiros e a leitura

Há alguns dias li em uma revista de grande circulação nacional uma reportagem sobre a ascensão da compra de livros no Brasil. Compra e publicação. Os números apresentados na matéria referentes a essas duas ações são utilizados, em determinado momento, para quantificar os leitores de nossa terra. Será?

Lembro que há alguns anos o livro O Universo numa Casca de Noz (de Stephen Hawking) figurou durante várias semanas na lista de best-sellers nacional. Embora utilizasse uma linguagem simples (até onde possível) e belas ilustrações (que não merecem ser classificadas de outra forma que não perfeitas) para falar sobre teorias modernas (e complexas) da física, certamente foi um (ou senão o) dos livros menos lidos do ano. Compreendo que não é uma leitura fácil (pois o li), mas decerto essa prática de comprar livros para enfeitar estantes não se restringiu somente a ele.

Dos milhões de livros comprados pela nossa gente, não me espantaria se ao menos a metade permanecesse com as páginas virgens, empoeirasse e mofasse pelos cantos, ou servisse apenas como guarda-papeis para pessoas em trânsito. Ou ainda – tolice das tolices – para ostentação. Quem é adepto dessa última prática deveria saber que a utilidade do livro só se revela depois de lido, nunca antes, ainda que para fins escusos.

Na mesma reportagem é descrito um critério adotado atualmente para confecção de livros. Devem ter capítulos pequenos e letras grandes. Seria para facilitar a leitura? Claro que não. Esse é um método utilizado para cativar os “leitores” (traduzindo: vender). É uma maneira encontrada para evitar que os livros não convençam enquanto nas prateleiras e, uma vez levados para casa, consigam instigar o leitor a percorrer todas as páginas (algo menos importante). Isso porque, na prática, o Brasil está aprendendo a ler agora, depois de cinco séculos de vida. Tal qual uma criança mimada que tem que ser afagada por fazer o que é certo, ou um animal em adestração que é premiado a cada ordem cumprida, nosso leitores apenas leem os livros que “se comportam”, atendendo a seus critérios, com letras grandes e poucas páginas, a fim de acelerar o término da leitura

Lembro de um texto, A Árvore de Beto. Um texto pequeno, em torno de vinte e poucas linhas, mais ou menos. Acreditava que este era o mais longo texto do livro da segunda série – que era do meu irmão do meio. Depois de ter lido todos os outros textos, incluindo o do cavalo de fogo e a montanha de vidro e o da onça e da raposa, que eram tão longos quanto, finalmente muni-me de coragem e, numa determinada manhã, li-o. Ao final, o chamado de minha mãe para o café e a sensação de que a barreira vencida – que ofereceu pouca resistência – abriu um universo de possibilidades. Textos compridos poderiam ser lidos por mim. Isso foi antes de eu ingressar na escola.

Esses livros dos primeiros anos traziam letras grandes, parágrafos curtos e linguagem simples (embora tenha aprendido a palavra “baldio” nesse texto). Também vinham diagramados em colunas pouco largas e acompanhados de desenhos para incitar o gosto pela leitura nos pequenos. É curioso ver que hoje esses mesmos recursos, com poucas variações, são utilizados para incentivar também os leitores de muita idade.

Minha esperança é que, a partir desse momento de leitura incipiente que ora vivemos, possam surgir verdadeiros leitores. Pessoas que leem pelo prazer de ler, pela sede de conhecimento, e não apenas procuram títulos fáceis que discorrem sobre obviedades e coisas inúteis. Que conheçam os clássicos, mesmo os de letras miúdas, e possam se libertar do julgo da indústria livreira (longe de ser literária), trilhando caminhos próprios que achem devidos.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Saudade


Saudade não é distância
Saudade é separação
Saudade não é não ter
Saudade é não ter como
Saudade é uma música antiga
que a gente gosta de lembrar
Saudade são palavras que ouvimos
e não queremos esquecer
O tempo é o responsável
por trazer tanta saudade
A saudade é a encarregada
de nos trazer tanta tristeza
Tudo que hoje existe
será um dia saudade
Todos que hoje vivem
serão um dia saudosos
Só sente pouca saudade
quem também pouco viveu
Quem, dando, não se deu
Viu, mas não olhou
Quem tocou e não sentiu
Tentou, mas não sorriu
Aquele que sente saudade
carrega algo no peito
Cicatrizes de um viver intenso
ou lamento por algo não feito
Saudade é um sentimento
que visita nosso passado
e nos mostra que o presente
tem que ser aproveitado

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Criatividade


“Sejamos criativos!”, proclamam aqueles que ganham dinheiro fácil com palestras vazias em empresas moderninhas. Apenas repetem mantras ditados por supostos gurus da criatividade. Gente cujo auge criativo foi desenvolver uma forma de ganhar bastante dinheiro à custa da falta de esclarecimento dos outros.

É inegável que criatividade é uma característica extremamente importante seja qual for a situação. Também não se pode dizer que o mundo seria o que é hoje se não fossem gênios criativos que surgem cada qual à sua época e em sua área. Mas o que certamente é discutível é o atual discurso de que todos podem ser habilidosos criadores. Dizem que basta responder a um questionário quando em face de um problema que teremos uma inovação. É claro que sempre podemos fazer as perguntas certas, mas isso não garante que obtenhamos as respostas devidas.

Várias são as teorias sobre inteligência, desenvolvidas ao longo dos séculos. Não vou discorrer sobre nenhuma delas, mesmo porque não há nenhuma que seja conclusiva, uma vez que não há como ter certeza de nada a esse respeito. Isso abre precedentes para que praticamente qualquer um tenha sua própria ideia do que seja inteligência. Eu mesmo tenho algo pensado a esse respeito.

Primeiramente, afirmo que concordo com a teoria das inteligências múltiplas de Gardner (até mesmo porque a idealizei antes de tomar conhecimento de que alguém já a havia estabelecido), mas em minha visão ela seria um segundo nível no universo das habilidades cognitivas. No primeiro nível estariam dois tipos de inteligência: uma assimilativa e outra criativa. A primeira seria responsável por permitir que uma pessoa aprenda coisas que lhe sejam ensinadas, enquanto a segunda possibilita que alguém crie algo que não existe (baseado ou não em conhecimentos e/ou experiências adquirido(a)s). Ora, qualquer um pode aprender os fundamentos da aritmética, mas nem todos poderiam desenvolver o cálculo diferencial e integral de Newton/Leibniz. Todos podem dominar seu idioma materno, mas bem poucos rivalizam com Saussure (fundador da linguística como ciência). Muitos aprendem a tocar um instrumento, mas quase ninguém alcança o status de um Schoenberg (pai do dodecafonismo). Todos eles foram gênios criativos que derrubaram barreiras em suas áreas para estabelecer novos marcos a serem ampliados por gênios futuros. Afirmar que qualquer um pode alcançar esses feitos é no mínimo irresponsável.

Obviamente, é possível estimular cada um desses dois tipos de inteligência. Inclusive é perfeitamente factível que uma mente comum aplicada com afinco supere uma mente brilhante ociosa. Mas devemos lembrar que isso é exceção, e não regra. Não podemos nos iludir que teremos ideias milionárias abraçando árvores (prática comum em palestras corporativas “criativas”). Embora importante, não se pode garantir que acumulando conhecimento de áreas distintas encontraremos a solução de grandes problemas – quanto de conhecimento é necessário para perceber que se pode utilizar uma garrafa PET cheia de água como lâmpada? Ou que basta alargar a abertura de um tubo de creme dental para aumentar seu consumo? O caminho mais fácil para a não-frustração é a conformação. Você pode até “descobrir-se” criativo, mas isso porque finalmente saiu do marasmo intelectual, e não porque seu cérebro de repente começou a fazer sinapses mágicas.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Os brasileiros e a Música

A relação dos brasileiros com a música é controversa. Bastante. Somos conhecidos como um país musical, mas, contraditoriamente, não temos artistas internacionais ou músicas conhecidas no exterior (salvo raríssimas exceções). E, mesmo quando ocorrem, são pontuais e passageiros. Costumo dizer que os brasileiros não fazem música; eles a usam. Usam-na para protestar, usam-na para divulgar um modo de vida, apenas animar festas ou conseguir parceiros sexuais.
 
Há três conceitos fundamentais em música: melodia, harmonia e ritmo. Podemos ouvir música de modo distinto tomando como base cada um desses elementos constitutivos. Podemos nos deixar levar pela pulsação se atentarmos principalmente ao ritmo. Podemos nos guiar por sentimentos diversos se nos ligarmos à melodia. Ou podemos apreciar a complexidade da música se ouvirmos conscientemente a harmonia apresentada. No Brasil, o público apresenta bastante dificuldade em ouvir da última forma e não se decide sobre a segunda, além de exagerar na primeira.
 
Por aqui predomina a noção de que uma música é bonita se tem uma letra bonita, independentemente de se quem a executa é um cantor medíocre ou músico sofrível. Além de ser uma das maiores bobagens musicais já proferidas, essa ideia não resiste aos argumentos mais simples. Primeiro, se você tem que entender a letra para gostar de uma música, por que então as músicas estrangeiras fazem mais sucesso do que as nacionais, quando é sabido que os brasileiros não sabem inglês? Em segundo lugar, se uma música tem que ter letra para ser apreciada, que dizer das músicas instrumentais? Devemos jogar todas fora? Banir a música clássica? Por último, se a letra é tão importante assim, qual o motivo de as canções de maior audiência serem justamente aquelas desprovidas de conteúdo, que se valem de cacofonias, letras vazias ou sem sentido e obscenidades?
 
É comum se ver por aí pessoas que se esforçam “contra sua natureza” para ouvir músicas mais elaboradas, mas, na primeira oportunidade, rendem-se à sua “condição normal”, ouvindo o pior que existe em nossa produção musical. Os estilos puramente rítmicos são os preferidos, por não exigirem esforço mental algum. No máximo, uma letra que fala de amenidades, embora a maioria atualmente apenas banaliza o sexo.
 
Não defendo que as canções tenham que ter uma letra elaborada. A propósito, letras são a última coisa que analiso quando ouço uma música. Naturalmente, uma boa letra dá um brilho especial à música, mas o universo musical é bastante rico para necessitar que se lhe empreste sentido através de letras. A mágica dos sons fala por si mesma.
 
Com alguma pesquisa e observação podemos encontrar estilos musicais desenvolvidos em nossa terra, mas é triste perceber que os últimos de que tenho notícia não passam de mercadoria sem valor, produto para massas. Obviamente, deve haver estilos os mais diversos, para cada situação e para cada segmento social (em sociedades que assim o exigem), afinal, a música serve a todos e todos têm direito a ela. Mas bom seria se a decisão do que ouvir fosse motivada por nosso arbítrio, e não por limitação intelectual.
 
Há ainda aqui aqueles que se gabam por se auto-afirmarem ecléticos, quando na verdade melhor seria classificá-los como pessoas sem critérios. Há uma diferença entre ouvir tudo e ouvir de tudo. Os verdadeiros ecléticos não são depósitos musicais que tudo aceitam sem a mínima avaliação. São antes pessoas capazes de se despir de pré-julgamentos e pressões externas pelo prazer de desfrutar a incrível gama musical que nos é oferecida.
 
Enquanto não entendermos que a Música (sim, com M maiúsculo) é uma arte belíssima, continuaremos à mercê da ignorância que faz progredir a multiplicação da pífia musicalidade que ora se nos aparece. Devemos ter mais respeito a essa arte, e não apenas usá-la para obter privilégios fúteis.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Sono

O que você faz quando está dormindo? Eu, particularmente, não faço nada. Dormir é uma das maiores perdas de tempo que conheço. Poderíamos fazer tantas coisas nessa “pequena morte diária” (nos dizeres de... não lembro quem. O Google me deixou na mão dessa vez), ou “morte branca”, como diz o outro. Há tanta coisa no mundo para se aprender, tanta coisa para se debruçar, tanto a se fazer, e aí lá vem a modorra e põe tudo a perder, essa procrastinadora da vida.

Tem pessoas que respondem à pergunta “O que você gosta de fazer?” com a infame “Dormir”. Ora, dormir não é algo que você faça. Dormir é uma não-ação. Quando você dorme você não faz nada. Ou, por outro ângulo, você faz NADA. Quando você dorme, você fecha os olhos, depois abre. Pronto. Esse hiato (pra usar uma palavra da moda) entre o fechar e o abrir de olhos pode ter a duração de um minuto ou um dia. Não há diferença. Como você pode afirmar que gosta de dormir? Não faz sentido. Esse tempo que você perde você nem o vê (ou sente) passar. Como pode sentir prazer, gostar de algo que você não experimenta? Na verdade, acho que o que você realmente gosta é do ócio. Sentir aquela pachorra, aquela languidão, se estirar na cama, pensando em nada... Dormir é um atalho para a morte. Quanto mais você dorme mais você se aproxima dela. Pensar que uma pessoa com 60 anos passou em média 20 deles dormindo me dá náuseas.

Para os chatos de plantão, informo que eu sei o quanto é importante dormir. Você cresce, seu corpo se cura, seu cérebro arruma a casa, seus músculos se intumescem, etc.. Já passei uma boa dezena de dias sofrendo de tonturas porque estava dormindo menos que o normal. Bom seria se nos fosse dado o direito de escolher entre poder dormiu ou não. Dormir apenas se quiséssemos. Assim todos ficariam felizes: os que preferem não ver a vida passar e aqueles que querem aproveitá-la em todos os momentos.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Detalhes


“O diabo está nos detalhes”. A frase tão conhecida pode ser aplicada em vários sentidos. Afinal, como quase tudo o que existe, detalhes podem ser utilizados tanto para o bem como para o mal, dependendo apenas da intenção do utilizador.

Por um lado, há aqueles que confiam aos detalhes a existência do universo, e, por outro, há os que nunca os percebem. O primeiro grupo é formado por basicamente dois tipos de sujeitos: os chatos e os perfeccionistas (muitas vezes esses termos são intercambiáveis). Se você é perfeccionista, você acredita que os detalhes realmente fazem a diferença. São eles os responsáveis pelo sucesso ou insucesso de qualquer empreitada. O fato é que muitos desses detalhes só são percebidos por você, que gasta uma energia enorme com “coisas invisíveis”. Agora, se você faz parte do grupo dos chatos, é certo que você apenas se preocupa com detalhes porque falta algo na sua vida, e sobra bastante tempo para você se preocupar com coisas que não valem a pena. Seria muito mais útil se você aproveitasse seu tempo disponível para, em vez de implicar com porteiros de prédio e empregadas domésticas, construísse algo de que você se orgulhasse.

Já do lado daqueles sempre desatentos aos detalhes estão os afobados, aqueles que estão sempre correndo, os afoitos, mais dados às emoções que à razão. Pessoas que vivem se perguntando porque seus projetos muitas vezes dão errado, sem perceber que os detalhes óbvios não foram notados, mas seus efeitos foram bastante perceptíveis. Uma certeza é que na maioria das vezes quem não nota os detalhes de algo é porque não lhe dá muito valor.

Detalhes muitas vezes são indicativos de uma situação que está por vir. Quantas namoradas e noivas não ignoram sinais que seus companheiros emitem na forma de detalhes de como ele se portará após o casamento? Elas até notam, mas preferem ignorá-los na esperança de que “no final tudo dê certo” (uma das maiores ilusões que existe). Assim, percebem-se casadas com homens violentos, pouco apaixonados, nada românticos, mesquinhos. Decorrência dos detalhes negligenciados...

Lidar com detalhes é uma arte. Saber filtrar os promissores daqueles de pouco valor requer grandes habilidades. Diria até que bem-aventurados são aqueles que sabem lidar com detalhes, pois eles serão chamados sábios.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Felicidade

Felicidade é não ter opinião
É ser mediano nas preferências
Quando indagado se gosta de algo
consulte a Cartilha da Maioria
responda de acordo com ela
e será bem-vindo a qualquer lugar
Lembre-se que tais perguntas são retóricas
Apenas querem que você capitule
Agora, se for irremediável
ter opinião contrária à Cartilha
e se pedirem que a justifique
limite-se às reticências
Arremate com uma interjeição
e mude de assunto
Quanto mais opiniões tiveres
mais perigoso serás
Desmaiarão de susto
pois como responderão
ao que não está na cartilha?
Acionarão a polícia
Hão de pendurar cartazes seus
Mandarão cartas avisando a todos
O ostracismo é o outro lado da opinião

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Tributo a uma voz

Eu estava no início da adolescência quando me peguei pensando no que seria uma voz perfeita. Empoleirado no banco do jardim (na minha terra chama-se “frente”), observava por cima do muro um grupo de garotos brincando na rua. Ao fundo, uma música tocava. Era o grande sucesso do momento, inevitável, indefectível. Na verdade, deve ter sido ela que me pôs a pensar a respeito da voz perfeita. À época, limitado pelos meus parcos conhecimentos musicais, imaginei que o detentor da tal voz deveria ser capaz de efetuar vibratos conforme lhe conviesse, além de possuir fôlego considerável, além de poder cantar em todas as regiões – grave, média e aguda –, do piano (suave) ao forte.

Alguns anos depois, perambulando pela seção de livros de um hipermercado, eis que ouço, vindo da seção de CD's (onde um vídeo era reproduzido), uma portentosa voz. Aquilo atraiu-me imediatamente. Era uma voz daquelas que é dadivada a poucos humanos. Aproximei-me para verificar quem dominava aquele som. Registrei o nome e fiquei por ali um tempo, apreciando as notas perfeitamente entoadas. E qual não foi minha surpresa ao deparar, na música seguinte, com aquela mesma música que ouvi na adolescência. Então era ela a intérprete? Minha ignorância musical não me permitiu que àquela época eu percebesse que aquela voz era a que eu estava procurando. Foi preciso alguns anos de busca e acúmulo de conhecimento musical para poder reencontrá-la, agora como um tesouro descoberto.

Whitney Houston foi, antes e acima de tudo, uma voz. Suas músicas, a despeito das belas melodias, não dispunham das letras engenhosas que tanto agradam os intelectuais. Tampouco traziam inovações musicais, que é certo cativarem os críticos. Pautada nos sentimentos comuns a todos, falava principalmente de amor. No entanto, não se pode desprezar como cantava. As notas das muitas oitavas que conseguia alcançar eram entoadas com volume, em uma voz potente, dessas que parecem poder ser tocadas. Não à toa recebeu mais de quatrocentos prêmios musicais. Possuía uma interpretação notável, cuja emoção transmitida pode ser vista em seus vídeos. Demonstrava grande intimidade com a música, dados os improvisos que realizava.

Alguns podem criticá-la porque não atingia os agudos das grandes sopranos, a exemplo de algumas contemporâneas suas, como se houvesse alguma lógica nesse argumento. Outros talvez lembrem que recebeu apenas seis Grammy's ao longo da vida, enquanto a novata britânica, em sua primeira aparição, levou a mesma quantidade. [Talvez o maior trunfo de Adele tenha sido a sorte de surgir no atual cenário decadente e letárgico da música, tão impotente em criar artistas perenes] Mas não há premiação que traduza tudo que ela representou para, não apenas uma, mas para várias gerações. Além de contribuir para o ingresso de cantoras negras americanas no cenário musical, é inspiração certa para os aspirantes a cantores.

Sigo a filosofia de separar o artista da pessoa. Como pessoa, Whitney cometeu erros, todos contra ela própria, que a levaram ao triste fim. Infelizmente, esses erros nos privaram de grandes interpretações que poderíamos ter. No entanto, a artista permanecerá sempre viva, lembrada que será pelos que se rendem ao belo som de sua voz perfeita.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Estereótipos

Se eu sou um estereótipo
eu sou um idiota
Ou você que é
Quem disse que há dois iguais?
Duas coisas apenas são iguais
quando são a mesma
(diz a Matemática Discreta)
Não tenha preguiça em me conhecer
Não poupe esforços
Acredite na idiossincrasia
A cada estereótipo creditado
mais cego você se torna
Mais estúpido
Estereótipos são fôrmas cerebrais
para cérebros amorfos
Acreditar neles incorre em injustiça
para com os que deles fogem
que se esforçam por não sê-los
Para cada estereótipo vivo
há várias pessoas mortas
E um mundo mais liso
Mais plano
Igual

Pensando fora da caixa

Ao final do filme MIB (Men in Black) – um grande sucesso da década de 90 –, a câmera, em vista aérea, realiza um movimento ascendente, distanciando-se cada vez mais dos personagens. É mostrada então a cidade em imagem de satélite e logo os continentes e então a Terra. Esse movimento continua, exibindo o sistema solar e a galáxia. Então, subitamente, surgem ET's que “pegam” a Via Láctea e se põem a brincar com elas, como se fossem bolas-de-gude. Depois a depositam em um saco, juntamente com o que seriam outras galáxias (veja a cena aqui).

A ideia transmitida por essa cena do filme é clara: há muito mais coisas além do que sabemos. Na verdade, essa é a temática do filme (e de outros, a exemplo da trilogia Matrix). Um dos personagens principais toma conhecimento de que há vários alienígenas vivendo na Terra, assim como a equipe responsável pelo controle desses alienígenas descobre que há galáxias que cabem na palma da mão de um humano. Enfim, a temática do filme é: pense fora da caixa. Mas que caixa seria essa?

Podemos entender por caixa nossa realidade, nossas limitações intelectuais e culturais impostas por nossa apatia em ir além do que se vê. Somos conformistas, preguiçosos em pensar diferente dos moldes em que somos criados. Até faz sentido. Por que tentar mudar algo que “está dando certo”?

Esse lema tem ganho espaço no mundo corporativo (embora ali seja tratado nos limites da própria caixa do mundinho empresarial). É como contam: o vendedor de carroças foi à bancarrota porque não abstraiu o suficiente para entender que seu negócio era transporte, e não carroças, perdendo assim espaço para o automóvel. Pensar fora da caixa é pensar diferente, agir consciente e ir de encontro ao que é presente, descobrindo novas formas de ver o mundo e retratar a realidade. É desenvolver inventos e métodos novos em substituição aos antigos e pouco eficazes.

Pensar fora da caixa não é ler Ulisses ou O Pequeno Príncipe. É conhecer James Joyce e Antoine de Saint-Exupéry. Não é ouvir Bach, e sim conhecer o sistema temperado. Tampouco o é visitar museus de arte, mas conhecer os movimentos estéticos. Pensar fora da caixa envolve muita classificação e modelagem.

Os mais atentos devem ter percebido que isso nada mais é senão uma releitura do Mito da Caverna, de Platão. Nos acostumamos a nosso ambiente, custamos a acreditar que há algo além dele e combatemos ferozmente tudo que lhe é externo. Por isso Galileu foi levado a julgamento, Martinho Lutero foi execrado, e Giordano Bruno, queimado vivo.

Então, se você é um conformado, se é cegamente etnocêntrico, repense bem suas convicções. Talvez se descubra dentro de sua caixa.