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quinta-feira, 20 de março de 2014

Mulher real?

De uns tempos para cá, tem se tornado comum algumas pessoas levantarem bandeiras defendendo a presença de “mulheres reais” nas propagandas. Essas pessoas alegam que as mulheres retratadas nas propagandas são irreais, impossíveis de serem encontradas nas ruas ou por aí. Isso tem surtido algum efeito, de modo que algumas empresas têm se valido de modelos de medidas mais amplas e outras “imperfeições” em cumprimento ao clamor crescente. Mas o que seria uma mulher real, afinal?

Em primeiro lugar, é necessário lembrar que tudo – de comida a lugares, de cores a texturas, passando por pessoas – que é apresentado em propagandas (televisivas ou impressas) soa falso. Isso se deve às técnicas de produção. Objetos falsos (muitas comidas são de plástico ou massa), iluminação, maquiagem, truques cenográficos, tratamento digital, uso de computador, dentre outros, são alguns recursos que conferem a aparência irreal que vimos nos informes publicitários.* Descontado esse fato, resta saber o porquê de as modelos serem irreais. Para isso, precisamos investigar o complicado fenômeno do padrão de beleza (em termos bem superficiais, cumpre avisar, e meramente baseados na concepção deste autor).

Diferentemente do que alguns idealistas possam afirmar, a beleza é um dado concreto na natureza e conta enormemente para a escolha de parceiros (por exemplo, pavões dependem da beleza de suas caudas para atrair fêmeas). Inclusive alguns estudos apontam que a região cerebral ativada pela visualização de algo belo consiste em uma região dita primária, onde também atuam sensações como a fome, a sede e o frio (qualquer homem tem certeza disso). Os seres humanos usualmente fazem distinção entre o que é agradável a seus olhos e o que não é. Alguns cientistas creditam a percepção ou ocorrência de beleza ao grau de simetria presente no assunto observado, recorrendo inclusive à razão áurea desenvolvida pelos gregos a fim de medir a quantidade de beleza presente em algo (de acordo com essa teoria, as mulheres seriam mais belas que os homens por possuírem mais traços simétricos e devidamente proporcionais – nem era necessário realizar estudos para chegar a essa constatação). Apesar disso, muitos de nossa espécie escolhem seus parceiros por outros fatores, embora não deixem de se sentir atraídos por algo que considerem bonito. E o impressionante é que o conceito do que é belo varia em relação a tempo e lugar.
O que um árabe considera uma mulher bonita pode não ser o mesmo para um europeu. O que um nativo de alguma selva africana acha agradável pode diferir do que pensa um esquimó. Mas isso não significa um cartesianismo do quesito gosto. Muito provavelmente um representante da beleza de um determinado povo seja também apreciado em outra cultura (ainda que inexista ali). E se tomarmos um indivíduo de seu local de origem para viver em outro ambiente diferente do seu, é provável que se adapte e também mude o que considera bonito. Mesmo dentro de um país, como o Brasil, nos adaptamos quando nos movemos de uma região a outra. Logo, percebe-se que não há um padrão fixo de beleza, mas adaptativo (qualquer garoto do colegial sabe disso, pois, ao final do ano, as colegas de classe que achava feias no início do período letivo parecem mais agradáveis). Bem, mas isso no que se refere às pessoas enquanto detentoras de gostos individuais, idiossincráticos. Mas há outro padrão vigente, que é o da mídia, ou, como dizem, da indústria da beleza, panfletado em revistas, propagandas e desfiles de moda.
Mas esse padrão também é variável. Na década de oitenta, até o início da década seguinte, modelos de passarela não eram magras nem altas. Eram apenas esbeltas. Cindy Crawford foi uma excelente representante do gênero – talvez a maior de sua geração. Se ela tentasse ingressar no mundo da moda hoje, seria rejeitada peremptoriamente. Isso porque o padrão aceito por esse universo mudou. Hoje, mulheres magérrimas são consideradas bonitas, exemplos a serem seguidos, deixando como legado uma legião de jovens adolescentes bulímicas e anoréxicas. Qual padrão imperará nos próximos anos não se sabe, mas decerto o atual cadulcará, como ocorre em todas as áreas do conhecimento e artes. Mas há um fator a se levar em conta: esses dois padrões de beleza (o dos indivíduos e o da indústria) não coincidem. No máximo possuem alguns pontos de interseção.
Posso afirmar, como homem, que não somos influenciados pelos padrões “ditados” por empresários do mundo da moda – ou somos muito pouco, o que se daria em um contexto global da sociedade, e não diretamente através da mídia (por exemplo, Gisele Bündchen nunca será uma musa para nós). O problema reside no fato de as mulheres darem mais importância ao que a indústria diz do que ao que os homens falam. Conheço mulheres que cansam de ouvir que são lindas, mas se sentem inseguras porque não estão em concordância com os ditames de empresários da moda que nunca conhecerão e que amanhã abraçarão outro padrão de beleza arbitrário. Muitas mulheres se ressentem por não serem magras o suficiente, ou não terem cabelos lisos e compridos, ou olhos claros, ou ainda a pele alva. Mas a boa notícia é: para o público que realmente importa (os homens que se relacionarão com elas), não faz diferença. Não será uma propaganda que irá mudar ou moldar o que achamos de uma mulher. E mais: há homens com todos os tipos de gostos. Há preferências por muito magras, magras, muito gordas, apenas gordas, atléticas, roliças, baixas, altas, loiras, morenas, negras, ruivas, asiáticas, anãs, até mesmo grávidas e deficientes1. É difícil encontrar uma mulher sequer que nunca tenha sido galanteada – e é fácil supor que para cada pretendente que expressa sua admiração há no mínimo um que não o faz, o que nos leva a deduzir que o número de admiradores é no mínimo o dobro do que ela supõe.
Mas há uma verdade inconveniente que precisa ser dita: as “mulheres reais” das propagandas politicamente corretas não são consideradas muito atraentes pela maioria dos homens – preferimos as fornidas. E isso não é resultado de efeito propagandístico. É que há tantas mulheres incríveis circulando por aí que não há porque considerarmos nem as magras dos anúncios nem as cheias “normais” como as mais desejáveis. Qualquer passeio em um shopping, uma visita a uma praia, uma hora sentado em um banco de praça, um passeio pelo centro da cidade, uma ida a uma boate revela que não há razão para afirmar que não haja mulheres reais lindas. Embora não sejam a maioria, o número está longe de ser ínfimo, embora varie de região a região. Há lugares mais generosos e outros menos. Mas também há homens mais criteriosos e outros menos – alguns, para a felicidade de muitas, bem menos. E, lembrando que o padrão individual de beleza é adaptativo, restam poucos motivos para bradar contra tais propagandas.
O que não faz sentido é acusar os homens de preconceito quando não achamos uma determinada mulher bonita. Não há uma sala de controle em nosso cérebro onde acionamos botões e alteramos nossas preferências. O que hoje achamos belo é resultado de anos de experiências e sensações, portanto, está muito longe de ser voluntário – como também não o é a orientação sexual. Talvez com bastante exercício mental seja possível lidar em algum grau de controle com esse mecanismo, assim como monges budistas podem atear fogo a seus corpos e não sentirem dor. A questão é: até onde se pretende ir com isso? O benefício esperado compensa o esforço?
Reitero minha posição: se as mulheres ouvissem mais os homens do que a mídia, não teriam tantos problemas. Ao contrário do que se imagina, os homens não mentem nesse quesito – no máximo, exageram. Eles nunca elogiarão uma mulher que de fato não considerem atraentes2 (salvo em jogos fúteis de conquistas entre eles). Mas, como elas mesmas confessam, as mulheres se arrumam para a avaliação das outras mulheres, e não de seus companheiros – que invariavelmente as acharão muito bem produzidas, não importa o que usem. Outro agravante é que não têm consenso quanto ao conceito de magreza. Uma mulher perfeitamente em forma, visivelmente frequentadora de academia, com IMC dentro da faixa normal, é considerada magra. Enquanto para elas há apenas duas classificações quanto ao índice de tecido adiposo (gorda ou magra), para os homens há uma gradação de pelo menos dez níveis, onde a preferência deles é distribuída ao longo de todos esses segmentos.
Não vale o esforço de destruir a mídia –  ela sempre existirá. Cabe ouvi-la menos. A felicidade está mais perto do que se imagina.

* Vou contar um caso pessoal para ilustrar o fato. Quando estava no ensino médio, um grupo de meninas fez uma gravação em estúdio simulando um noticiário, como trabalho de uma disciplina. Todos os garotos ficaram surpresos em perceber como a maquiagem melhorou a aparência de uma das componentes – que nunca foi assunto em nossos comentários. Vale ressaltar que isso se deu em um estúdio de segunda classe de uma cidade pequena; que dirá do resultado obtido em  grandes estúdios.

1Em um episódio do seriado Dr. House, o médico protagonista convence uma paciente a encarar com naturalidade a cicatriz de uma cirurgia, alegando que será fácil encontrar homens que se interessem por tal característica.

2O que pode acontecer é o contrário: devido a fatores externos, alguns homens podem mentir, dizendo que não acham uma determinada mulher bonita (por exemplo, por ela ser empregada doméstica). Mas mesmo isso é raro.

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