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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

O Tempo

Por mais que queiramos fazer os jovens entenderem a brevidade do tempo e aprender a lidarem com ele, esse é um esforço um tanto quanto inglório. Há coisas que só o tempo traz, e a própria percepção de sua passagem só é percebida quando estamos há algum tempo nesse mundo. O jovem que se pega pensando na atividade do tempo tem uma dimensão diferente da que têm seus pais e avós. Para o jovem rapaz, observar a ação do tempo é antes motivo de alegria que de reflexão. Ele notará seus amigos que eram tenros e agora são jovens fortes e que conseguem realizar grandes feitos. Verá com satisfação as meninas antes desajeitadas se transformarem em dignas herdeiras de Eva, assim como as pequenas princesas alcançarem a perfeição. Ele se alegrará da liberdade alcançada, do vento no rosto e nos cabelos durante as corridas de aventura, do nascer e do pôr-do-sol, dos amores juvenis, do coração jovem que pulsa e do mundo que ora se assemelha a um animal bravio destinado a ser montado. Mas essa é apenas uma faceta do tempo...
 
Já estou na idade em que se começa a repensar nosso conceito de tempo. A idade em que deixamos de apreciar a construção das coisas para nos concentrarmos em como definham lentamente. Em que o auge se converte em lembrança, e o declínio é a verdade que se revela. Peguei-me pensando nessas coisas ao reconhecer, em uma rede social, a foto de uma antiga conhecida da adolescência. A bem da verdade, espantei-me. Seria difícil ter reação diferente ao se dar conta de como uma pessoa tão bela sofreu imensamente com o aglutinar dos anos, perdendo toda a aura que a cercava. Não sei se tal mudança se deu por motivo de doença ou outra vicissitude da vida. O fato é que a pessoa cuja foto observava abismado era agora outra. Se contasse, não acreditariam em como já foi admirada e disputada. Mas o fato é que foi.
 
É o tempo quem vai sepultando fatos, ideias, convicções, feitos, erros, equívocos, glória, justiças e injustiças. É dele a chave que dá e tira o valor das coisas. Com o avanço do tempo aprendemos como deveríamos ter lidado com ele, mas essa lição é difícil de ensinar aos mais novos, afoitos que os anos se passem depressa para lhes trazerem a idade de realizarem coisas. As fotos então têm seu valor aumentado em muito: contam causos, remedeiam a memória, encarnam finados e trazem para perto os que moram longe.

O tempo é o artífice que nos molda o rosto de barro, conforme seu humor. Há aqueles que conservam em todas as idades os belos traços, ajudando nas previsões futuras de como a criança chamará a atenção quando crescida, bem como nas retroativas, que investigam quanta beleza havia na juventude. Igualmente, há os que padecem durante toda a vida da má vontade de nosso escultor, sendo obrigados a confiar a outros instintos e qualidades a conquista de um parceiro e obséquios. Mas aposto que a maioria dos mortais vive mesmo é de fases. Há tempos em que são visitados pela harmoniosa simetria das partes, conferindo-lhes clara vantagem de aparência, e há tempos em que são abandonados pelo motor da perdição de Narciso. É como um ensinamento de que se deve aproveitar cada fase, nem se vangloriando nem se menosprezando, pois haverá o tempo de ouvir elogios e a época de apreciar sua raridade.

É pois, isso, o tempo. Feliz daquele que compreender essas coisas em seu tempo devido, para não lamentar ou se tornar ansioso inapropriadamente. Ser chamado de sábio ou néscio disso depende. Mas continuemos tentando incultir nos mais jovens o respeito por esse que nos levanta e nos rebaixa. E guardemos as fotos a fim de que possamos futuramente fazer um balanço de sua passagem.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Ano novo


Mais um ano-novo
Dessa vez é o 2014
O ano velho que aniversaria
Um 2013 mais velho
Diferente talvez
Na verdade, provavelmente
Depende de cada um
não esperar
não sentar
não vacilar
Mas correr, buscar
Criar um novo ano
com tudo o que o outro teve
Acrescido das experiências
tão caras
Um ano para:
aprender mais
viver mais
Descobrir a passagem secreta
de cada coração
e desvendar ali o vale escondido
Materializar sonhos
ao tocá-los
Que 2014 não seja um ponto
Mas um capítulo
daqueles bem longos
– mas marcantes
da história de nossas vidas

E, por fim, os votos que não envelhecem, apesar da muita idade. Que se repetem, não sendo os mesmos:

Feliz Ano-novo! Feliz 2014!

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Eu, filho de negro, preconceituoso


Nasci branco. Aliás, minha pele era branca. Como não me era permitido passar o dia na rua como as crianças da vizinhança, mantive essa cor, ora alternada com um aspecto amarelado (que me incomodava bastante quando caçoavam de mim). Nasci branco, com lábios grossos, de negro – herança da ascendência de meu pai –, e um nariz indeciso entre qual raça seguir. Sim, nasci branco, mas acima de tudo, nasci pobre – e assim permaneci por muito tempo.

Onde morava todos também eram pobres. Gente de todo jeito: brancos, morenos, loiros, negros, cor de jambo, pardos, amarelos, albinos, queimados do sol (a maioria), tipo índios, de olhos verdes, pretos, castanho-claro, escuro, azuis, de duas cores, cabelos vermelhos, pretos, castanhos, loiros, lisos, ondulados, encaracolados, tuins. Uma verdadeira profusão de cores e modos, unidos pela pobreza, que os reduzia a uma única raça. Uma raça capenga, mambembe, desprezada, esquecida, odiada e descrente de si.

Cresci como os cães e gatos, enxergando as cenas da vida em tons de cinza ou poucas cores. Como os cães e gatos, enxergava o mundo como donos e bichos, dominantes e dominados. Os que tinham dinheiro mandavam, enquanto os que não tinham eram subjugados. Os que tinham dinheiro eram mais fortes, e nós, os fracos, os seguíamos. As coisas eram assim, na minha visão de mundo (recrudescida pela frase que meu pai ouviu de duas crianças ricas e jamais esqueceu: “(...) Eles são pobre. Eles rouba”).

Mas, à medida que crescia, ouvia pessoas reclamando de preconceito e discriminação contra negros. Achava estranho, pois na prática não via tais casos – a bem da verdade, vi alguns poucos, velados, sem impacto direto, principalmente de parte de gente de muita idade, com reminiscências indiretas da escravidão. Meus melhores amigos, em épocas diferentes, eram negros (e só agora notei isso). Conheci negros inteligentes, pouco espertos, professores, mendigos. Ou seja, sem qualquer evidência de que a cor de sua pele significasse alguma coisa. Lembro que fiquei surpreso quando alguém me disse que a exigência “de boa aparência”, recorrente em anúncios de emprego, na verdade significava “não-negro”. Espantei-me por dois motivos: se alguém tinha essa interpretação é porque achava os negros feios, e como pode também alguém dispensar um negro de boa aparência? Conheci negros horríveis, lindos, medianos, feios e bonitos (assim como ocorre em qualquer raça). Também não consegui entender a brincadeira (sem graça, frise-se) que uma morena fez apontando para sua pele, e só compreendi que falava de sua cor porque teve de explicar-me do que se tratava. Igualmente custei a entender a expressão “dia de branco”. Posso dizer que eu era isento de preconceito. Nunca enxerguei as pessoas em cores. Pessoas eram pessoas e seus atos caracterizavam quem eram. Não conseguia entender o que a cor de alguém tinha a ver com essa pessoa ter sucesso ou não na vida, ou serem discriminadas por isso.

Passei por todas as dificuldades a que uma pessoa da periferia está sujeita, mesmo não sendo negro (hoje declaro ser pardo). Estudei em uma escola pública péssima. Tive que me esforçar em dobro, aprendendo muito mais sozinho que com os professores. Tive que perceber o olhar de pena ao fazer conhecer o bairro em que morava – enquanto outros preferiam me ignorar pelo mesmo motivo. Esforcei-me como pude para mudar minha situação, e hoje isso são apenas lembranças que me contam como é difícil para quem nasce pobre mudar de vida. Não tive mãos amigas – poucas, que apenas me ensejaram força – nem condescendência, muito menos facilidades. Nadando contra a correnteza da vida, entendi que conhecimento (de todas as naturezas) é a moeda de troca da sociedade, e muitas vezes ele e o dinheiro andam juntos.

A partir do novo assento que tomei na sociedade, testemunhei pessoas “brancas” fazendo declarações abertamente preconceituosas – embora tentassem dizê-las de modo reservado. Um disse que sente um certo incômodo quando vê um negro se formando – e achava que todos os presentes também compartilhavam desse sentimento torpe. Outro deu a entender que podia usar a cor de um atendente de balcão para lembrar-lhe de sua posição social, ao repreender-lhe. Esses casos me soam tremendamente estúpidos e dignos de descarte imediato, cabendo repreensão o mais rude possível. Mas não foram esses casos que me mudaram. Eles são uma afronta a tudo quanto existe de moral no mundo e me enojam e nunca poderiam transformar-me. Mas algo em mim mudou...

Isso aconteceu quando conheci os militantes anti-racismo. Eles lutam de uma maneira exacerbada e, para mim, discutível. Em vez de querer igualar as raças, parecem buscar ainda mais diferençá-las. Ao invés de relevá-las, pretendem especializá-las. Às vezes me confundem se pregam a superioridade de sua raça preferida ou se tentam compensar deficiências inatas. Eles enxergam racismo em simplesmente tudo que envolva um negro. Como o monstro infantil que habita os guarda-roupas, fortalecem o preconceito de tanto falarem nele. Tornaram inocentes em réus e suspeitos em culpados, sumariamente. Cada passo do homem comum é agora pensado em termos de medo em ser capturado pela patrulha racial, supostamente bem intencionada. Tenho dúvidas quanto a isso. Às veze penso que são pessoas que carregam o preconceito entranhado consigo, mas, reconhecendo ser algo mau, se esforçam por extirpá-lo, e, nessa sanha, acusam todos de compartilhar desse sentimento a fim de dividir o peso de sua consciência. Foram eles que me fizeram enxergar em cores.

Hoje já não sou o mesmo quando vejo um negro. Quero considerá-lo inferior, cheio de defeitos, vindo sempre de uma origem bruta, amparado em concessões de benfeitoria, arrogante de direitos, objeto de condolência, indigno de ocupar a boa situação social em que está ou merecedor do destino cruel que sobre ele se abateu. Mas aí lembro de meu pai e meu irmão mais velho, que nunca usaram a cor para nada (embora meu pai se ressentisse dela, bisneto de um contemporâneo da escravidão). Lembro de meus melhores amigos. Das pessoas com quem convivi durante a maior parte de minha vida... Lembro de quando eu era como os cães e gatos... E volto a mim mesmo e expurgo esses pensamentos medonhos e me tenho vergonha. E volto a odiar os militantes anti-racismo por me fazerem ver o mundo em cores.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Sugestão de leitura



Título: Devassos por Natureza – Provocações sobre Sexo e a Condição Humana
Autor: Jesse Bering
Editora: Zahar
ISBN: 978-85-378-0958-7






O comportamento humano é um dos mais complexos objetos de estudo para as áreas do conhecimento, seja a filosofia, a psicologia ou a ciência em geral. São vários os fatores envolvidos na caracterização da índole de cada indivíduo. Discussões a respeito de determinismo genético e influência do meio são antigas e estão longe de ter fim. Dentre os aspectos envolvidos, a sexualidade merece especial atenção, e o principal empecilho para avançar em seu entendimento é a falta de disposição de diversos segmentos (ativistas, intelectuais e até pesquisadores) em abandonar ideias pré-concebidas e míopes a esse respeito para que se possa construir um genuíno saber científico que seja útil para a sociedade.

Em seu livro intitulado Devassos por Natureza, Jesse Bering se dispõe a enfrentar sem qualquer receio essas mentes que atravancam seu caminho de contínuo buscador da verdade, ao mesmo passo que lança questões provocantes para os leitores repensarem a questão da conduta sexual em nosso meio. Distúrbios estranhos, origem da sexualidade, zoofilia, falta de sexualidade, pedofilia, são alguns temas explorados pelo autor, de forma erudita e ao mesmo tempo simples e acessível a quem tem um mínimo de cultura.

O maior trunfo do livro é ser seu autor praticamente imune a acusações de preconceito ou partidarismo. Doutor em psicologia, sectário do evolucionismo, homossexual assumido e ateu, ele pode criticar livremente questões como formação da homossexualidade e benefícios de acreditar em Deus. Ele busca, o máximo possível, analisar qualquer questão (desde a forma do órgão sexual masculino até a taxa de reprodução entre religiosos e não-religiosos) a partir de uma visão científica (algo que às vezes até cientistas não conseguem, presos que estão a suas crenças pessoais), livre de pré-conceitos e almejando descobrir a verdade, independentemente de pressões sociais.

Entre as polêmicas do livro destaca-se a posição do autor de que não nascemos com nossa sexualidade definida, mas que é fruto de um processo complexo e ainda não desvendado que envolve, entre outras coisas, experiências vividas na infância – algo que nossos ativistas pelo direito dos homossexuais deveriam entender*. Pode-se ressaltar também a questão da pedofilia, onde ele critica que o medo que cerca o tema impede que se avalie a questão em detalhes, uma vez que a maioria das pessoas tem desejos por adolescentes e jovens e tentam reprimi-lo realizando acusações contra outrem.

Devassos por Natureza é recomendado para todos os que não se incomodam em conhecer ideias diferentes das suas e às vezes da sociedade como um todo, além de apreciar elucubrações raras e aparentemente estranhas.


* Isso não é uma afirmação que os homossexuais não devam ter direitos. A crítica é à defesa utilizada em seu auxílio.