Uma alegação que se tem feito
largamente desde que a psicologia caiu no gosto popular é que
adolescentes fazem estripulias porque não conseguem avaliar a
consequência de seus atos. Ou seja, não têm discernimento do que é
certo ou errado, correto ou impróprio. Em décadas anteriores,
jovens nessa idade tinham responsabilidades dentro de casa, e cedo
eram classificados como adultos, casando-se ou assumindo atribuições
dessa fase da vida. Eles eram cobrados pelo que se esperava deles e
arcavam totalmente com as consequências de suas escolhas, que não
raro eram tomadas sem qualquer auxílio dos pais ou pessoas mais
experientes. Algumas vezes tais decisões eram acertadas, em outras,
não. Mas qual das duas gerações tinha melhores noções de certo e
errado?
A verdade é que ambas estão em
condições de igualdade, talvez com ligeira vantagem de uma ou
outra. E isso por um motivo muito simples: as pessoas, não importa
em que época, sempre sabem como devem proceder (a ética kantiana se
baseia nisso). Cumpre esclarecer que não estamos tratando de
decisões projetadas para o futuro, como que profissão escolher ou
onde morar. Remetemos aqui a como agir em determinados lugares e
frente a determinadas situações. Por exemplo, no trabalho, devemos
fazer o serviço bem-feito, não importa a situação; em casa,
devemos ajudar nossos pais ou cônjuges; devemos respeitar nossos
semelhantes sempre; devemos ser justos a qualquer custo e ajudar a
quem quer que precise. Essas são recomendações gerais que todos
conhecemos, julgamos corretas, mas nem sempre as pomos em prática.
Mas por quê?
Não sei se é possível responder de
forma objetiva a essa pergunta, mas há alguns possíveis fatores
para tal ocorrência. Talvez um traço de rebeldia latente que reside
em todos nós, de ir contra as regras, mesmo as boas e úteis. Talvez
um egocentrismo avassalador que nos impede de ver o outro como alguém
que nos afeta e que é afetado por nossas ações. Talvez uma carga
transcendental que paira sobre fazer o certo, que nos impele ao
caminho mais fácil e curto do desvirtuamento. Talvez a inexorável
força que nos leva a seguir os passos da maioria, não importa quais
sejam. Talvez uma maldade natural encerrada em nossa essência de ser
humano. Ou quem sabe simplesmente preguiça de agir quando é mais
cômodo ficar estagnado. Seja lá qual for a resposta, o fato é que
sempre sabemos como deveríamos agir, mas muitas vezes não o
fazemos.
Certa feita ouvi por acaso um discurso
moral inspirador vindo de uma fonte muito improvável: um jovem
marginalizado, dado a bebedeiras – possivelmente também a drogas
ilícitas –, vadiagem e pequenos delitos. Em sua fala, distribuía
conselhos e admoestações a todos: que as crianças ajudassem as
mães, que as pessoas se entendessem, que os jovens trabalhassem
visando a uma vida melhor. Seria comovente, caso ele mesmo não
pusesse em prática nenhuma de suas considerações. Mas isso serve
para mostrar que mesmo nas piores condições sociais, as pessoas
sabem os deveres que se devem praticar.
Isso vem de encontro ao que pensam e
proclamam alguns ativistas sociais, pois alegam que criminosos e
delinquentes agem sem consciência de seus atos, em revolta cega
contra a sociedade. A verdade é que bem poucos (se os há) não
sabem que estão agindo errado, embora alguns hajam de fato em tom de
inconformidade com sua posição social. Por mais que a um garoto da
periferia faltem boas referências de pessoas bem-sucedidas que
seguiram por caminhos justos, poucos têm convicção de que
enveredar pelo crime é o certo a se fazer. A maioria despreza mesmo
uma vida honesta por ser dura e possuir benefícios de longo prazo,
talvez sem grandes recompensas materiais.
Quantos de nós já não nos pegamos
dando sermão em outrem, aconselhando ou cobrando, mesmo sabendo que
não agimos devidamente quando estavámos em situação semelhante?
Bom seria se usássemos dessa empatia ao avesso não para lembrar de
como deveríamos ter agido, mas para imputarmos a nós mesmos o modo
correto de proceder em situações delicadas e específicas. Se o
primeiro passo para a mudança ou correção é reconhecer o erro,
então o que falta para construirmos uma sociedade melhor, se já
conhecemos também as soluções?
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