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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Escolas

Há uma corrente ideológica que defende uma sociedade sem escolas. Concordo. Concordo que as escolas como existem atualmente sejam banidas. Elas são inúteis. A única função dessa escola que aí está é ensinar o aluno a ler e escrever. Não me refiro à atividade intelectual de compreender um texto e produzir discursos. Refiro-me à capacidade motora de juntar as letras e pronunciá-las ou colocá-las no papel. Fora isso, a escola atual não serve para nada.

O principal fator do fracasso da escola são os professores. Na sociedade moderna, a profissão de mestre sofre de discriminação e total descrédito. Ser professor é a saída para aqueles que não sabem para onde ir. Apenas aqueles vestibulandos que querem tão somente ingressar na universidade, livres de qualquer interesse, escolhem cursos de licenciatura. São pouco concorridos e de fácil aprovação. Disciplinas que são cobradas nas modalidades bacharelado do mesmo curso são suprimidas ou vistas sem qualquer profundidade. Quando se formam, os caminhos possíveis são: se bons alunos, vão trabalhar lecionando em escolas particulares, onde tem de submeter-se ao método da instituição, ou seja, não tem muita liberdade de praticar coisas novas; se maus alunos, vão trabalhar em qualquer outra profissão ou, pior, serão professores da rede pública de ensino.

Ora, o que esperar de um professor que, enquanto aluno, desprezava seus mestres, cabulava aulas, não dava valor à atividade de ensino? Como acreditar que uma pessoa assim formada queira fazer alguma diferença na área de ensino? Ele apenas seguirá a dormência dos atuais professores, repetindo técnicas centenárias. Reflexo disso é o fato de, mesmo em grandes e “modernas” escolas, o professor ainda utilizar a lousa (às vezes até com giz!) para copiar o assunto, enquanto os alunos o copiam em seus cadernos. Existe maior perda de tempo do que essa?
  
Outros que não vem ajudando muito são os egressos dos cursos de pedagogia. Em vez de utilizarem as técnicas e métodos estudados durante os anos de curso, apenas dedicam-se a atividades burocráticas nas escolas em que trabalham. Com pouco conhecimento de causa (não dominam o assunto que ensinam), são os responsáveis pelos primeiros aprendizados das crianças. Deveriam dedicar-se a verificar a eficácia das aulas e se os alunos estão realmente aprendendo o assunto.

Com relação ao quesito tecnologia, muitos são os que depositam nos meios eletrônicos o trunfo para um bom aprendizado. Reconheço que a inovação tecnológica é de um apoio excepcional tanto para o professor quanto para o aluno, mas definitivamente não é o principal fator de sucesso. Quem pensar assim deve estar pronto para justificar qual a razão do sucesso dos estudantes de outrora, em tempos em que  não havia computadores e Internet. A fórmula na verdade é bem simples: um professor que domina o assunto e consegue transmiti-lo aos alunos (dominar é importante, pois permite que o docente aborde o problema de várias maneiras, consiga dirimir todas as dúvidas, pensar à frente e mostrar a realidade de uso do conhecimento) e alunos que estudem. Para esse último item é necessário que os alunos sejam estimulados, não através de gorjetas, mas mostrando-lhes que o estudo – ao menos no mundo contemporâneo – é essencial em nossas vidas. O aluno deve ter seu conhecimento verificado através de aplicações práticas, como aulas por eles ministradas (por exemplo, dando-lhes a incumbência de ensinar um outro grupo) e provas racionais – são ridículas as que exigem que se decorem idiotices, como a tabela periódica. Afinal, na vida real, quando alguém precisa de algo desses, a consulta sempre será permitida.

Também seria necessário revisar o conteúdo ensinado em sala de aula. É de fundamental importância um conhecimento, digamos, acadêmico de áreas diversas (afinal, como alguém pode escolher que caminho seguir se não conhece nenhum?), mas também há a necessidade de conhecimentos que sejam aplicáveis a sua vida imediatamente. É o caso de educação financeira e práticas de vida saudável (alimentação e atividade física). A escola deve, juntamente com seus pais, preparar o aluno para participar da sociedade em que vive. O que vemos atualmente é que, após formados, os ex-alunos dedicam-se a passar em algum concurso. Com esse intuito, começam a estudas coisas que foram vistas na escola, mas que não passaram de perda de tempo. Não a assimilaram porque não viam que faria diferença em suas vidas. Na busca de um emprego, encontram motivação para estudarem e aprenderem. Se é necessário que cheguem tão longe para enfim começarem a estudar, então sim, eu concordo em abolirmos as escolas.

sábado, 28 de abril de 2012

Timidez

Li há algum tempo uma reportagem que falava sobre timidez. Ela se referia à “vingança dos tímidos”, numa alusão ao fato de os tímidos serem normalmente perseguidos e desdenhados. Ora, mas quem disse que timidez é de todo mal? Ela, juntamente com dias de chuva e água natural (não-gelada), fazem parte de um grupo de coisas que as pessoas atacam como se fossem anomalias da Inquisição.

Devemos dizer que há dois tipos de timidez, basicamente. Uma é aguda, chegando a ser patológica. Essa merece ser avaliada para um possível tratamento, pois normalmente atrapalha o desempenho em funções normais da vida diária. Mas o segundo tipo é antes uma característica de algumas pessoas do que um defeito. Consiste na falta de capacidade de manifestar-se publicamente em determinadas situações ou na dificuldade de conversar com o sexo alheio. A melhor definição, ao menos para o primeiro caso, talvez fosse “reservados”.

À primeira vista, quando se fala de “falta de capacidade” nos vem logo à mente que isso é algo de ruim. Mas, antes de tirarmos conclusões precipitadas, devemos avaliar a situação. Na verdade, a pergunta que deve ser feita é: será que os extrovertidos são tão bons assim?

A habilidade em expressar-se está diretamente relacionada ao grau de segurança do falante. Se alguém tem desenvoltura para dançar em público, falar abrobrinhas ou caçoar de outras pessoas, é porque está seguro de que será aprovado pela audiência – ou pelo fato de desprezá-la ao máximo. Do mesmo modo, se alguém se sente à vontade para explanar um trabalho de pesquisa a um grande público, ali não impera a timidez. O temor de não ser aceito, o deslocamente social, é o que gera desconfiança, incerteza e timidez, influenciando o nível de “incapacidade” de se expressar perante outrem.

Tenho observado comportamentos ao longo de anos. O que percebi é que os extrovertidos dos anos escolares muitas vezes não conseguem se valer desse seu “dom”, falhando em desafios que, ao menos para eles, deveriam ser simples, como uma entrevista para admissão de emprego ou coisa parecida. Ali não é a zona de conforto deles, que desperdiçaram muito tempo apenas dedicando-se a entreter colegas em momentos de vadiagem. Ali são reis, mas em situações que realmente importam na vida, tornam-se cabisbaixos e impotentes como os tímidos que desprezavam.

Por outro lado, não são poucos os rotulados tímidos que facilmente enveredam pelos caminhos da ascensão e chegam a postos elevados em seus trabalhos. Isso se deve ao fato de, longe dos holofotes, utilizarem seu tempo para estudar e aprender com dedicação, o que lhes confere segurança na área em que decidem atuar. Essa segurança permite que obtenham sucesso quando for preciso expor suas habilidades. E até diminuir sua timidez com isso (existe ex-tímido, mas ex-extrovertido desconheço).

Há apenas uma arena onde os tímidos invariavelmente sofrem reveses. Esse é o campo do relacionamento amoroso. Na cultura em que hoje vivemos, ganha quem se expõe. A preferência feminina é pelos que falam em demasia – não importando muito o quê. Esse aspecto acua o tímido, pois não há como inferir o sucesso ou rejeição nesse quesito, uma vez que depende muito mais da outra parte. Não é como uma disciplina que se estuda, mas é antes um exercício de montagem realizado no escuro. O que as mulheres deveriam atentar, porém, é que os extrovertidos são dados a aventureiros, pois conquistam fácil o coração das moças e seguem colecionando paixões como trofeus em prateleiras. Já os tímidos, por serem normalmente mais sensíveis, valorizarão muito mais o relacionamento que lhes custou a exposição a um possível vexame. Constituem assim melhores amantes, oferecendo companheirismo e atenção em maior intensidade (algo que muitas mulheres só percebem como essencial após o primeiro divórcio).

Embora tímidos e extrovertidos nunca se entendam completamente, um pouco de empatia por parte de ambos é fundamental para que um aprenda com o outro a arte de tirar proveito de cada temperamento.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Sugestão de filme




Título: À Procura da Felicidade (original em inglês: The Pursuit of Happiness)
Diretor: Gabriele Muccino
Elenco principal: Will Smith, Jaden Smith e Thandie Newton
Estúdio: Columbia Pictures
Ano: 2006





À Procura da Felicidade é um maravilhoso filme baseado na história real de Chris Gardner, um homem que conseguiu vencer as adversidades da vida e fazer fortuna. No filme, ele é interpretado por Will Smith (em atuação muito bem recebida pela crítica), e seu filho, Jaden Smith (Karate Kid), representa o filho de Gardner. No filme, Chris, casado e pai de um filho, realiza uma operação arriscada nos negócios: investe todo seu capital em máquinas portáteis de raio-x. O problema é que as máquinas não vendem como o esperado, e ele se afunda em dívidas. A mulher o abandona e ele escolhe ficar com seu filho, não importa o que aconteça. É quando ele fica sabendo de uma seleção para trabalhar em uma grande corretora.

Mesmo contra todas as possibilidades (ele vai à entrevista sujo de tinta porque no dia anterior fora preso por não ter saldado uma dívida, passou a noite na delegacia e foi de lá correndo para a entrevista), ele é aceito no programa de trainees. Ele quase desiste da vaga porque tem que cuidar agora sozinho de seu filho, mas é convencido por um de seus entrevistadores a participar da seleção. Sem dinheiro para pagar o aluguel, ele é despejado e passa a morar em alojamentos destinados a sem-tetos e, sem poder comprar comida, junta-se aos mendigos nas filas que entregam sopas aos necessitados. Passa a parte da manhã na corretora, enquanto o filho está na creche, e à tarde sai para tentar vender alguma de suas máquinas de raio-x portáteis. Ao final, é admitido como funcionário na corretora – vencendo todos os demais concorrentes.

O filme possui cenas antológicas, como a parte em que Chris recebe a ligação de um funcionário da corretora informando que deve ligar para sua secretária para marcar um horário, mas ele não possui uma caneta em casa funcionando, então tem que decorar o número e sair à rua para procurar um lugar para anotar, e a cena em que ele foge de um taxista porque não tem dinheiro para pagar a corrida. Há também aquela em que ele, mesmo sem acreditar muito no que está dizendo, aconselha seu filho a sempre correr atrás de seus sonhos, não importa o que os outros digam. Outra parte emocionante é quando ele recebe a notícia de que foi aceito na empresa e sai à rua, misturando-se à multidão, exultando de alegria. Mas provavelmente a cena mais marcante é a que ele não conegue vaga no alojamento comunitário e é obrigado a dormir com o filho dentro de um banheiro público.

Embora esse seja o tipo de filme que emociona muita gente, alguns pontos podem ser destacados que o distinguem de filmes em que o sucesso (ou felicidade, para usar o termo do filme) vem por dádiva do destino. Tudo o que o personagem consegue é à custa de esforço. Ele impressiona na entrevista por sua sinceridade. Enquanto muitos estão ali com o objetivo de impressionar os gerentes e diretores, ele representa ele mesmo e não esconde os motivos de ter chegado ali esbaforido e sujo de tinta. Aqui são demonstradas sinceridade e humildade. Durante o curso, ele realiza cálculos de otimização de tempo, como eliminando idas ao banheiro e para beber água a fim de contatar o maior número possível de clientes. Um destes clientes o convida para ir a sua casa e ver um jogo com ele, e ali ele encontra espaço para fazer marketing de seu trabalho. É um recado para aqueles que acreditam no pensamento positivo e esquecem-se de agir positivamente a fim de conquistar seus sonhos.


Curiosidade: na última cena do filme, quando Will Smith passeia com o filho, passa um homem por eles, o qual é seguido pelo olhar curioso do ator. Esse homem é o Chris Gardner da vida real.



segunda-feira, 23 de abril de 2012

Sabedoria dos antigos


É comum a medicina do ocidente, em suas pesquisas, confirmarem práticas descritas pelos médicos orientais há vários anos. Às vezes trata-se até de questões que eram tidas por lendas ou superstições. O engraçado é o posicionamento dos ocidentais nessas situações. Assumem como se estivessem validando o saber oriental, como se eles precisassem de um atestado de legalidade e validade dos pesquisadores do lado de cá do globo. Ora, seus métodos são muito mais antigos que os da sociedade ocidental. Esta que deveria pisar com cautela nos caminhos já percorridos por eles.

Na verdade, essa presunção não é característica apenas da classe médica atual. Ela é compartilhada por todo o corpo de cientistas e pesquisadores contemporâneos. Quando diante de qualquer feito de um povo antigo, como uma grande construção ou algo do tipo, correm a afirmar que aquele povo não tinha conhecimento e tecnologia para realizá-lo. Ora, será que é mais fácil afirmar isso do que agir como um cientista de verdade e procurar elucidar como foram capazes de executar determinada obra? Alguns chegam ao ponto de dar mais crédito a ideias como extraterrestres ou coisa do gênero do que acreditar que os antigos podiam realizar grandes façanhas. Isso é o que eu chamo de presunção.

Será que só agora há pessoas inteligentes? Será que só agora há engenharia? Será que só nos dias de hoje há grandes cientistas? Quando olho para trás o que vejo parece ser um movimento contrário. Parece que as pessoas de antes eram mais brilhantes. Um desavisado duvidaria de tudo sobre o que Aristóteles discorreu. Ele foi da biologia às artes, da política à literatura, da ciência à teologia. E que dizer de Diderot, editor da primeira enciclopédia? São nomes como Newton, Poincaré, Gauss, Tales, Da Vinci, entre outros, que me põem em dúvida se, ao contrário do que pensam nossos cientistas, não estamos em decadência intelectual. Na verdade, nem é preciso invocar os vultos da história. Basta observar as mães de hoje, incapazes de ministrar cuidados básicos aos filhos sem recorrerem a médicos e gurus. Ou pensar em como as parteiras realizavam todos os tipos de parto e, sem ultrassom nem nada, sabiam identificar a posição em que o feto se encontrava. Ou mesmo confirmar com os homens do campo a forma como adivinham a variação do tempo durante o ano.

Acredito que toda a sabedoria antiga tem ao menos um príncipio verdadeiro. Seria interessante se nossos intelectuais partissem dela para investigar fatos do mundo, em vez de procurar caminhos novos que desembocam nos destinos que todos já conhecemos.

sábado, 21 de abril de 2012

Denúncia

Há hiato em iate
Não há pobre em iate
Nem hiato em pobre
Rico não tem hiato
Mas tem iate
Há ricos em iates

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Retorno das coisas


Há muitas pessoas que não demonstram dedicação em seus trabalhos porque recebem pouco ou não são reconhecidas. Alegam que não trabalharão para enriquecer seus patrões. Deixe-me dizer que você está equivocado. Tudo o que você faz, faz para você mesmo.

Não importa qual seja seu trabalho, faça ele bem-feito. Se você é estagiário, porteiro, vigilante, faxineiro, não importa. Algum dia você será reconhecido – pelo seu patrão ou outrem. Competência e dedicação são qualidades que se esperam em todas as atividades. Você pode ser convidado a ocupar posições melhores devido apenas a isso. Não estou dizendo que será rápido ou fácil. Mas agir de maneira correta trará benefícios diretamente a você.

O mesmo acontece com o agir honestamente. Ser justo e fazer o bem no mínimo lhe farão sentir bem. No limite, chamará os outros à consciência de que a cortesia em sociedade melhora as relações. Quando você trata bem uma pessoa que pode lhe fazer o mal, é até possível que este releve a atitude maldosa. Já vi muitos casos em que pessoas marginalizadas pediam dinheiro apenas para testar outra pessoa, ao notarem que esta possuía moedas. Caso dessem qualquer quantia, saíam ilesos. Caso contrário, sofriam leves represálias. Não estou defendendo a assistência pecuniária a vagabundos, mas não podemos defender ideais em situações insustentáveis que não surtirão efeitos – apenas colocarão em risco nossa integridade física e moral. Também já vi casos em que pessoas sofreram afrontas pessoais de pedintes apenas pelo modo rude de negarem dar-lhes dinheiro, e não pelo fato de não lhe darem algo. Ora, ninguém quer ser tratado mal. Nem mesmo os que estão à margem da sociedade. À medida que você lhes dispensa um tratamento desumano, contribui para que ele hostilize ainda mais a sociedade. Tratando-o bem, ele ainda poderá ter esperanças de uma vida melhor – que permanecerá como sonho se não houver políticas públicas e sociais que a implementem.

Um caso emblemático nesse contexto é a relação professor-aluno. Ora, qualquer trabalho desenvolvido pelo aluno não tem em vista acrescentar nada ao professor. Este já tem seu rumo e seu caminho. O destino de provas e estudos é puramente direcionado ao aluno. Tudo o que ele fizer em sua vida escolar refletirá nele. Um dia talvez ele precise do conhecimento que teve a oportunidade de aprender e deixou passar devido à facilidade em burlar o sistema de avaliação escolar. Nesse dia ele perceberá (talvez amargamente) que não enganou os mestres, mas a si mesmo.

Melhor do que ter um currículo é ter uma defesa pública de sua personalidade. Esse testemunho é dado por todas as pessoas que tiveram contato com você. Pessoas que você ajudou, pessoas a quem você estendeu a mão. Pessoas a quem você sorriu, e mesmo pessoas que precisavam de um sermão oportuno. Tudo o que você faz volta para si, em uma força maior ou menor. Ou seja, mesmo revestido do mais sincero altruísmo, suas atitudes tem um alvo certo: você.

domingo, 15 de abril de 2012

Quem não tem

Quem não tem
um retrato de infância
tirado na escola
de braços cruzados
sobre a banca
Por trás a bandeira
objetos à mesa
e ao lado dizeres
(“Da escola sou estudante
Da professora, a lembrança
Da mamãe sou o amor
Do Brasil, a esperança”)
Quem não tem
cicatriz de traquinas
ou de doença
Marca que lembra
de outros dias
sem compromisso
Só alegria
Quem não tem
saudade guardada
de uma casa velha
uma casa antiga
onde fomos felizes
um dia
Quem não teve
algo de estimação
Uma boneca bonita
Um brinquedo quebrado
Um gato que se foi
ou um cachorrinho que sumiu
Uma roupa gentil
que já não cabe em nós
Quem não tem
um filme querido
visto muitas vezes
mas sempre repetido
para revermos o final
Quem é que não tem
um amigo sincero
um amigo do peito
que está sempre perto
que nos conhece os segredos
Quem não teve
uma noite na vida
mais longa que todas
que custou a passar
E quando acabou
recebemos o sol
mais feliz que já vimos
nascer
Quem não teve
medo do escuro
de monstros debaixo da cama
e do bicho-papão imundo
Quem não teve
um amor que não deu certo
por alguém que estava perto
ou muito longe de nós
 – e que nunca ficou sabendo
de nosso amor maior
E quem é que não tem
um certo medo do futuro
de quem será nossa família
e de como ficaremos velhos
Mas uma coisa é certa
teremos mais lembranças
de coisas que faremos
de coisas que teremos
e que outros também terão

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Pedreiros tecnológicos


Li há poucos dias uma reportagem que falava dos novos talentos brasileiros na área tecnológica (mais especificamente, a computação). A matéria cita exemplos de brasileiros de sucesso que estão fazendo fortuna nessa área, dando a impressão de que essa agora é uma característica de nossos jovens. No entanto, tais casos de sucesso são exemplificados com universitários que foram estudar nas colleges americanas. Ora, traçar o perfil do jovem brasileiro através de uma minoria que tem condições de estudar fora é o mesmo que dizer que os brasileiros só vestem roupas de grife. Mas esse não é o principal aspecto que me chamou a atenção nessa reportagem.

Ao final da matéria há uma entrevista com alguns jovens talentos do ramo, com idades variando entre treze e vinte e nove anos. Em dado momento, os rapazes mais jovens (13 e 16 anos) afirmam que não pensam em fazer faculdade, pois não há necessidade, são dispensáveis. Servem apenas para networking. Para minha felicidade, um dos mais velhos “discorda totalmente” (em suas próprias palavras) desse pensamento. Essa declaração dos adolescentes exprime alguns pontos dignos de consideração.

Primeiro, como é possível falar de algo que não se sabe? Pessoas com treze e dezesseis anos apenas podem falar do que esperam ser quando crescer e não ficar dando pitaco sobre o que não tema mínima ideia do que seja. Por mais inteligentes e brilhantes que possam ser, existe uma coisa chamada experiência a qual é necessária em muitos aspectos da vida. É útil para reflexões e tomada de decisões. Apenas com o acúmulo de conhecimento variado é possível pensar de modo plural e solucionar determinados problemas. Por mais falhas que hajam em nossas universidades, ainda é lá que se produz o conhecimento acadêmico que gera patentes e inovações, tecnológicas ou não. É lá que se formam as imprescindíveis equipes multidisciplinares responsáveis por grandes revoluções. É lá que se cria consciência filosófica e científica, a qual perpassa todas as áreas de conhecimento. A teoria da computação (uma disciplina normalmente ministrada apenas nos cursos de Ciência da Computação) é um belo exemplo de cientificidade lógico-matemática que fundamenta a computação e levanta questionamentos a seu respeito. Obviamente esse conhecimento pode ser dispensado pela maioria dos profissionais do ramo, sem consequência para a execução da atividade. Mas é esse conhecimento que vai determinar se você possui uma visão de cima da área ou apenas um pedreiro tecnológico.

O segundo ponto de atenção é referente à ideia que as pessoas em geral (inclusive profissionais do ramo) tem da área. Há vários pensamentos errôneos: qualquer um acha que pode ler uma revistinha e se considerar um expert no assunto1; outros acreditam que um profissional deve saber tudo a respeito, esquecendo-se que em outras áreas, como a médica, por exemplo, há várias especialidades, e um médico nunca diagnostica sobre uma especialidade que não a sua; e há finalmente os que pensam que aqueles que trabalham com computação devem saber lidar com todos os dispositivos eletrônicos que existem. Retomando o exemplo do parágrafo anterior, há que se distinguir entre o projetista e o executor. Um engenheiro civil projeta estruturas, não levanta paredes. O engenheiro mecânico não tem que consertar máquinas. Para isso há o técnico. No caso da Computação, esse papel se confunde. Na maioria das vezes o arquiteto é o mesmo desenvolvedor, o projetista é o próprio implementador, contribuindo para enevoar o limite entre esses papeis.

Como técnico em informática e cientista da computação, segue meu recado para garotos que acham que desenvolver aplicativos para smartphones os confere autoridade para ditar rumos da computação: conheça a transformada de Fourier, entenda a importância do Teorema de Bayes, estude álgebra booleana, aprenda lógica de predicados, explore pilhas de protocolos de rede e transmissão de sinais em diversos meios, descubra o design por trás dos sistemas operacionais, tome conhecimento dos paradigmas de linguagens de programação e arquiteturas de desenvolvimento, passeie pelos vários temas da inteligência artificial, desvende os espaços vetoriais, dê uma boa olhada em matemática discreta, veja as transformações lineares, inteire-se sobre complexidade algorítmica e teoria da computabilidade, leia sobre Máquina de Turing e o modelo computacional de Von Neumann e diminua um pouco sua ignorância.



1Isso não invalida o fato de pessoas aprenderem computação sozinhas e tornarem-se muito boas no que fazem.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

É a dedicação, estúpido!


Todo mundo já viu isso ao menos uma vez. Diante de um exímio músico, um atleta de destaque ou alguém que conseguiu um grande feito, o entrevistador sempre faz a pergunta: “qual o segredo do seu sucesso?”. E a resposta, invariavelmente, é a mesma: dedicação.

Conseguir grandes proezas é o desejo de todos. Afinal, quem não quer se destacar fazendo algo? Ser reconhecido tem muitos benefícios. No entanto, o que poucos querem é pagar o preço para chegar lá. Como demonstram os casos acima, não há atalhos: é necessário esforço e dedicação de várias horas diárias para o aperfeiçoamento no que quer que seja. Pergunte a um músico habilidoso quantas horas ele dedica por dia ao instrumento. No mínimo ele dirá oito horas. Isso equivale à jornada de trabalho da maioria das pessoas. Questione a um atleta de elite quanto tempo ele costuma treinar. A resposta não será muito diferente. Ou veja com o estudante aprovado em primeiro lugar em um vestibular bastante concorrido. Horas e horas de estudo são o “segredo” da conquista.

Mas sempre insistimos em perguntar a uma outra pessoa o que ela fez para conseguir chegar a excelentes resultados. Sempre na esperança de que alguém fale algo diferente. Alguma coisa que seja rápida. Algo que nos poupe o esforço e o “desperdício” de tempo para nos aprimorarmos. Alguns se conformam apenas com a (às vezes aparente) falta de habilidade e deixam o sucesso para os outros, enquanto prosseguem em uma vida medíocre, sem correrem atrás de algo que desejam.

Essas pessoas se assemelham a um viajante que se põe à beira de uma longa estrada e fica a indagar a todos que passam: “Ei, como você consegue caminhar tanto sem cansar?”. “Engano seu. Eu também canso, mas continuo me esforçando”. “Ah, não! Muito difícil!”. E permanece ali sentado esperando que algum passante revele uma fórmula diferente que ele possa seguir. E no final das contas não vai a lugar algum.

Ora, não há resultados rápidos1. Se você pretende ter uma boa reserva em dinheiro, comece cedo, ganhe um pouco mais que o suficiente, economize e invista. A menos que você espere pela sorte – que talvez nunca venha – de ganhar na loteria. Se quer modificar algo em seu corpo e/ou ter uma vida mais saudável, elimine os maus hábitos alimentares e faça atividades físicas. Contente-se com os resultados adquiridos lenta e naturalmente. Não espere que o acúmulo de anos de descuido seja sanado em poucos dias. Isso é no mínimo ilógico. Se deseja ter sucesso em alguma área de conhecimento, dedique muitas horas de estudo a ela. E saiba que conhecimentos de outras áreas são importantes. Não espere se formar para retomar os estudos do primário e ver que fazem a diferença, desperdiçando tempo que já deveria ser de lazer.

E quando encontrar alguém vitorioso, hesite fazer a pergunta cretina. A resposta é sempre: “É a dedicação, estúpido!”.



1Com raríssimas exceções. Mesmo assim, é mais garantido você se esforçar do que esperar por ou recorrer a elas.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Sugestão de leitura


Título: Grito de Guerra da Mãe-tigre
Autora: Amy Chua
Editora: Intrínseca
ISBN: 978-85-8057-046-5







Que os orientais são bons no que fazem – e isso inclui praticamente tudo, principalmente com o advento chinês – todo mundo sabe. O que a maioria das pessoas não sabe é o que há por trás de tanto sucesso. Quanto tempo e quanto esforço são dispendidos para alcançar esses resultados notáveis? É um preço bastante alto, que a maioria das pessoas não está disposta a pagar. No delicioso livro de Amy Chua, Grito de Guerra da Mãe-tigre, temos uma amostra de como é a rotina de uma mãe chinesa (no dizer da autora) no trato com os filhos, além de confissões sinceras de carinho, amor e desavenças. Disciplina e rigidez são o mínimo. Esforço extenuante e ausência de descanso são comuns. Perfeição é o que se espera – e nada menos que isso.

A contra-capa do livro apresenta o resumo do que seria o “treinamento” da mãe-chinesa:
  • os deveres escolares são sempre prioritários;
  • um A-menos* é uma nota ruim;
  • seus filhos devem estar dois anos à frente dos colegas de turma em matemática;
  • os filhos jamais devem ser elogiados em público;
  • se seu filho algum dia discordar de um professor ou treinador, sempre tome o partido do professor ou do treinador;
  • as únicas atividades que seus filhos deveriam ter permissão de praticar são aquelas em que pudessem ganhar uma medalha;
  • essa medalha deve ser de ouro.

Pode parecer assustador à primeira vista – na verdade, após várias vistas ainda parecerá assustador –, mas o que está por detrás disso é o interesse dos pais pelo sucesso dos filhos. E isso está acima de sua realização pessoal, não importa quanto tempo tenha que ser investido nisso. Na verdade, os pais chineses acreditam que os filhos ficarão satisfeitos quando perceberem os frutos de anos de trabalho árduo. A certa altura do livro ela comenta que um pai americano lhe disse que seu modo chinês de criar filhos os tornará infelizes. Ela indaga se as crianças ocidentais são felizes. É de fato uma questão para refletirmos. Os filhos aqui no ocidente são criados sem propósito algum. Ir à escola é mais um costume que uma preparação. Os pais que trabalham ocupam o tempo livre mimando seus filhos, estragando-os como cidadãos. As crianças crescem sem interesse por nada e sem saber fazer nada de útil. E recebem elogios por qualquer atividade realizada, mesmo de péssima qualidade. Esses pais definitivamente estão se esquecendo de que devem preparar os filhos para enfrentar a vida, e ela não terá pena dos fracos. Que sociedade teremos se as crianças de hoje sofrem lesões por esforço repetitivo devido ao excesso de games, ou tomam remédio para diabéticos por conta do consumo abusivo de açúcar? Não seria obrigação dos pais guiar os filhos nos caminhos mais adequados da vida? Será que não é importante a criança ter respeito pelas autoridades, sendo que a primeira é a figura dos pais? Não seria interessante que as crianças testassem seus limites em vez de desistirem diante da primeira dificuldade? É moralmente aceitável que pré-adolescentes iniciem tão cedo sua vida de vícios em álcool e drogas? Serão mesmo felizes essas crianças?


*algo como 9,0

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Errando o alvo


É engraçado como aqui no Brasil as pessoas tem o costume de errar o alvo. Se algo não está bom, faz-se um remendo, um engodo, e pronto. Tudo resolvido. Nunca se procura a real causa do problema, de modo que ele nunca é sanado e sempre retorna. Que o diga a enorme quantia de dinheiro gasta em nossas estradas, sempre péssimas. Limitam-se a tapar buracos, às vezes até rapidamente, mas a estrutura reles é sempre a mesma.

Há alguns anos tivemos um referendo para decidirmos se queríamos continuar com o porte legal de armas. A justificativa para tantos milhões gastos nesse processo era impedir que criminosos se apoderassem de armas que foram adquiridas por cidadãos através de meios legais. Ora, todos sabem que a principal origem das armas de traficantes e bandidos é o comércio ilegal de armas contrabandeadas por unidades de segurança oficiais, como o exército e as polícias. Se dependessem das armas dos pouquíssimos cidadãos que as tem registradas eles não teriam arsenais como bazucas, lança-mísseis, granadas, submetralhadoras, fuzis, etc. Isso é armamento pesado conseguido em conluio com nossas autoridades de segurança. Esse referendo foi uma tentativa de mostrar que estavam pensando na segurança da população, quando na verdade apenas queriam tirar um direito – pouco exercido, é verdade – que temos.

Recentemente até os dicionários foram alvo da cegueira de nossos políticos. Em vez de lutarem contra a discriminação em diversas esferas, viram que era mais fácil condenar a descrição de uma palavra ofensiva no dicionário. O termo “cigano” foi considerado inadequado por, além do significado usual, também significar “aquele que trapaceia, velhaco, burlador”. Ora, um dicionário não cria léxicos, apenas descreve o que todo mundo fala. Tanto que, após o uso de um determinado novo termo cair nas graças do povo, só em uma edição futura o dicionário irá registrá-lo. Mas nosso poder democrático acredita que eliminando a descrição de tal termo no dicionário os problemas do mundo serão resolvidos. Daqui uns dias vão mandar suprimir os termos “fome”, “violência”, “roubo”, “miséria”. E quem sabe “morte”. Aí viveremos para sempre.

domingo, 1 de abril de 2012

Obras de arte


Provavelmente você já se deparou com a situação de se sentir um ignorante por não ver nada demais em uma obra de arte admirada por todos, dita perfeita, super famosa, etc. Em caso afirmativo, não se sinta menosprezado. De fato, muitas obras artísticas são compreensíveis (será?) apenas por críticos da área. Eles definem movimentos estéticos e elaboram teorias a respeito da arte a que se dedicam. Isso significa dizer que, embora normalmente existam critérios que envolvam grau de dificuldade e criatividade na confecção de uma obra, no final das contas é a palavra dos críticos que fala mais alto. Veja-se o caso da literatura. No livro Teoria da Literatura: Uma Introdução, de Terry Eagleton, o autor dedica todo o primeiro capítulo a construir a definição de literatura. Ele apresenta diversos possíveis conceitos, refutando cada um antes de fornecer outro. Ao final de um bom número de páginas, ele conclui que literatura é tudo aquilo que um grupo seleto (a academia, a elite) define como sendo literatura. Ou seja, menus de restaurante e inscrições de paredes de banheiro poderiam ser considerados literatura se assim a academia o quisesse. Do mesmo modo, Shakespeare e Machado de Assis1 poderiam ser rotulados como lixo literário.

Tomemos como exemplo Carlos Drummond de Andrade, tido por muitos como o maior poeta brasileiro. Seu poema mais conhecido é No meio do caminho. Se o leitor o conhece, provavelmente faz coro com os que não veem graça alguma nesse poema. De fato, à época que foi publicado, recebeu duras críticas (uma delas: “E não havia ninguém que pegasse nessa pedra e lhe esborrachasse o crânio com ela?”) da própria academia. No entanto, em algum momento da história, a situação se reverteu, e ele passou a ser uma obra-prima. Continuo não gostando dele – não menos do que da pintura dita abstrata/moderna/contemporânea, a qual é realizada a contento por crianças e animais inteligentes –, mas reconheço o gênio de Drummond em diversos poemas, dentre os quais o que transcrevo abaixo.



O homem, as viagens
(Carlos Drummond de Andrade)

O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão.
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
civiliza a Lua
coloniza a Lua
humaniza a Lua.

Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte – ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?

Claro – diz o engenheiro
sofisticado e dócil
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus
vê o visto – é isto?
idem
idem
idem

O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para te ver?
Não vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol?
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro
Espanhol domado.

Restam outros sistemas fora
do solar a colonizar
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a difícil dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeita alegria
de conviver.


1Machado foi duramente criticado quando em início de carreira, sendo chamado até de “pão bolorento”.