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quinta-feira, 29 de março de 2012

Desejo

Quando eu nascer de novo
por favor me lembrem
de vir ao mundo sem dom
sem propósito, sem talento
Serei feliz por inteiro
livre de conhecimento
Serei amigo de todos
sem ideias que sejam minhas
Serei feliz na ignorância
que nessa vida eu lamento

Quando eu nascer de novo
por favor me lembrem
de vir ao mundo sem caráter
sem pudor, sem romantismo
Todas as moças do mundo
serão minhas companheiras
Acordarei de manhã com uma
e à noite já terei outra
Isso não será segredo
e serão felizes todas

Quando eu nascer de novo
por favor me façam
deixar o senso de justiça
que ora tanto me embarga
A preferência será dada
aos chegados companheiros
Aos desconhecidos reservarei
o merecido esquecimento
Serei juiz de minha causa
sob um falso juramento

Quando eu nascer de novo
por favor me digam
que o mundo está mudado
livre de sabedoria
Não me deixem retornar
à condição de aprendiz
de coisas que são inúteis
das coisas que sempre fiz
e nunca me recompensaram
com o ato de ser feliz

E se eu nascer de novo
por favor, por favor me lembrem
de esquecer os bons costumes
e enterrá-los bem profundo
Livre de meus escrúpulos
e também de consciência
compreenderei então o mundo
que por ora me atormenta
Estarei enfim livre
dessa minha penitência

terça-feira, 27 de março de 2012

A carga do homem

Todos dizem que vida de mulher é difícil, cheia de obstáculos. Será?

Não vou aqui cometer o absurdo de dizer que não existe violência contra a mulher (embora numericamente acredito que haja muito mais violência contra o homem, mas o que conta aqui são fatores não-numéricos) ou que em algumas circunstâncias não haja discriminação. Mas será que realmente o cão é tão feio como pintam? Ou será que são ecos de um movimento feminista hoje decrépito? Também não irei advogar que as mulheres não recebam o máximo de atenção, respeito e carinho. Afinal, elas são, para nós homens, a melhor parte da Criação, que nos motivam a maior parte do tempo a fazer as coisas mais inteligentes e também as mais idiotas. Mas o quero mostrar aqui é uma visão um pouco mais perspicaz do tratamento que os homens recebem em detrimento delas.

Primeiro, porque o homem tem que fazer e ser tudo em um relacionamento?1 Na grande maioria dos casos o homem tem que cortejar, convidar para sair, escolher o lugar, fazer a programação, ir buscar, ir levar, ser atencioso, demonstrar confiança, etc. Tem que ser divertido, tem que ser amável, criativo, inteligente, interessante, bem arrumado (entenda-se: roupas e perfumes caros), bem-sucedido, saber dançar, ser aventureiro, ser romântico, ser desinibido, ser um maratonista sexual, etc. Já sei que a resposta da querida leitora é: “Claro! Já estamos dando o privilégio de ele sair conosco, tem que ser nessas condições!”. Será? Tudo bem, mas qual a contrapartida disso? Será que apenas o fator “ser mulher” basta?2

Em Contabilidade há um método de escrituração (registro) chamado método das partilhas dobradas, onde, para cada lançamento de débito/crédito, há um outro correspondente (de igual valor) de crédito/débito. Pois bem, o homem se esfalfa para conquistar uma mulher, mas em compensação o que a mulher oferece? A pergunta parece óbvia, mas pode esconder um revés para você, leitora. Em situações normais o homem escolhe uma mulher por sua beleza, unicamente. Natural. Você está em uma festa com várias pessoas, qual critério você deve usar para se aproximar de outra? O único plausível é a aparência física. Pois bem. O homem consegue descolar uma garota, sai com ela. Pra isso ele fez um grande número de malabarismos (inclusive se passando por coisas que não é, mas que a cartilha prega como necessário) e finalmente ganha o coração dela. Pergunto eu: o que ela ofereceu até então? Só a beleza? Apenas sexo? Ele a conquistou, mas essa é toda a história? Será que ela também não tem que ser inteligente, divertida, independente? Será que é válido premiar o homem apenas com a beleza (e às vezes o sexo)?

Se for assim, então estamos abrindo precedentes para: 1) determinar a beleza como modus operandi dos relacionamentos; 2) concordar que o homem parta para outro relacionamento tão logo a beleza acabe (ou encontre outra); 3) facilitar ao homem engatar um relacionamento com a primeira pessoa mais interessante que encontrar. Embora você possa não concordar (e obviamente isso não se aplica a todos os casos, apenas aos clássicos – homem vê uma mulher bonita, chama pra sair, engatam um romance), esse cenário é bastante comum. Não parece muito sábio confiar a integridade de um relacionamento apenas à moral masculina de não trair. O homem bem-sucedido, independente, com carrão (e nem venha me dizer que isso não é atrativo porque definitivamente esse é o atrativo por excelência), formado, viajado, gastou bastante de seu tempo para chegar até essa condição, e parece antagônico estar com alguém que tenha tão pouco a oferecer em contrapartida (nos vários casos em que a mulher nem ao menos tem faculdade ou nunca trabalhou, e não se interessa nem por um nem por outro).

Entendo que no reino animal o macho quase sempre é maior, mais vistoso, tem habilidades (como no caso das aves canoras, onde apenas o macho canta, ou os sapos-machos que coaxam), mas se usarmos esse pretexto para justificar nossas relações, devemos nos preparar também para jogar fora milhares de anos de civilização e avanços que nos distinguem dos animais. Devemos também aceitar que seja natural entregarmo-nos aos instintos primitivos de vingança e perversidade.

Não sou niilista ao ponto de propor uma nova forma de cortejamento. Apenas seria aprazível se os homens saíssem com pessoas do sexo oposto na expectativa de se divertirem com alguém legal – atraente não só na aparência, mas como um todo –, e não apenas na expectativa de não falharem no encontro por não serem perfeitos.


1 Apenas para ilustrar, no livro As Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, o protagonista vê uma garota loira de olhos azuis e põe-se a desfilar todas as suas habilidades para conquistá-la: andar de ponta-cabeça, desenhar, etc., ao passo que a menina não sabe fazer nada além de sorrir.
2 Longe de mim afirmar que esse fator valha pouco. Apenas questiono se ele é tudo.

domingo, 25 de março de 2012

Como ser um brasileiro médio

 Receita para se tornar um brasileiro médio:

  • ler livros-espírita (independente de ser católico)
  • simpatizar com culturas orientais
  • ter um lado esotérico
  • ouvir MPB (o que quer que isso seja)
  • citar frases de personalidades famosas (mesmo não sabendo do que se trata)
  • falar de modo não-natural em ocasiões formais
  • criticar mesmo sem ter capacidade para avaliar
  • escutar os gurus do momento
  • sobraçar livros louvados pela crítica (não é necessário ler)
  • inserir vocábulos de outro idioma no linguajar
  • não gostar de filmes dublados (mesmo que não domine o idioma original)
  • ler (ou apenas comprar) os livros que figuram das relações de mais vendidos das revistas semanais

sexta-feira, 23 de março de 2012

Tim Maia e o soul

Muito me espantei quando li pela primeira vez que Tim Maia foi um dos maiores soul-man brasileiros (juntamente com um certo Cassiano). Suas músicas que eu conhecia não lembravam em nada a música dos negros americanos que transformou a música ocidental. Fiquei entusiasmado com a possibilidade de conhecer mais um trabalho da música black no Brasil.

Passado muito tempo (e aí eu já tinha conhecido muito do trabalho de Ed Motta1 – e adorado – e conhecido o tal Cassiano – e odiado), consegui com um amigo a coleção completa de Tim Maia (incluindo os álbuns de seu período racional). Comecei a ouvir. Um, outro, mais um. Álbum após álbum minha decepção só aumentava. “Em que momento de sua vida esse homem cantou soul?”, questionava eu. Não tive fôlego para concluir a discografia, mas cheguei bem perto de terminar. Percebi bem poucos vestígios de que ele teve influência do soul em sua carreira. Até o notável Michael Sullivan disse que foi apresentado ao black através de Tim Maia. Bem, ao que tudo indica, ele realmente teve um papel importante no cenário black do Brasil, só não sei como. Talvez como divulgador, apenas. Sei que não foi através de suas canções. Não há como ter sido. Até seu sobrinho, quando gravou com a Conexão Japeri aos dezesseis anos, cantou mais soul do que ele.

Desde que eu me entendo por gente eu gosto de soul, mesmo muito antes de saber o que era.  Quando ouvia alguém com aqueles melismas e improvisos já começava a curtir. A certa altura de minha vida, comecei a pesquisar sobre música negra, e li a respeito da formação, estilos, execução, etc. No entanto, os conceitos não ficaram muito claros em minha mente. Tentei ouvir Ray Charles na tentativa de que um dos pais do soul me provasse os conceitos, mas ainda não foi com ele que os aprendi. Foi quando, acidentalmente, ouvi por mera curiosidade um CD intitulado Pra Louvar, do grupo paulistano Raiz Coral (e levei alguns meses até descobrir tanto o título como o nome do grupo intérprete, pois o CD que tinha em mãos era uma cópia2). Vencidos os primeiros momentos, aqueles em que o ouvido luta um pouco para reconhecer o que não lhe é peculiar, quase caí pra trás. Ali estavam, como que em formato de aula, todos os elementos do soul: improvisos (incríveis), melismas (perfeitos), uma base instrumental genuína (maravilhosa), coro responsivo e vocalização a três vozes, sem o baixo. Descobri que há um segmento da música gospel3 brasileira que executa um black de altíssima qualidade. Agora eu sei onde encontrar os verdadeiros soul-men brasileiros. [Algumas amostras: Dê o seu melhor, A coroa, Jesus meu guia é, Minha pequena luz, Vem louvar, CaridadeTocou-me, Bendito, Te louvo, Pra louvar]
  
E, voltando ao assunto original do texto, pra ser bem sincero, acredito que Tim Maia apenas fez sucesso devido a uma feliz confluência de fatores – os quais não tenho base para julgar. Não vi nada de especial em seu trabalho para que fosse entronizado entre os grandes nomes de nossa música. Talvez seja como o caso do escritor americano Ernest Hemingway, com seu “O velho e o mar”. Deve ter sido ótimo em sua língua original, na época em que foi escrito. Mas, visto hoje em dia, não é muito superior a um livro bem escrito de alguma série adolescente.

Aos fãs de Tim meu “sinto muito”, mas Raiz Coral e companhia são a excelência em soul music em solo brasileiro.


1Ed Motta canta soul
2Essa cópia não era minha
3Tem gente que torce o nariz ao ouvir falar de música gospel. Se você é um desses, veja esse vídeo.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Solidão


A solidão
é frio na alma
É noite na vida
constante, densa
não passa
Solidão é fogo frio
Sabor sem gosto
É viver em uma estação só
Solidão é andar sozinho
mão estendida
sem encontrar outra
É espera do que nunca chega
Solidão é choro
que ninguém ouve
Solidão é dor
que não se divide
É tempo infinito
É campo de neve
sem pegadas
frio
O coração solitário tem gelo
duro, inquebrável
É floresta vazia
É água parada
Solidão é companhia
que niguém quer
Solidão é sonho
que nunca termina
É sono
que não se acorda
Solidão é abismo
pra morte
É ponte
pro desconhecido
Solidão é gritar
pro vazio
Solidão são correntes grossas
em pulsos finos
débeis
Solidão é falha
é afastamento
Mácula
e olvidamento

domingo, 18 de março de 2012

Do que gostam os brasileiros?

Se dependesse dos brasileiros o mundo não sairia do lugar. Refiro-me ao mundo do conhecimento – essa ferramenta tão indispensável na vida de todos. Nada lhes interessa. Tudo é tão chato! Concordo que nossas escolas precisam mudar radicalmente, mas essa apatia de nosso povo contribui para torná-las praticamente inúteis.

Afinal, do que gostam os brasileiros? Matemática é difícil, Física é inútil, a Química fede, Português é complicado, História é perda de tempo, Geografia não faz sentido, Biologia não leva a lugar algum, e pra que aprender outras línguas se moramos no Brasil? Seria ótimo se esse problema se limitasse ao ensino tradicional , mas podemos encontrar essa pachorra em qualquer outra área: música é boa para se ouvir, mas tocar um instrumento dá muito trabalho. E estudar teoria musical então, nem pensar! Não precisa. Fotografia é interessante de se ver, mas não é preciso aprender técnicas. A câmera pode fazer tudo por você. Cinema é bom para se divertir, mas conhecer diretores e clássicos é algo muito chato. Viajar é bacana, mas conhecer a história do lugar ou aprender outro idioma para aproveitar a viagem não é nada interessante. Tedioso. Ler twitter é cool, mas um romance é enfadonho. Difícil se concentrar. Ter cartão de crédito é o que há, mas ter educação financeira é desnecessário. Ver animação é divertido, mas estudar desenho é nada a ver.

E que falar dos museus? Chatos. Concertos? Feios. Bibliotecas? Assombrosas.

A nosso povo só importa o que é festa, diversão, agito, algaravia, obviedade. Veja-se a audiência às comemorações de formatura. Os eventos religiosos são frequentados de relativo bom grado – importante manter o culto a alguma divindade –, mas difícil incumbência é comparecer à máxima consagração do título acadêmico (a colação de grau). Já a afluência ao baile é disputada sob juras de morte.

E ainda esperam um grande futuro... Como?

sexta-feira, 16 de março de 2012

Ordem


Pessoas desorganizadas são aventureiras
Inimigas do senso comum e da mesmice
Comprazem-se na empresa
de descobrir e redescobrir
Diariamente

Ou são simplesmente burras

terça-feira, 13 de março de 2012

Recursos humanos

Havíamos ingressado em uma nova empresa e estávamos nos submetendo a sessões de atividades místico-transcendentais desenvolvidas por um desses RH modernos. Uma dessas tarefas consistia em mantermos uma determinada quantidade de balões no ar, à medida que o responsável ia retirando do grupo os menos engajados. Eu fui um dos primeiros a ser removidos. Não dei o melhor de mim. Não tive espírito de equipe. Estou fadado ao fracasso. Sou um péssimo ser humano, pois não tenho ganas de enfrentar as adversidades da vida.

Nasci na periferia de uma cidade violenta, que tornava-se cada vez mais violenta à medida que eu ia crescendo, onde as pessoas mais cultas – menos de uma dezena – eram aquelas que haviam “terminado os estudos”, ou seja, concluído o segundo grau (na época se chamava assim). Aprendi a ler com minha mãe semianalfabeta e meus irmãos que estavam na primeira e segunda séries. Entrei na escola com aproximadamente nove anos de idade e, devido ao péssimo ensino público, tive uma instrução deficiente em muitos pontos. Sem condições de arcar com o ensino médio particular e sem querer continuar à mercê do ensino público estadual, consegui, ao custo de muitas horas de estudo, ingressar na escola técnica federal da cidade. Lá encontrei pessoas que vinham das mais renomadas escolas da cidade. Era um curso ao mesmo tempo propedêutico (em teoria) e técnico – informática. Cheguei sem saber de absolutamente nada, ao passo que os outros já usavam computadores há tempos. Consegui me formar ao cabo de quatro anos, com algum destaque. Sem dinheiro para custear cursos, aprendi praticamente sozinho música, inglês e espanhol (ao menos ler e escrever). Desapontado com o mercado de trabalho para técnicos em informática, estudei seis meses sem parar e passei no vestibular, com uma pontuação situada na primeira centena de notas. Coloquei como objetivo ser aprovado sem repor nenhuma nota na disciplina que mais reprovava na universidade. Fui o único de minha turma que obteve sucesso. No último ano do curso e no ano subsequente, fui aprovado em alguns concursos, normalmente entre os primeiros colocados.

Mas, que diabos, os balões... Os malditos balões revelavam ali minha natureza indolente. Eu não tinha capacidade de enfrentar desafios, pois não me dispus a correr atrás dos balões e espancá-los para mantê-los no ar. Enquanto os outros se esfalfavam na atividade, eu, deliberadamente apoiando-me nos outros, fazia corpo mole. Por isso fui removido da brincadeira. Fiquei de castigo, observando os outros. Devia tê-los como exemplo. Com certeza sou uma pessoa horrível, e estava patente ali que seria um péssimo colega de trabalho.

Quando as sessões diárias, para meu alívio,  enfim terminaram, o relatório conclusivo não fazia menção à minha falha de caráter. Lá constava que sou uma pessoa bastante concentrada (sendo assim, não entendo porque não consigo passar horas fazendo uma mesma coisa) e deveria trabalhar num quartinho, isolado. Por tratar-se de um relatório técnico, não era sugerido ali a escuridão clareada por luz de velas nem a corrente amarrada ao pé. Meu inconsciente deve ter se sublevado contra o método, pois, ao contrário do prescrito, eu interagia com todas as pessoas da empresa, de todos os setores. Também fiz a celebração de fim de ano, para um público de mais de cem pessoas, e propus algumas ideias, até criativas, tanto para meu setor como a outro. Devo procurar ajuda profissional? A causa de meu comportamento diferir do acusado na minha ficha deve ser investigada.

Amigos do RH, que tal trabalharmos seriamente?


domingo, 11 de março de 2012

Sugestão de leitura


          
Título: Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil
Autor: Leandro Narloch
Editora: LeYa
ISBN: 978-85-62936-06-7







Entre os títulos que povoam as estantes das livrarias brasileiras há vários que acrescentam muito pouco e tantos que não tem nada para oferecer. Porém, há um que merece menção especial. Trata-se do excelente livro Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, de Leandro Narloch. Longe de ser uma crítica vazia ou uma paródia revoltosa, o livro reconta diversos fatos de nossa história, apoiado em registros históricos, relatos de contemporâneos, livros, pesquisas acadêmicas e, também, na lógica. Essa visita ao passado de nosso país vai de encontro ao que é ensinado nas escolas. Há várias passagens do livro que poderiam ser registradas aqui, mas há uma em especial que gostaria de compartilhar, pois é bastante ilustrativa do teor do livro.

A natureza europeia fascinou os índios
            A imagem mais divulgada do descobrimento do Brasil é aquela dos portugueses na praia, com as caravelas ao fundo, sendo recebidos por índios curiosos que brotam da floresta. Na verdade, houve um episódio que aconteceu antes: os índios subiram nas caravelas. Pero Vaz de Caminha, o repórter daquela viagem, relata em sua carta que, antes de toda a tripulação desembarcar na praia, dois índios foram recebidos “com muitos agrados e festa”. (…) Essa imagem sugere que, naquela tarde de abril de 1500, os índios também fizeram sua descoberta. A chegada dos europeus revelou a eles um universo de tecnologias, plantas, animais e modos de pensar.
            Até a chegada de franceses, portugueses e holandeses ao Brasil, os índios não conheciam a domesticação de animais, a escrita, a tecelagem, a arquitetura em pedra. Assentados sobre enormes jazidas, não tinham chegado à Idade do Ferro e nem mesmo à do Bronze. Armas e ferramentas eram feitas de galhos, madeira, barro ou pedra, e o fogo tinha um papel essencial em guerras e caçadas. Até conheciam a agricultura, mas em geral era uma agricultura rudimentar, pouco intensiva e restrita a roças de amendoim e mandioca. Dependendo da sorte na caça e na coleta, passavam por períodos de fome. Não desenvolveram tecnologias de transporte. Não conheciam a roda. A roda.
            (…) [Os índios] são na verdade herois do povoamento humano no fim do mundo, a América, o último continente da Terra a abrigar o homem. A chegada a um lugar tão distante custou-lhes o isolamento cultural.
            Entre 50 e 60 mil anos atrás, os ancestrais de índios e portugueses eram o mesmo grupo de caçadores e coletores. Tinham a mesma aparência, os mesmos costumes, a mesma língua rudimentar. (…) Durante a caminhada de centenas de gerações alguns deles perderam contato e se separaram. (…) Alguns caçadores nômades não devem ter percebido, mas já estavam na América, separados dos colegas asiáticos por um oceano.
            (…) O isolamento na América deixou os nativos americanos de fora da mistura cultural que marcou o convívio entre europeus, africanos e asiáticos. Esses povos entraram em contato uns com os outros já na Antiguidade. O choque de civilizações fez a tecnologia se espalhar. Por meio de guerras, conquistas ou mesmo pelo comércio, tecnologias e novos costumes passavam de cultura a cultura. Já os americanos viveram muito mais tempo sem novidades vindas de fora. Tiveram que se virar sozinhos em territórios despovoados, sem ter com quem trocar ou de quem copiar novas técnicas.
            De repente, porém, aconteceu um fato extraordinário. Apareceram no horizonte enormes ilhas de madeira, que eram na verdade canoas altas cheias de homens estranhos. Numa quarta-feira ensolarada do sul da Bahia, duas pontas da migração do homem pela Terra, que estavam separadas havia 50 mil anos, ficaram frente a frente. Os milênios de isolamento dos índios brasileiros tinham enfim acabado.
            (…) A história tradicional diz que os portugueses deram quinquilharias aos índios em troca de coisas muito mais valiosas, como pau-brasil e animais exóticos. Isso é achar que os índios eram completos idiotas. Aos seus olhos, nada poderia ser mais fascinante que a cultura e os objetos dos visitantes. Não eram só quinquilharias que os portugueses ofereciam, mas riquezas e costumes selecionados durante milênios de contato com civilizações da Europa, da Ásia e da África que os americanos, isolados por uma faixa de oceano de 4 mil quilômetros, não puderam conhecer. Comprar aqueles artefatos com papagaios ou pau-brasil era um ótimo negócio. Seria como trocar roupas velhas que ocupam espaço no armário por uma espada jedi de Guerra nas Estrelas.

Após ler esse livro, uma coisa nos vem à mente: o que andam fazendo os professores de história? Durante décadas temos sido ensinados de acordo com uma visão completamente retrógrada e incoerente dos fatos. Foi preciso um jornalista (que, juntamente com os engenheiros, se metem em todas as áreas do conhecimento) para levantar a mão e dizer: “Epa! Será que isso foi assim mesmo?”. Esse fato coloca os cursos de história – juntamente com outros, como administração – no banco dos réus: ou são inúteis, ou devem ser reformulados do zero.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Mulher


Cabelo. Pele. Lábios. Cintura. Pernas. Seria muito cômodo se pudéssemos ficar nesses termos para descrever uma mulher.

Sim, seria cômodo, mas igualmente triste. Porque a descrição física de uma mulher é só o começo do encanto. Uns braços soltos podem até dizer muito, mas um abraço deles é sempre uma fascinação. Uma boca pode ser descrita por lábios e dentes, mas um sorriso é indizível, e um beijo enviado pelo espaço, dedos à boca, é um verdadeiro prêmio. Pernas de mulheres não são pernas se não as trazem ao nosso encontro a contar segredos. As mãos que apertam as nossas não são as mesmas que manuseiam objetos. Os olhos com que veem o mundo são mais profundos quando nos olham a alma. E para que servem seus cabelos se não podemos cheirá-los?

O melhor da mulher é a feminilidade. É isso que nos faz ceder, fazer coisas que do contrário não faríamos. É o que torna o mundo melhor e a vida mais bonita. É a magia que as torna graciosas em cada gesto. Que as ilumina. E é a justiça que permite às não tão belas concorrerem com as lindas – e por vezes ganhar.

A mulher é a dádiva que a Natureza destinou ao homem. É o toque de suavidade, de brandura, sem o qual o caos se instala. E como é bom sorver o dulçor que exalam quando nos dissuadem de nossos posicionamentos, quando pedem algo insistentemente, quando querem que concordemos com elas. A mulher é a parte que completa nossa satisfação na aurora e a alegria pelo crespúsculo. A elas a eternidade.