(Tema baseado no apagão do Nordeste ocorrido no dia 28 de agosto de 2013)
A cidade, em polvorosa, corre
Acelera o acelerado
Carros e pessoas se desentendem
nas trincheiras da guerra cotidiana
Querem chegar em seus lares antes da
noite
– e ela vem, com certeza
Sem energia, a cidade pára
Sem energia, as pessoas vão-se às
casas
Sem energia, os carros voam
A noite traz o sentimento antigo
do homem frágil
do homem pequeno
do homem inconsciente de si
Refugiados em casa, voltamos a temer as
trevas
As notícias de longe já não chegam
desmanchando a aldeia global
Os sons elétricos desaparecem
e nos fazem companhia o barulho
mecânico da natureza
A luz volta a ser errante
e nossas vorazes pupilas sorvem o menor
facho que seja
E em meio à impotência da fragilidade
olho para cima
a contemplar o domo celeste
o teto de nossos ancestrais
Foi quando notei que há tempos não
fazia isso
e lembrei que há muito
eu não via as estrelas
A luz da terra cega o homem,
que passa a ignorar a luz do céu
Mas elas sempre estão lá
– nem sempre as mesmas
Hoje meu espírito se aquietou
Ouvi o som da paz
Do silêncio gritante
Pressa não há mais
Preocupação não há mais
A dor se foi
Hoje reconheço que todos os homens são
meus irmãos
E a natureza é nossa irmã mais velha
Já não lembro de meus problemas
Pequenos
Pequenos agora são todos eles
Porque eu novamente vi as estrelas
Esse ato simples, esquecido
me fez lembrar que a vida não é só
movimento
mas também estado
É permanência
É quietude
Nesse momento, crianças devem estar
fazendo sombras à luz de velas
as mãozinhas se desdobrando em
movimentos agitados
Outras estão recolhidas junto aos pais
receando a noite incomum e órfãs da
artificialidade brilhante
Nesse momento deve haver casais se
amando
prateados pelo astro distante e pelos
outros pontos rutilantes do céu
Ah, essas pequenas luzes...
Há tempos não as vejo
Mas hoje paguei meu débito
Hoje voltei a ser uma criatura do mundo
e sinto que a vida voltou a mim
Sinto que fui aceito pelo Universo
Apenas porque...
Hoje...
Hoje eu vi as estrelas