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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Os donos da língua

É curiosa a posição que muitos profesores de português assumem, querendo crer que são os donos de nosso idioma, quando na verdade ele pertence ao povo


Mudei de bairro recentemente e tive uma surpresa. Não foi nada com a moradia, com os vizinhos ou com a empresa de mudança. Conversando com amigos, fui informado que o nome do bairro havia mudado. Como assim? Pensei que nomes de bairros, ao contrário de nomes de ruas, eram eternos (se bem que as ruas que mudam de nome, na prática, apenas recebem um prefixo: “antiga” rua tal). Fui informado que fora adicionada uma letra ao nome do bairro, pois o nome estava errado. Errado? Não, não era o caso de haver discordância entre o que se falava e o que se escrevia. Era porque, etimologicamente, a grafia estava errada (alguém disse).

Fiquei sabendo que a pessoa responsável por tal mudança foi uma professora de língua portuguesa. Surpreso? Eu também. Pensei que apenas os magnatas das leis tivessem autoridade para fazer seus mandos e desmandos. Não sei da força política dessa professora, mas ela conseguiu uma façanha. Ruim apenas para os que terão os transtornos habituais de uma mudança desse tipo: alterar endereços de correspondências, documentos, etc. Além de terem que se policiar a fim de não “falar errado” o nome do bairro.

Eu acho isso muito engraçado. Aliás, pensando melhor, não acho não. Eu acho isso ridículo. Essa suposta autoridade da qual os professores de português se imbuem, como cuidadores da língua, não tem o menor fundamento. A língua serve ao povo, e não o contrário. Antes dos gramáticos existirem, as línguas já existiam. Cada língua possui sua própria gramática, e ela independe de professores. Os falantes nativos a conhecem muito bem, embora de maneira natural, não estruturada. A função dos linguistas descritivos é compreender e escrever essas regras. A função dos professores é cuidar para que essas regras sejam conhecidas e auxiliem no processo de comunicação. Mas eles devem ter em mente que “o uso determina a norma”, e não o contrário. As regras mudam, as línguas evoluem, afinal, são vivas – algo que muitos professores de línguas parecem não ser.

Luís ou Luiz? Calabreza ou calabresa? Coisa ou cousa? Floco ou froco? O propósito da língua é a comunicação. Vernáculos mudam, estruturas mudam, neologismos surgem, variantes ganham força. Ater-se a um momento da língua querendo fossilizá-la é nada mais que uma tentativa de assassinar a língua. A língua se adapta para refletir as necessidades dos falantes. Elas se misturam, nascem, morrem, revivem, ampliam-se, diminuem. São organismos vivos. É muita petulância um professor querer subjulgá-la a sua ignorância e prepotência.

Minha sugestão para tais professores arrogantes é a seguinte: por que não falam latim? Afinal, nossa inculta, bela e derradeira flor do Lácio não passa de um latim falado errado (pior: nem do latim clássico nosso português se origina, mas do vulgar). Se querem ser puristas, então que vão até às últimas consequências. Talvez então percebam que o que importa é se comunicar. Antes que alguém me interprete mal, não promovo nem sou a favor do caos gramatical. Apenas acho desnecessárias empreitadas para mudar algo que se está arraigado e é bem conhecido (e, mais importante, compreendido) de todos, como mudar a expressão “risco de vida” para “risco de morte”. Para que isso? Alguém se confundiu alguma vez com a primeira? Ora, as duas estão certas. Deixem que o tempo e o uso se encarreguem de dar rumo à língua, e não a presunção de um punhado de autointitulados donos da língua.

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Mari, fiquei na dúvida se você apoia a ideia do post ou da professora citada no texto. Você poderia confirmar?
      De qualquer modo, obrigado por ter lido! Volte sempre.

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    2. a ideia do post josu,há pouco tempo tive uma professora desse tipo, os alunos tinham receio de falar com ela com medo de serem corrigidos, pois ela estava sempre xingando as pessoas que falam erroneamente, questoes de concordância, regência etc.Até a forma como escrevem os horários de funcionamento dos supermercados e consultórios médicos a irrita.É meio que um paranoia,obssessão, sei lá é doida mesmo rsrs.Sei que o que querem é ver a língua portuguesa falada e escrita corretamente, mas às vezes realmente exageram.

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    3. Entendi. Há alguns livros que falam sobre esse comportamento dos professore de português, dentre os quais se destacam os de Marcos Bagno. Um deles eu já resenhei aqui (http://pensando-fora-da-caixa.blogspot.com.br/2012/12/sugestao-de-leitura.html) e um outro ainda vou resenhar: Preconceito Linguístico - o que é, como se faz.

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