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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Sugestão de leitura




Tiítulo: Amor - um sentimento desordenado
Autor: Richard David Precht
Editora: LeYa (selo Casa da Palavra)
ISBN: 978-85-7734-259-4






No filme Sem Sentido (Senseless, 1998), há uma cena em que o protagonista, um universitário abaixo da média, participa de um debate em que tenta se destacar. Para isso, cita uma pesquisa que corrobora seu ponto de vista, e, por instantes, sente-se vitorioso, até que um aluno bem melhor que ele cita fatos não divulgados a respeito do próprio estudo, anulando o suposto sucesso do outro.

Lançar mão de estudos científicos constitui um elemento discursivo bastante utilizado quando se quer chancelar um determinado assunto – afinal, a ciência é o fundamento sobre o qual a raça humana se apoia na busca de razão e sentido para todas as coisas. A busca por cientifizar tudo chegou até os domínios da paixão e do amor. No entanto, confiar cegamente em estudos científicos (ou publicações próximas disso) faz supor que os mesmos são provas incontestáveis sobre determinado assunto, mas isso está longe de ser verdade, por pelo menos dois motivos. O primeiro deles – mais raro – é que alguns estudos utilizam dados forjados para chegar a resultados esperados, ou seja, tenta-se validar uma ideia pessoal, não importa a que custo. O outro motivo, mais sutil e mais comum, é a interpretação equivocada do pesquisador sobre sua pesquisa. Às vezes ele está tão ansioso por provar suas ideias que acaba por interpretar de maneira tendenciosa os resultados dos testes (algo como visualizar formas conhecidas em nuvens), o que não ocorreria com alguém de posição neutra para com a pesquisa.

Nesse contexto, a obra de Richard David Precht, Amor – Um Sentimento Desordenado, é uma luz em meio às trevas. A literatura que mescla ciência e sentimentos está repleta de livros que tomam animais para parametrizar o comportamento humano, ou que reduzem a complexidade de nossas escolhas e decisões a meros fenômenos químicos que ocorrem em nosso corpo, ou ainda afirmam que todas as nossas ações não passam de capricho de nossos genes. Precht esmiúça todos esses estudos, sem medo de citar nomes, mostrando as circunstâncias em que tais estudos foram concebidos e contando a biografia de seus autores. Ao contrário da maioria deles, Precht defende, lucidamente, que não somos guiados por nossos instintos, mas que nossa consciência os subjulga, tornando-nos responsáveis por nossos atos e escolhas.

Seu livro não é de leitura fácil – deve-se ler atentamente, pois as ideias apresentadas são complexas. De preferência, é um livro que deve ser lido sem interrupções, pois o encadeamento das ideias é de tal modo coeso que até torna-se difícil retirar uma citação do texto de modo que não prejudique seu entendimento por estar fora do contexto original. No entanto, constitui uma leitura extremamente recompensadora.

Precht apresenta alguns conceitos e pesquisas interessantes (algumas novas, outras remodeladas). Um deles é um estudo canadense que deduz que nos tornamos mais propícios a paixões em situações de adrenalina – qualquer uma. Isso explica porque é fácil surgirem relacionamentos em meio a grandes eventos, como shows e viagens marcantes – e menos em supermercados. Mas os principais conceitos são os que fazem a clara distinção entre desejo, paixão e amor – tantas vezes confundidos pelos amantes. O desejo tem origem em nosso sistema orgânico básico. Não é preciso atrelá-lo a qualquer sentimento. Essa é a razão pela qual os homens parecem insaciáveis na busca pela maior quantidade de mulheres possível, deixando de lado preceitos morais da sociedade – a mesma sociedade que recomenda às mulheres que ocultem seus desejos, fazendo crer a muitas pessoas que elas são desprovidas de tal coisa, confundindo sua sexualidade. Por sua vez, a paixão, bem conhecida de todos, é o que a maioria das pessoas entende como sendo amor, mas na verdade está mais para distúrbio. A nível biológico, estar apaixonado custa caro ao organismo, devido a descarga extra de hormônios, prejuízo ao raciocínio, alteração da frequência cardíaca, entre outros sintomas. Por isso não é de durar muito tempo – de acordo com pesquisas, quatro anos seria o máximo. Já o amor é o sentimento sereno, por vezes duradouro, sem riscos orgânicos, que todos buscam ter.

Entender como funcionam esses três sentimentos e saber que eles são independentes é bastante útil. Para isso, a leitura de Amor – Um Sentimento Desordenado é assaz esclarecedora.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Nem sempre


Nem sempre o mais inteligente vai mais longe
Nem sempre o mais bonito se dá bem
Nem sempre o mais forte é quem mais pode
Nem sempre o mais valente é quem vence

O que persiste
O que luta
O que insiste
O que acredita
O que não se conforma
Esse supera limites
Transforma
Cria
Recria
Vence

O mundo não está pronto
A vida não está pronta
Cabe a você ir lá
Fazer
Aprender
Transpor
Passo a passo
Degrau a degrau

A partida já foi dada
A corrida já começou
O que não te deram no início
é o que você pode alcançar por si
O que você não teve a princípio
é o que deve buscar em vida

Seja gênio ou tolo
Seja belo ou feio
Seja vigoroso ou débil
Seja intrépido ou covarde
A vida depende de você
O mundo espera por você
Vá lá e faça

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Os donos da língua

É curiosa a posição que muitos profesores de português assumem, querendo crer que são os donos de nosso idioma, quando na verdade ele pertence ao povo


Mudei de bairro recentemente e tive uma surpresa. Não foi nada com a moradia, com os vizinhos ou com a empresa de mudança. Conversando com amigos, fui informado que o nome do bairro havia mudado. Como assim? Pensei que nomes de bairros, ao contrário de nomes de ruas, eram eternos (se bem que as ruas que mudam de nome, na prática, apenas recebem um prefixo: “antiga” rua tal). Fui informado que fora adicionada uma letra ao nome do bairro, pois o nome estava errado. Errado? Não, não era o caso de haver discordância entre o que se falava e o que se escrevia. Era porque, etimologicamente, a grafia estava errada (alguém disse).

Fiquei sabendo que a pessoa responsável por tal mudança foi uma professora de língua portuguesa. Surpreso? Eu também. Pensei que apenas os magnatas das leis tivessem autoridade para fazer seus mandos e desmandos. Não sei da força política dessa professora, mas ela conseguiu uma façanha. Ruim apenas para os que terão os transtornos habituais de uma mudança desse tipo: alterar endereços de correspondências, documentos, etc. Além de terem que se policiar a fim de não “falar errado” o nome do bairro.

Eu acho isso muito engraçado. Aliás, pensando melhor, não acho não. Eu acho isso ridículo. Essa suposta autoridade da qual os professores de português se imbuem, como cuidadores da língua, não tem o menor fundamento. A língua serve ao povo, e não o contrário. Antes dos gramáticos existirem, as línguas já existiam. Cada língua possui sua própria gramática, e ela independe de professores. Os falantes nativos a conhecem muito bem, embora de maneira natural, não estruturada. A função dos linguistas descritivos é compreender e escrever essas regras. A função dos professores é cuidar para que essas regras sejam conhecidas e auxiliem no processo de comunicação. Mas eles devem ter em mente que “o uso determina a norma”, e não o contrário. As regras mudam, as línguas evoluem, afinal, são vivas – algo que muitos professores de línguas parecem não ser.

Luís ou Luiz? Calabreza ou calabresa? Coisa ou cousa? Floco ou froco? O propósito da língua é a comunicação. Vernáculos mudam, estruturas mudam, neologismos surgem, variantes ganham força. Ater-se a um momento da língua querendo fossilizá-la é nada mais que uma tentativa de assassinar a língua. A língua se adapta para refletir as necessidades dos falantes. Elas se misturam, nascem, morrem, revivem, ampliam-se, diminuem. São organismos vivos. É muita petulância um professor querer subjulgá-la a sua ignorância e prepotência.

Minha sugestão para tais professores arrogantes é a seguinte: por que não falam latim? Afinal, nossa inculta, bela e derradeira flor do Lácio não passa de um latim falado errado (pior: nem do latim clássico nosso português se origina, mas do vulgar). Se querem ser puristas, então que vão até às últimas consequências. Talvez então percebam que o que importa é se comunicar. Antes que alguém me interprete mal, não promovo nem sou a favor do caos gramatical. Apenas acho desnecessárias empreitadas para mudar algo que se está arraigado e é bem conhecido (e, mais importante, compreendido) de todos, como mudar a expressão “risco de vida” para “risco de morte”. Para que isso? Alguém se confundiu alguma vez com a primeira? Ora, as duas estão certas. Deixem que o tempo e o uso se encarreguem de dar rumo à língua, e não a presunção de um punhado de autointitulados donos da língua.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Amizade

(Dedicado a meus amigos e em especial àqueles que se fazem estar por perto mesmo à distância e àqueles que posso contar sempre: Alex Bruno, Cícero Roberto, Bruna Rodrigues, Denise Passos, Denisson Chaves, Isabelly Oliveira, Jéssica Isabela, Luciana Guimarães, Shirley Oliveira, Tatiane Boto)


Encontro-me perdido
Envolto em trevas
Não sinto o chão
e o céu está longe
Mas sinto uma mão
Uma mão cálida
Uma mão forte
É a mão de meu amigo
que me traz de volta à luz
Firma meus pés
e me devolve o céu
Amizades são raízes
que alimentam e equilibram
São tronco
que elevam e sustentam
Frutos
doces e coloridos
Também são folhas
que adornam e nutrem
E flores
inebriantes e vivazes
Amigos são a ponte
entre a satisfação e o bem-estar
São o elo
entre sangues distantes
Amigos são o alicerce
da alma
da vida
do mundo
E a quem agradeço
por tudo

domingo, 13 de janeiro de 2013

E muita cerveja!

Quem é normal: quem bebe ou quem não bebe? Por que as pessoas que bebem o fazem de maneira tão capitular? É possível se divertir sem beber?


 “... e muita cerveja!”. Essa é uma expressão bastante empregada para finalizar uma enumeração de itens que remetem à diversão, normalmente de um final de semana. Esse é um componente imprescindível, onipresente, reverenciado. Seu destaque é dado pela última posição na lista. Pode haver várias coisas: comida, música, até mulheres. Mas ela está lá, soberta, altiva. A comida pode não ser muito boa, as mulheres podem ser feias, mas a cerveja tudo redime. Apenas ela não pode ser de baixa qualidade. “E muita cerveja”. Esse é o real motivo dos encontros, das confraternizações. Entornar litros e mais litros do líquido mágico que promete euforia e olvidamento dos problemas – mas não a solução deles.

Beber não é uma atividade moderna. Cada povo, em cada época, desenvolveu, a partir de suas matérias-primas (quaisquer que fossem), bebidas alcoólicas e festas onde eram destaque – quase me fazendo crer que a humanidade está predestinada a produzir e consumir álcool. Mudar uma atitude de milênios configura-se numa impossibilidade prática frente ao poder que a bebida desperta nas pessoas. Meu intuito não é aniquilar a bebida do mundo – embora meu desejo mais profundo seja –, apenas questiono o real motivo de as pessoas beberem de modo tão condescendente.

Somos afetados pela cultura. Em todos os aspectos, inclusive em muitos que nem sequer imaginamos ou nos recusamos a acreditar. Algumas pessoas são menos influenciáveis, conseguindo tirar sua próprias conclusões e escolher suas preferências pessoais. Infelizmente, esse grupo constitui a minoria. A maior parte da população aceita tacitamente os ditames da sociedade em que está inserida e os abraça com paixão, incapazes de questionar o que é bom ou ruim para si próprios, o porquê fazem determinada coisa ou avaliar as consequências de seus atos. Claro, isso também reflete diretamente no nível de bebida que cada indivíduo consome. Até porque são poucas as pessoas que de fato apreciam o sabor da bebida. Muitas simplesmente insistem até se acostumarem com o gosto – o mesmo que ocorre com a comida japonesa, por sinal.

É inevitável classificarmos as pessoas que bebem em dois grupos principais: os que se aninham sob o título de que “bebem socialmente” e aqueles que “bebem até cair”. Esses conjuntos não são disjuntos em sua essência, podendo haver elementos (e normalmente há) que, a depender do dia e ocasião, estão ora em um grupo e ora em outro. Mas o normal é haver um grupo com o qual há mais afinidade.

Beber socialmente significa que o prazer reside no fato de se reunir com outras pessoas para propósitos de celebração e, para animar os ânimos (e seguir a cartilha), tomar alguns copos de bebida. Porém, isso não significa perder parte da – ou toda a – consciência. De fato, os ânimos serão alterados em maior ou menor medida, embora pareça ser uma situação que não oferece muitos riscos aos que a praticam.

Já para o segundo grupo, o dos bebedores inveterados, a situação se agrava um pouco. O elevado nível de álcool que consomem pode causar uma série de transtornos, desde os físicos (acidentes no trânsito), de saúde (a síndrome do delirium tremens) e sociais (brigas, etc.). Embora esses problemas sejam conhecidos de todos – quer bebam quer não –, muitas pessoas não querem – ou não conseguem – mudar seus hábitos. A história é pródiga em casos de pessoas que perderam a carreira – e, em alguns casos, a própria vida – devido ao consumo excessivo de álcool. E, para não ficarmos nos estereótipos, há tanto casos de pessoas sem instrução como graduados (basta lembrar dos casos Garrincha e Sócrates). O vício independe do nível cultural da pessoa.

Mas também seria injusto afirmar que todos os que se inserem nesse grupo – o dos bebedores contumazes – são pessoas que não produzem nada em suas vidas. De fato, muitos deles – embora acredite não ser a maioria – são alunos e profissionais de destaque nos meios onde atuam. Apenas se valem da bebida como escape ao acúmulo de trabalhoo ou algo do tipo. Esse fato se torna mais verdadeiro se tomarmos como exemplo a civilização europeia, onde se consome mais álcool que no Brasil – embora os excessos pareçam ser menos, uma vez que o consumo é distribuído de maneira diária, e não concentrado nos finais de semana, como ocorre por aqui.

A questão central é: por qual motivo as pessoas bebem? Naturalmente não há uma única resposta. Possivelmente há um pequeno grupo delas, os quais descobriríamos através de uma enquete. Na impossibilidade desta, podemos fazer algumas suposições – acreditamos, plausíveis. Um dos motivos seria de ordem social. Bebe-se para integrar-se ao grupo. O testemunho de pessoas que afirmam que, de início, não lhes caía bem o gosto da bebida, mas terminaram por se acostumar a ele, demonstra que o sabor não é, muitas vezes, a motivação para manter uma vida de ebriedade. Conheço inclusive gente que, na impossibilidade de beber, começou a fumar para ter alguma identificação com o grupo de que fazia parte. A pergunta é: até onde esses seres são capazes de chegar a fim de serem aceitos e se identificarem com o grupo? Cometeriam atrocidades contra outrem? Receamos saber a resposta.

Um outro motivo plausível seria o de afastar os problemas – na verdade, o correto seria dizer “afastar a lembrança dos problemas”. É bem pouco provável que alguém tenha conseguido resolver ou esquecer definitivamente seus problemas bebendo. Trata-se apenas de uma ilusão temporária, mas muitos não reconhecem isso, insistindo no vício até que esse os consuma. Não podemos dizer que uma pessoa que não consegue dar conta de seus problemas e busca no vício uma escapatória não precise de ajuda especializada. Álcool é uma droga, no final das contas, como são todas as outras estigmatizadas pela sociedade. Encontrar o limiar entre o uso ocasional e a dependência nem sempre é fácil.

E há ainda aqueles que podem alegar beber apenas por diversão. Não duvido que seja verdade, mas um comportamento recorrente nesse grupo é o fato de que, para eles, essa é a única forma de diversão de que alguém pode desfrutar. Perseguem e zombam dos que conseguem se divertir sem o auxílio de tóxicos. Ora, cada um sabe o que lhe convém. Acaso os que não precisam de substâncias para espairecer não são os mais fortes? Lembro que há muito tempo o canal aberto de televisão veiculou a seguinte propaganda: em uma boate, um homem se aproxima do balcão. Outro sujeito, com duas mulheres, ridiculariza-o, sugerindo ao atendente que lhe dê leite. O primeiro homem então pede uma bebida de alto teor alcoólico, ato que desperta o encantamento das mulheres, que lhe vão fazer companhia, abandonando o acompanhante de início. Será que esse é um modelo a ser mostrado como saudável? Será que o homem que bebe é mais másculo, ama melhor, é mais interessante? É impressionante como muitas pessoas dão fé a esse modelo. No fundo, não passam de incapacitados que necessitam de uma muleta para fazer coisas das quais não têm coragem quando estão sóbrios. A própria pergunta que costumam fazer, espantados – “por que você não bebe?” –, é equivocada. Ora, o natural é não beber. Quem bebe é que deve explicar seus motivos, e não o contrário.

Sonho com o dia em que as pessoas serão julgadas não pela quantidade de álcool que consomem, mas pela lisura de suas atitudes.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Ser bom


Bondade
Dedicação
Generosidade
Atenção...
Ouro de tolo
Atalhos para o desprezo
Não perca tempo com pérolas falsas
Te concentres no que importa
Ria
Faça sorrir
Seja jocoso
Abrace à força
Beije sem consentimento
Não discorde
Nunca argumente
Jamais possua gostos próprios
Seja apenas um na multidão
O que importa é o supérfluo
Não seja um deus para os outros
pois dele se lembram apenas na privação
Esquecem-no no convívio diário
Tudo o que fizer para alguém
tenha algo em vista para você mesmo
Se queres apenas ser bom
acostuma-te ao esquecimento
Se queres que sempre lembrem de ti
pense antes em você
Depois nos outros
Sutilmente

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Mudança


Nova mudança...
A inevitável pergunta
– Você é professor?
Será que não se pode ter livros em paz nesse país?
Agendas velhas
Números, pessoas que eram parte de minha vida
e agora me são estranhas
como são os transeuntes
Talvez mais até
já que alguns tento esquecer
Móveis, poeira
Espaço vazio
Eco, silêncio
Reflexo da alma?
Novo lugar
Nova acomodação
Mesmos pertences
A vida que se repete
Histórias novas
Mudança...

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Sugestão de leitura



Título: O Imperador de Todos os Males – Uma Biografia do Câncer
Autor: Siddhartha Mukherjee
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 978-85-3592-006-2








O ser humano teme muitas coisas. Particularmente, ele teme o desconhecido. Teme o que não compreende e, consequentemente, não pode controlar. Muitas doenças estão nesse patamar, lembrando ao homem sua finitude e fraqueza biológica, a despeito dos grandes progressos da raça humana. Dentre todas as doenças, existe uma em especial cujo nome, em alguns lugares, hesita-se até ser pronunciado. “Uma doença que na verdade não é uma, mas várias”. É essa enfermidade que conhecemos por câncer.

A natureza do câncer, para o público leigo, é envolta em mistério. Conhece-se apenas as poucas informações que nos chegam através dos meios jornalísticos, como substâncias que podem causar câncer ou formas de preveni-lo. Felizmente, esse público pode contar agora com uma importante fonte de informações quanto a esse assunto. O Imperador de Todos os Males, de Siddhartha Mukherjee, cumpre bem o papel a que se propõe (exposto no subtítulo): ser uma biografia do câncer. O autor, com formação em biologia, imunologia e oncologia, descreve desde os possíveis primeiros relatos conhecidos da doença (há milênios atrás), até o estado da arte do tratamento do câncer. Nomes, datas, lugares, procedimentos, descobertas, pesquisas, estudos. Toda a miríade de elementos que fazem parte da história desse mal que ainda assola livremente é contada e entrelaçada em detalhes.

No entanto, engana-se quem pensa encontrar um relato técnico, frio, impessoal. Não à toa a obra ganhou o prêmio Pulitzer de 2011. Os personagens não são uma relação entre um nome e uma pesquisa que contribuiu para o conhecimento ou tratamento do câncer, mas pessoas reais, com sentimentos reais, frustrações, esperanças, angústia, decepção, receios. O autor apresenta-os com descrições físicas e emocionais, ajudando-nos a construir a imagem de um ser humano que faz pesquisa, e não de um pesquisador que por acaso é também humano.

Mukherjee não poupou esforços nem tinta para redigir sua obra. Ela é fruto de extensa pesquisa e não são poucas as referências presentes no livro – acadêmicas ou não. Prova disso são suas pouco mais de seis centenas de páginas ricas em detalhes. Tão elaborada que em dados momentos leva-nos a crer que se trata de obra de ficção, com autor onisciente e que conhece o desenrolar dos fatos vindouros, e não um relato de uma guerra contra a mais terrível das doenças. O realismo da leitura, construída fato sobre fato, em sua maior parte linearmente, faz-nos crer que a história terá um final feliz. Um fio de esperança se aloja em nosso íntimo à medida que avançamos na leitura, embora, sabendo que há tratamento para apenas alguns tipos de câncer, isso infelizmente não é possível.

Duas observações saltam aos olhos do leitor atento. A primeira é que a frase de Newton adequa-se perfeitamente à história do câncer: “se consegui ver mais longe, foi porque estive apoiado sobre ombros de gigantes”. O câncer é uma doença bastante complexa, e seria impossível a uma única pessoa – ou mesmo a um pequeno grupo – descobrir seus engendramentos. O conhecimento atual que temos foi construído ao longo de décadas, por médicos, biólogos e cientistas de diferentes países, dedicados ou não ao câncer, através de descobertas intencionais ou acidentais, algumas aparentemente sem conexão com a doença (ou com qualquer outra coisa), mas que, de alguma maneira, convergiram de modo feliz para que avançássemos no conhecimento clínico a seu respeito. Um trabalho obscuro, realizado por um desconhecido, publicado em um jornal médico pouco conceituado por vezes tornou-se base para que outros ultrapassassem os limites da fisiologia do câncer de sua época.

A segunda observação é que a história dessa doença muito pouco tem a ver com o governo ou com a indústria farmacêutica. O desbravamento do câncer partiu e foi constituído em grande parte por idealistas, apaixonados, persistentes, reticentes, impulsivos, metódicos, alguns fanáticos e um punhado de loucos. Foi a iniciativa, a dedicação e o trabalho duro de cada um que alavancou e direcionou a luta contra o câncer. O mérito das pequenas vitórias está distribuído ao longo de centenas de nomes em variadas épocas e muitos lugares. São muitos os louros a serem dados, e ainda há muitos aguardando seus merecedores, pois a batalha contra essa temível enfermidade ainda está em curso e sem data para terminar.