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segunda-feira, 24 de junho de 2013

Protestos de um povo insatisfeito

O Brasil viveu nas últimas semanas uma onda de protestos como há muito tempo não se via. A dúvida agora é sobre o real alcance dessas manifestações.


Há pouco tempo alguns países islâmicos governados por ditaduras experimentaram levantes populares que ficaram conhecidos como “primavera árabe”. Nesses países, governos foram depostos e mesmo seus representantes mortos, e caminha-se para outra forma de governar, mais democrática, embora não se saiba se isso os livrará do regime opressor, trazendo satisfação à população. À época, foram feitas algumas paródias comparando a insatisfação daquelas nações com o estado geral de indolência dos brasileiros, que apenas se importavam com festas e nada mais. Não faz muitos dias, os ânimos por aqui também se exaltaram – ao que parece, pouco inspirados pelo movimento árabe –, configurando um dos mais interessantes eventos dos últimos anos no Brasil.

Pessoas de várias cidades do país – capitais ou cidades interioranas – saíram às ruas para protestar e exigir melhores condições de vida. Bem, isso é a abstração máxima que se pode dar sobre o ocorrido. Há muito mais desdobramentos e imbricações referentes ao desenrolar dos fatos. Há muitas contradições, inúmeras dúvidas e sobram acusações múltiplas entre as partes envolvidas. Apesar disso, algumas observações interessantes podem ser feitas acerca do ocorrido dos últimos dias.

Ao que se sabe, as manifestações, tiveram início na cidade de São Paulo, orquestradas por movimentos de categoria, como o MLP (Movimento Passe Livre), e talvez alguns integrantes de partidos de esquerda, como o PSTU e o PSOL. A motivação dos protestos teria sido o aumento das passagens de ônibus, em R$0,20 (o que gerou o lema “Não são apenas R$0,20”, repetido mundo afora por simpatizantes da causa). A essa insatisfação inicial juntaram-se manifestantes com as mais diversas bandeiras: melhoria da saúde, educação de qualidade, bom transporte público, fim da corrupção, engavetamento da proposta PEC-37, gastos excessivos com as copas (das Confederações e do Mundo), entre outras. De São Paulo, o movimento ganhou as ruas da maioria das capitais – senão todas – e diversas cidades do interior. Mesmo com a baixa do preço da passagem, os protestos seguiram, ganhando contornos indefinidos – ou definidos, dependendo do ponto de vista. A presidenta do Brasil fez um primeiro pronunciamento em rede nacional, o que, longe de apaziguar os protestantes com o aceno de melhorias, desencadeou novas manifestações, dessa vez até por classes específicas, como a médica, que é contra a importação de médicos estrangeiros. Ou seja, muito ainda está por vir.

Uma das principais características do movimento é que foi articulado através das redes sociais. Esse, aliás, é um traço recorrente quando se observa que o mesmo se deu em outros países. O poder das redes sociais para os manifestantes é apropriado por pelo menos três motivos: a alta velocidade de difusão das mensagens, a proximidade entre os participantes e a possibilidade de cada envolvido contribuir. No entanto, essas mesmas características permitem “fraudes”, como mensagens e perfis falsos, prejudicando o grupo – como alegam alguns dos manifestantes filiados a grupos organizados. Dependendo da rede de amigos de cada um, a rede social Facebook foi o melhor meio de se manter informado sobre os eventos e dos rumos que a coisa estava tomando. Havia páginas dedicadas aos diferentes pontos de vista sobre o assunto (variantes de “a favor” e de “contra”), e cada um postava seus vídeos e fotos, escrevia suas impressões, compartilhava links de crônicas, de notícias, de informações, discutiam. Escolher um únco ponto de vista para se inteirar das ocorrências era a pior coisa se fazer.

No entanto, a resultante das múltiplas participações é que, por ser um movimento com múltiplas cabeças, terminou configurando-se como uma turba acéfala, sem comando, com a qual as autoridades tiveram dificuldade para lidar, seja para negociar o itinerário das passeatas, seja para ouvir as reivindicações. Os grupos que convocaram as manifestações terminaram por abandoná-las, afirmando que, devido às várias causas que se foram somando à original (o aumento da passagem), o movimento havia perdido o sentido – até mesmo porque essa reivindicação foi atendida. Mas houve outro motivo pelo qual os militantes de determinados partidos se afastaram do movimento: foram rechaçados. Vários portadores de bandeiras de partidos as tiveram tomadas e destroçadas. O movimento autodenominou-se apartidário, declaração pela qual muitos demostraram receio, temendo um fascismo iminente – e muito provavelmente infundado, uma vez que a exigência foi por melhores serviços, e não reforma política. Isso provavelmente se deve à desilusão sofrida pelo brasileiro após uma década de governo “de oposição” (o que quer que isso seja, em nosso contexto político) onde houve pouca mudança de discurso ideológico – se comparado às declarações de campanhas anteriores – e poucos resultados práticos, além das diversas denúncias de corrupção entre diferentes partidos. Para a maioria dos cidadãos, ficou a impressão de que os partidos são todos iguais, idem para os políticos. Por isso, ao verem bandeiras de partidos no meio da multidão, viram ali a representação da mácula de toda a profusão de partidos que confundem a cabeça dos eleitores, mas que não resolvem seus problemas.

Ainda sobre a importância da Internet, podemos dizer que ela funcionou em contraponto, ou mesmo em substituição, às emissoras de televisão. Através dela os manifestantes postavam fotos e vídeos do que estava acontecendo, dando uma visão plural dos eventos. Foi assim que se tomou conhecimento de diversos abusos cometidos por policiais no primeiro dia de passeata, contra participantes dos protestos, transeuntes alheios à manifestação e a própria imprensa. Foi por ela que muitas pessoas se informaram dos fatos e os cotejaram com as exibições dos canais de televisão. Talvez até mesmo por isso – a quebra do monopólio da divulgação dos fatos – algumas emissoras mudaram a abordagem de suas reportagens.

Findos os protestos iniciais, seguiram-se novas motivações: uma outra PEC, impeachment da presidenta (um dos mais inócuos), redução da remuneração dos políticos, entre outros. Obviamente, nem todos são viáveis ou constituem solução real para os problemas apresentados. A grande questão, levantada por muitos, é o quanto esse fervor democrático perdurará e em que medida ele se refletirá nas próximas eleições. Quanto a isso só nos resta especular e aguardar.

Outra observação que pode ser feita a partir dos manifestos é a intolerância de alguns para com aqueles que apresentaram mudança de opinião durante o período de protestos. Ora, sobre isso nos saltam dois pontos para análise. Primeiro, para muitas pessoas – aquelas que não acompanharam os protestos no início –, foi difícil identificar de fato o que estava acontecendo (até porque as manifestações sofreram mutações), ou mesmo conseguir analisar as dimensões dos protestos. Críticos e jornalistas atacavam num dia para, no dia seguinte, legitimar as reivindicações, o que nos leva ao segundo ponto: é errado mudar de opinião? Se até mesmo sobre um fato ocorrido totalmente no passado mudamos nossa impressão a respeito, que dirá de um fato que se desenrola e se modifica dia a dia? Muitos duvidam que as mudanças das coberturas dos eventos por parte das emissoras tenha sido sincero. Ora, mas há algo sincero na mídia? Desde que o marketing se alastrou por todas as áreas de negócios, nada tem sido sincero. Tudo o que se faz tem um objetivo a ser atingido, um público-alvo. O saldo, positivo para o cidadão – uma análise que não vai na contramão da verdade sobre o ocorrido –, não justifica a mudança de postura? E para o homem comum, que mal há em reavaliar a situação? Deficiência seria manter sempre um impassível posicionamento, mesmo em face de provas contrárias. A mudança é salutar, seja qual for sua motivação.

A propósito, manter a mesma opinião durante os vários dias de protestos talvez tenha sido a atitude mais alienada possível. O movimento mudou, as reivindicações se extenderam, várias cidades aderiram – e esse foi provavelmente o maior trunfo, o qual fortaleceu radicalmente o movimento, caso contrário, provavelmente findaria em nada, como diversas outras manifestações anteriores. Manter o mesmo tom das críticas talvez só se justifique pela atitude de não dar o braço a torcer. Cultura e experiência não impedem ninguém de errar. O próprio Thomas Watson (ex-presidente da IBM) afirmou, no início da década de quarenta, que não haveria mercado para mais que cinco computadores no mundo todo. Obviamente, ele estava errado. E que dizer de mais de um milhão de pessoas nas ruas? Houve de tudo: protestos pacíficos, manifestantes violentos, baderneiros que se aproveitaram da situação, policiais que usaram força abusiva, policiais solidários à causa, manipuladores da multidão, mídia parcial, entre outros. Não se podia dar um único caráter ao movimento.

Outra crítica recorrente foi devido ao estopim para o movimento (isso após ele ter se transformado em uma massa de inconformados com a gestão pública atual). Foi dito que vinte centavos não eram suficientes para tanto. Porém, é fácil buscarmos na história casos onde pequenos fatos serviram de última gota para uma situação insustentável. Foi assim nos Estados Unidos segregado, quando Rosa Parks, negra, negou-se a ceder seu lugar na condução para um homem branco, desencadeando a luta por direitos civis, onde Luther King teve papel importantíssimo.

Uma constatação repetida por várias pessoas, principalmente no início das manifestações, era sobre a multiplicidade de reivindicações, o que geraria uma nulidade de ações. Afinal, como resolver todos os problemas de uma única vez, principalmente sem haver proposta para tal? No entanto, as petições foram tomando contorno e alguns pontos principais foram delineados em meio aos diversos cartazes empunhados pelas multidões. Em suma, o corpo de revoltosos exigia maior qualidade dos serviços públicos e integridade por parte dos políticos. Ou seja, o saldo, ao fim e ao cabo de quilômetros e horas de protestos, era apenas um: os brasileiros estão insatisfeitos. Insatisfeitos por pagarem impostos e não receberm serviços em troca, e sendo obrigados a ver esse dinheiro desperdiçado em extravagâncias dos governantes e desvios de verba pública. Essa insatisfação correu o mundo, conquistando simpatizantes de outros países – em situação semelhante (Turquia) ou não (Alemanha) –, artistas internacionais, brasileiros residentes no exterior. E os políticos conseguiram ser atingidos. Hoje a presidenta anunciou medidas importantes (e que justamente por isso suscitou desconfiança em várias pessoas) que visam a atender o clamor popular.

Toda essa manifestação não foi nula, como agora parece ficar claro (a ressalva deve-se ao fato de que apenas temos propostas, com resultados a serem alcançados ainda distantes). No mínimo, serviu para despertar o povo para o poder que tem – muito embora o maior poder esteja no voto, sendo o protesto de rua uma arma que indica que algo não está em conformidade com o que é direito e, portanto, deve ser pouco usado. Muitos são os que buscarão entender mais de política e se engajarão nas campanhas daqui pra frente. Isso é um grande passo, dada a apatia política que grassa no Brasil.

No entanto, o que não se pode dizer do movimento é que ele já transformou o país. Para isso, falta ainda muito tempo e diversas medidas ainda têm que ser tomadas. É de se supor que o perfil dos participantes seja o jovem universitário. Esse perfil é pouco representativo quando se leva em conta o tamanho da população nacional. Há muitos brasis nessa terra, e poucos foram às ruas. Alguns ainda estão tentando entender o que houve, e muitos provavelmente nunca compreenderão. Mesmo assim, os benefícios serão extendidos a todos – e aqui deve-se combater a atitude dos que compareceram às ruas em relação aos que não foram.

Primeiramente, quem não foi às ruas teve a sua justificativa: ou não concordava, ou temia pela sua integridade física (quem tem filhos ou pais pelos quais é responsável pensa algumas vezes antes de abraçar causas semelhantes), ou não teve tempo, ou qualquer outra. Em todo caso, é válida, seja qual for. Afinal, quem foi às ruas o fez por si próprio, e não preocupado com quem também iria estar lá. Em segundo lugar, qualquer benefício obtido através das manifestações automaticamente extende-se a todos – o que também não pode ser usado para desmerecer ninguém –, assim como funciona hoje quando um político ligado a alguns grupos promulga leis que favorecem mesmo seus opositores.

Em face de tudo isso, resta que tenhamos uma coisa em mente: os problemas do Brasil são muitos, e nem todos serão resolvidos pelo grito das ruas ou pelos governantes. Muitos deles ocorrem nas bases da sociedade e são praticamente invisíveis, de tão negligenciados e aceitos como normais. São os pequenos delitos cometidos à exaustão por pessoas das mais diversas classes e posições sociais. Por exemplo, é fato que os hospitais públicos estão sucateados, mas também é fato que muitos profissionais que neles trabalham são negligentes e deixam de realizar atendimentos apenas por não quererem trabalhar. Do mesmo modo há professores da rede pública que se negam a dar suas aulas, unicamente por falta de vontade. Isso é para dizer o mínimo. Existe no Brasil uma cultura de corrupção generalizada que é tacitamente aceita na escala micro, mas execrada quando ocorre nas esferas públicas. Esse vício tem que ser combatido tanto quanto o desmantelo político. Vários deixaram de ir às ruas por considerarem seu trabalho de formiguinha em prol da justiça ubíqua tão importante quanto o do manifestante. Enquanto não pararmos de fomentar a injustiça e a falta de ética e respeito ao próximo em nossos pequenos atos, dificilmente teremos um país do qual nos orgulharemos plenamente.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Inconformismo


Não gosto de políticos
Eles só fazem política
Não gosto de marqueteiros
Eles só fazem marketing
Não gosto de executivos
Eles só fazem negócios
Não gosto de polícia
Eles só fazem matar

O advogado usa a lei contra o pobre
Pobre coitado! Que falta de sorte!
Sorte maldita o leva à morte
Morte danada, leva um e mais nove
– Ô, seu polícia! Sou gente de bem!
Bem que queria que fosse verdade
Pra esse governo não sou é ninguém
Nunca serei, essa é a verdade
Não posso nascer, não posso morar
Nem adoecer, tampouco estudar
Trabalhar é difícil, viver mais ainda
A vida é difícil e assim caminha
Que será de meus filhos?
Que pátria é essa?
Cadê a justiça?
Não há nem conversa

Se ficarmos calados, tudo vai bem
Se abrirmos a boca, logo a bala nos vem
Protejam-se todos! É a mão da justiça!
É seu braço forte! Que grande ironia!
Prefeito! Governador! Ministro! Presidente!
Cadê as promessas?
Não te elegi pra ser meu carrasco
Não te empreguei pra mandar me prender
Não te escolhi pra virar-me as costas
Nem te dei dinheiro, só tenho esmola

Os ricos fazem o que querem
Grandes e poderosos estão no poder
A gente é povo, pequeno e fraco
de todos os lados irão nos bater
Vejo crianças pedindo nas ruas
Vejo doentes sofrendo seu mal
Cresce no peito uma insana angústia
ao observar esse quadro letal

A educação – coitada! – já foi pelo ralo
Segurança e saúde já foram embora
Estamos sozinhos, gente! Abandonados!
Se é pra agir, essa é a hora
Escuta, governo, é esse o recado
Não é ameaça, é só um alerta
O povo é tolo, você disso sabe
mas entre nós há também gente esperta
A gente procura com o voto lutar
mas nem sempre só isso dá resultado
Traidores da pátria e de nossa fé
acham que devemos ficar bem calados
Estamos cansados
Estamos agindo
Organizados
Nos unindo
Ficando mais fortes
Só falta o “já”
Será duro o golpe
Espere e verá

sábado, 15 de junho de 2013

Diálogos – Felicidade


– Você é feliz?
– Não sei... Nunca pensei a respeito. Mas acho que sou sim.
– Por quê?
– Não me entristeço facilmente, tenho onde morar, não passo fome, tenho amigos. Acho que é por isso.
– Hum... Então isso é felicidade?
– Bem, não sei. Acho que ser feliz é gostar de tudo que você tem e do que faz.
– Sei... Mas então há poucas pessoas felizes no mundo...
– Por quê?
– As pessoas estão sempre correndo atrás de coisas, não estão satisfeitas nunca. – Acho que é porque não são felizes.
– Pode ser...
– Você sempre foi feliz?
– Quando eu era mais novo, não. Meu pai e minha mãe brigavam muito antes de se separarem. Eu me escondia no quarto com medo do que poderia acontecer. Às vezes chorava. Mas depois as coisas se ajeitaram.
– …
– Você acha que os jovens são felizes?
– Os jovens?
– Sim, digo, esses jovens que vestem roupas esquisitas, ouvem músicas que quase ninguém escuta, usam brincos em lugares estranhos, não sabem se são homens ou mulheres...
– Eu acho que eles estão buscando a felicidade. Talvez eles não sejam felizes hoje, embora alguns acreditem que sejam. Um dia todo mundo encontra seu caminho.
– Pensando bem, nunca vi um adulto vestido como esses jovens. Será que todos eles mudam?
– É verdade... Acho que é porque, por mais que você discorde do mundo, você não vai vencê-lo. Algum dia você tem que se adequar a ele. E aí vai usar o que mandarem, vestir o que não gosta, ser o que nunca quis. Mas o engraçado é que depois você se acostuma e acaba mudando.
– Você mudou?
– Não. Quer dizer, um pouco. Eu era muito tímido, tinha medo de falar com as pessoas.
– Mas você ainda é tímido.
– É verdade, mas eu era muito mais. Mal conseguia olhar para as outras pessoas. Hoje tenho mais segurança.
– É ruim ser tímido?
– Nem sempre. O problema é que as pessoas acham que, se você é tímido, é covarde, ou não se importa com as outras pessoas. Isso não é verdade. Eu sempre tive sentimentos muito fortes. Só não conseguia lidar com pessoas que falam muito, mas ao mesmo tempo não tinham o que conversar.
– Eu também sou assim. Gosto de ficar pensando nas coisas.
– …
– Por que nem todo mundo é feliz?
– Ih, que pergunta difícil!
– Já parou pra pensar nisso?
– Não... Mas acho que as pessoas nascem um pouco infelizes para que tenham um sentido na vida. Um motivo para continuarem caminhando até chegar onde querem.
– Você quer ser feliz pra sempre?
– Não entendi.
– Você falou que as pessoas têm que ser infelizes para buscarem a felicidade. Então, depois que você a encontra, não tem mais o que fazer...
– Verdade...
– Então, você quer ser feliz pra sempre?
– Ninguém é feliz pra sempre. Você se sente feliz em um momento, depois fica triste, aí muda as coisas até ficar feliz novamente. Às vezes você passa um bom tempo feliz, porque conseguiu algo que queria muito, mas depois você enjoa daquilo e vai buscar algo que te faça feliz outra vez.
– Hum... Então... Você disse que era feliz, mas agora fiquei na dúvida...
– Eu estou feliz. Eventualmente deixarei de estar feliz com o que tenho atualmente, mas aí eu procurarei algo que me traga de volta a felicidade.
Entendi. Que bom que temos essa escolha então.
Sim, todos temos escolhas, e é através delas que nos aproximamos ou nos afastamos da felicidade.
– Que interessante!
– Por quê?
– Nunca havia pensado desse modo. Isso quer dizer que as pessoas são responsáveis por sua própria felicidade?
– Em parte. A vida nos oferece algumas portas e caminhos. Não sabemos o que há detrás de cada porta e no final de cada caminho. Podemos apenas supor. Talvez todas as opções sejam más, ou talvez todas sejam boas. Esse é o grande enigma da vida: qual decisão tomar?
– Nossa, a vida é mesmo complicada...
– Sim, é.
– ...
– Eu quero ser feliz.
– Você acha que não é?
– Acho que ainda não.
– Você será.
– Como sabe?
– Apenas sei.
– Posso acreditar nisso?
– Pode.
– Tem certeza?
– Sim, você verá.

sábado, 8 de junho de 2013

Existência


Céu azul
As crianças fazem festa com um inseto
O inseto sente o fim iminente
Miniatura do mundo
A tarde também sente que vai morrer
e esgueira-se por entre as sombras projetadas dos prédios

Tudo o que tem fim, termina
Tudo o que nasce, morre
Decerto, princípio e término não se opõem
Completam-se
A isso chamamos existência
Ou vida

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Relações

A forma como nos relacionamos atualmente precisa ser repensada a fim de nos livrarmos de heranças que contribuem negativamente para essa questão


Sem dúvida hoje vivemos uma época de maior liberdade sexual e afetiva de maneira geral do que há algumas décadas. Não é mais preciso estar em uma relação para poder beijar, nem pedir a permissão do pai da moça para namorar, e o sexo pode ser praticado apenas por prazer – claro, sempre houve quem procedesse dessa maneira, mas era sempre às escondidas. No entanto, vários jovens que saem à caça de parceiros nas noites de finais de semana para relações rápidas se mostram tão ignorantes no quesito relacionamentos quanto nossos avós.

A primeira grande demostração de ignorância é a ideia dissimuladamente desapercebida de que as mulheres não possuem desejo. Ou, quando se admite que elas o têm, que não devem expressá-lo. Quando alguma foge a esse padrão mesquinho, são logo taxadas de ninfomaníacas – uma palavra que ninguém aplica aos homens, preferindo para esses o termo “insaciáveis”. Algumas pessoas, inclusive muitas mulheres, associam o desejo a algo sujo, indecoroso ou depravado. Imaginam que precisam ser vulgares para expressá-lo. Muitas que não têm coragem de assumir seus impulsos adoram criticar as que o fazem, contribuindo para a opressão da própria classe.

Pior ainda do que essas mulheres são os homens que são de uma baixeza tal que, após conseguirem sucesso em suas investidas sexuais, tratam de difamar a parceira, espalhar entre seus conhecidos detalhes que venham a prejudicá-la. Será esse o preço que ela tem de pagar por ter concedido ao homem sua intimidade? Esse é o motivo de tantas evitarem se expor, caindo num círculo vicioso que perpetua a opressão contra a livre expressão sexual feminina.

Mas também há questões que acometem tanto homens quanto mulheres. Ainda são muitos os que acham que sexo é amor, ou que amor é sexo, ou que desejo é paixão, e que amor e paixão são sinônimos. É preciso compreender que trata-se de coisas diferentes, com alguma relação entre si. Muitos querem atrelar desejo a algo maior, a algum sentimento, quando na verdade o desejo nada tem a ver com isso. Você sente desejo por alguém que vê pela primeira vez mesmo antes de falar com tal pessoa e, consequentemente, conhecê-la. Como acreditar que você tem algum tipo de sentimento por ela? A paixão todos sabem o que é, mas ao mesmo tempo não conhecem seus sintomas e extensão. O cinema tem explorado o tema largamente, mas é pródigo em conferir o título de amor quando na verdade se valem da paixão em suas estórias. A paixão é um sentimento violento, rápido, intenso e irracional. É impossível de ser evitado, mas pode-se lidar com ele, afinal, temos uma consciência à qual nossos corpos e ações estão subjulgados. O amor é um sentimento sereno, baseado na harmonia, algo maior e bem mais raro. A não compreensão desses três itens leva muitos a se perder em seus sentimentos e atitudes. Há gente matando em nome do amor, mesmo numa situação onde o amor nunca esteve presente. Há gente fazendo juras de amor eterno, mas de fato está sofrendo apenas de um forte interesse passageiro. Há gente querendo apenas fazer sexo, mas insiste que o outro diga que o ama, a fim de cumprir o rito social, não sabendo que está cavando o fosso para a decepção iminente.

Se formos mais a fundo nesses conceitos, chegaremos a questões que a maioria das pessoas sequer sonha em questionar. Por exemplo, quando foi determinado que só é possível amar a uma única pessoa? Não são poucas as pessoas que tiveram alguns amores durante a vida – falo de amores verdadeiros, daqueles onde há compreensão e respeito em um nível acima do normalmente visto por aí. Será que todos foram falsos? Mais: existe alguma determinação biológica ou transcendental que limite o amar de uma forma serial, apenas podendo amarmos um indivíduo após outro, nunca ao mesmo tempo? Acaso um sultão que mantém um harém não ama a todas as suas esposas? Claro que isso é possível, não há razão alguma para não sê-lo. Há várias pessoas no mundo e muitas são as que podemos amar, porque sentimentos não são um interruptor que se pode desligar a qualquer momento. Podemos estar com alguém e conhecer outra pessoa – em alguma circunstância da vida – a qual venhamos a amar. O que pode ocorrer é nos afastarmos dessa pessoa, não demonstrar o que sentimos ou nos esforçarmos para mitigar o sentimento, mas por questões pessoais ou para cumprir a exigência social do amor único. Mas são muitas as pessoas que ficam atormentadas e se culpam por estarem amando a mais de uma pessoa, acreditando estarem possuídas por alguma entidade espírita maligna. 

Outra questão intocável é o fato de amor e sexo andarem juntos, o que não é uma verdade absoluta. Pode-se tanto fazer sexo sem amor – não há como haver dúvidas quanto a isso – como prescindir do sexo para amar. É fácil acreditar nisso se imaginarmos as facilidades que há hoje em dia para se conhecer alguém à distância. Muitos são os casais que se formam dessa maneira. Nesses casos, sexo é a última coisa que eles irão praticar, e somente após muita convivência e conversa on-line. Isso porque o amor tem a ver com a essência do outro, suas atitudes, seu comportamento, e não com seus atributos físicos. Embora sexo com amor possa ser melhor, isso não é um imperativo. Até porque podemos amar alguém que não nos seja sexualmente agradável. Sempre se pode forçar o sexo – assim fazem os que ganham a vida alugando seus corpos –, mas isso seria o mais correto para esses casos?

Por outro lado, há os que põem o sexo no centro da relação. Acreditam que sexo é o fator primordial para um relacionamento feliz. Não há ilusão maior, pois o que menos se faz em uma união estável é sexo. A maior parte do tempo o casal estará envolvido em questões como filhos, contas, decoração da casa, trabalho, atividades domésticas, parentes, etc. Se der tempo e ambos estiverem em condições propícias, farão sexo. Muitas são as pessoas que iniciam uma relação após terem feito um ótimo sexo, mas será que esse é o melhor critério para a escolha de um parceiro? Ser bom de cama não garante que alguém seja responsável ou tenha caráter íntegro, algo que a maioria de nós espera da pessoa com quem convivemos. Isolar uma única característica de alguém para decidirmos algo tão importante não parece ser uma boa ideia. Melhor seria avaliar o conjunto e refletir sobre a média das qualidades.

Mas é provável que a maioria desses “desencontros” amorosos seja motivado pela crença de que todos podem amar. Será? Há pessoas que detestam crianças, há pessoas que maltratam os animais, outros que não têm o menor respeito pelo próximo, há maníacos sexuais que estupram bebês, assassinos de estudantes indefesos, filhos que trucidam pais, pais que matam filhos, entre outras bizarrices que a humanidade tem produzido em abundância. Por que então acreditar que todos podem – e devem – amar? Por que o amor é um sentimento sublime? Acaso isso não é uma visão romântica – e danosa – da vida? Há pessoas tão maltratadas pela vida que já não conseguem vivenciar esse sentimento, assim como há outras que, de acordo com sua própria visão de mundo, o dispensam por considerá-lo inadequado ou inútil. Esperar receber amor dessas pessoas ao manter uma relação com elas é o prenúncio da frustração.

Mas sem dúvida um dos mais tolos conceitos criados é o de alma gêmea. Em sua versão mais pura, consiste na afirmação de que existe um e apenas um ser que lhe completa, criado unicamente para ser seu par e que está em algum lugar do mundo, esperando ser descoberto. É muito bonito acreditar nisso, mas os adeptos dessa visão de mundo não atentam para seus corolários: se há uma única pessoa no mundo ideal para alguém, esse alguém pode nunca encontrá-la, dados o tamanho da população mundial e a extensão do planeta. Ora, caso não seja possível encontrá-la, então ou vive-se sozinho para o resto da vida ou vive-se com alguém que não é ideal, ou seja, um atalho para a infelicidade. Por outro lado, caso o casal se encontre, seria fato concreto que, uma vez que um deles morra, o outro não poderá se relacionar com mais ninguém, já que sua alma gêmea não mais existe. Isso é simplesmente patético.

No entanto, a mais danosa consequência da crença na alma gêmea é a postura de dependência que se assume ao acreditar nisso. Os fãs desse conceito supõem que somos seres incompletos e por isso infelizes, apenas nos realizando plenamente ao encontrar nosso par. Isso os leva a gastar muito tempo e energia procurando esse outro ser a fim de que possam desfrutar da real felicidade. Esse é o caminho mais rápido para a decepção e a real infelicidade. Isso porque somos seres sociais, de fato, mas autônomos. Podemos nos satisfazer individualmente de várias maneiras: estudando, trabalhando, nos dedicando a um hobby, mantendo uma rede de amigos, praticando atividades físicas, etc. A pessoa independente, que se basta, ao encontrar alguém interessante do ponto de vista amoroso, tem como próposito compartilhar o amor que possui, extendendo-o ao outro, e não esperar absorver o que o outro venha a ter, por necessidade, como um parasita. O amor-próprio é imprescindível aos que amam, afinal, como se vai dar o que não tem? Podemos ser mais felizes ao lado de alguém que amamos, mas o que não se ama está fadado a apodrecer os relacionamentos em que se envolver. Pior: o produto do término de um relacionamento baseado em dependência (principalmente se não consensual) é um indivíduo depressivo e com ímpeto suicida.

O fato de uma pessoa poder ser feliz sozinha leva a um questionamento válido: por que a obrigatoriedade do casamento? “Já casou?” é uma das frases mais presentes nos diálogos entre pessoas que não se veem há muito tempo. Ele é mais importante que se formar, arrumar um bom emprego ou se ver livre de uma doença. Será que não é desmedida essa importância que lhe é reservada? Se levarmos em conta a crescente onda de divórcios e casais que vivem em constante clima de animosidade e desrespeito, talvez reenquadremos melhor a questão do casamento na sociedade. Não são poucos os casos de violência doméstica, assim como não são poucos os casos de desgaste entre os cônjuges que se veem doentes após o processo de separação. Um mau casamento é um dos piores negócios que se pode fazer na vida. Claro que, ao casar, os envolvidos assumem que há uma pequena probabilidade – ou ao menos deveria ser pequena – de este compromisso não dar certo. Mesmo assim, há incontáveis casos de pessoas que se casam com desconhecidos – por vontade própria –, adolescentes sob aprovação – ou omissão? – dos pais, por interesse e uma série de outras anomalias. Abrir mão de sua privacidade e independência deveria ser um ato pensado e bem analisado, e não uma decisão impulsiva baseada em emoções momentâneas.

Relacionamentos podem ser bastante destrutivos, sendo a perda da individualidade um dos males mais comuns. Vários casais – inclusive namorados – acham que devem compartilhar tudo de suas vidas um com o outro, incluindo perfis nas redes sociais, e-mail, etc. É fácil perceber que isso é um exagero quando se tem a concepção de que uma relação ocorre quando duas pessoas compartilham alguns aspectos de suas vidas, numa relação de intersecção, e não de contingência. A individualidade de uma pessoa deve ser mantida sob quaisquer aspectos. É ela que permite à pessoa seguir adiante quando um relacionamento tem fim, em vez de passar os dias subsequentes se lamentando em desespero.

Há muito que se repensar no quesito relacionamentos, até mesmo porque os moldes atualmente em uso foram forjados há décadas. É preciso mudar, adaptar, compreender acima de tudo, não para elaborar teses, mas para garantir uma melhor satisfação aos que se envolvem emocionalmente, além de evitar sofrimentos desnecessários com algo que deveria ser fonte de prazer e alegria. Esse é o tipo de mudança que dispensa protestos, passeatas, engajamento. Basta cada um adotar sua postura e discutir com seu companheiro os melhores caminhos para que a relação resulte no alcance do objetivo de ambos, e não em um vórtice de agressão e ressentimento mútuos.