Pesquisar este blog

segunda-feira, 17 de março de 2014

A mulher-prêmio

“– Tem que me merecer!”

Sempre achei essa frase estranha. E eu sei que você já ouviu alguém (muito provavelmente uma mulher) falando isso. Ela dá a entender que existem algumas condições prévias às quais um  homem deve se encaixar a fim de que a mulher aceite ter um relacionamento com ele. Creio que há duas situações possíveis que se encaixam na sentença. Uma delas diz respeito às vezes em que o homem precisa dar provas de que verdadeiramente tem interesse em manter uma relação séria com uma mulher. Isso se resume basicamente em respeitá-la, o que inclui: não traí-la (se isso é uma condição compartilhada pelo casal), cumprir acordos, respeitar sua família, não lhe esconder segredos que afetam a ambos, etc. Isso é o justo e óbvio fundamento de qualquer relação (e ocorre nos dois sentidos). Já a outra situação envolve prescrições menos afetivas. Mas que tipo de condições seriam essas? Pode haver algum risco oculto nisso?

No cenário atual da sociedade, a relação entre homens e mulheres não é muito difícil de descrever: eles vivem a correr atrás delas, e elas constantemente têm que decidir quais afastará e quais deixará chegar perto. Isso vale para relações amorosas ou não, mas aqui nos interessa apenas o primeiro caso. A decisão delas se baseia em dois fatores: algo que eles são e algo que eles fazem. No primeiro grupo há questões como se ele é bonito, se é de uma determinada etnia (negros parecem ser preferenciais), se é de fora (algumas se interessam muitissimamente por isso), etc. Já o segundo tem a ver com se ele é engraçado, se é músico (acredite, algo que conta muito), se é simpático (na acepção original da palavra, e não como eufemismo masculino para bonito), se é desordeiro (por incrível que pareça, estes fazem bastante sucesso), entre outros. Os homens que fazem mais sucesso são simplesmente aqueles que conseguem identificar o que mais agrada às mulheres e agem de acordo com esses critérios. Um momento! Isso quer dizer que eles podem agir falsamente, mostrando alguém que de fato não são? Resposta: sim!

Antes de prosseguirmos com a constatação acima, façamos uma análise de como uma mulher, hoje em dia, enxerga uma relação.

Herdada de tempos antigos, ainda está em voga a tradição de a mulher se colocar como o centro da relação. Seus pretendentes devem duelar entre si, cumprir uma lista de exigências, seguir procedimentos ditados por elas (uma espécie de cartilha comum elaborada pelas mesmas), dar-lhe atenção (e razão) sempre, etc. Para elas, a energia em escolher um dentre vários e permiti-lo fazer parte de sua vida e intimidade dispende tanta energia que deve ser vista com bastante cautela – um investimento. Uma vez em um relacionamento, usa de todas as suas forças para mantê-lo, para os olhos dos outros e para fazer jus ao trabalho de seleção do parceiro. Muitas até mesmo consideram estar sozinha uma falha inadmissível, uma falta grave. Outras sentem-se culpadas quando têm diversos parceiros casuais ou se consideram “rápidas” demais na escolha e nos avanços de intimidade em uma relação. Elas têm muito medo de escolher alguém “errado” (e não são poucos os casos de depressão e suicídio decorrentes de decepção amorosa quando se sustenta essa visão idealista). Os tempos estão mudando, mas esse ainda é o retrato de como a maioria das mulheres enxerga um romance (inclusive muitas mulheres supostamente modernas e independentes).

Esse comportamento, de tão comum, é recorrente no cinema. No filme A Rede Social, baseado em fatos reais (embora não se saiba se o fato a seguir é ou não ficcional), há uma cena na qual uma  garota tem uma noite de sexo casual com um desconhecido. No outro dia, ela julga que ele tem que lembrar seu nome, embora ela nem sequer tenha perguntado o dele – que a própria reconhece como mundialmente famoso ao ouvi-lo. Já em RED – Aposentados e Perigosos, há uma cena onde um homem deixa uma mulher em casa após o jantar, esperando que ela o convide para entrar. Como ela não o faz, ele protesta, alegando que pagou a conta e por isso deveria poder subir. Esse é um resultado possível quando se estabelece critérios como “pagar a conta” para avaliar pretendentes. Quem não quer ser tratado como mercadoria que não se ponha à venda.

É inegável que nós, os homens, achamos as mulheres incríveis. Adoramos não apenas sua beleza, mas sua feminilidade, que suaviza um mundo bruto onde existe mal. Sentimo-nos bem quando as temos por perto, não importa em que tipo de relação. Elas têm nossa atenção sem qualquer esforço, e de bom grado atendemos seus pedidos. Não é necessário esforço algum para que as tratemos assim. Gastamos grande parte de nossa energia (e, para alguns, de seus dias também) para atrair sua atenção. O fato é que, para nós, elas já estão em um pedestal, não sendo necessário que se elevem ainda mais. E é aqui que reside o problema.

Ao se imputarem o título de alcançáveis para poucos (os “escolhidos”, os que “as merecem”), elas descem os homens ao nível de um adereço, uma peça que se mostra boa o suficiente para acompanhá-las. É como não levar em conta o conjunto de qualidades individuais de cada um, valendo apenas se eles cumpriram ou não as tarefas pretendidas. Se são adequados ao rito que ditaram. E é esse o motivo de tantos homens serem falsos, como observamos no início. Já que não importa sua real conduta e caráter – basta que sigam as normas da cartilha, que façam aquilo de que gostam –, se apresentam como elas os esperam, ocultando quem realmente são, apenas para cumprir seu objetivo. Por outro lado, outra consequência é as mulheres decidirem por um homem que atende aos requisitos impostos (um “bom homem”, um homem “decente”, “de bem”), mas que não possui qualquer afinidade com a parceira. Em ambos os casos, o resultado para elas é a decepção ao constatarem que, apesar de terem dedicado tempo e energia em escolher o companheiro, fizeram uma má escolha.

Não se pode colocar homens e mulheres em planos diferentes, pois ambos são seres humanos. O que vale para um, vale para o outro: respeito, atenção, companheirismo, atração. Relações onde o homem tem que se desdobrar das mais diversas formas para agradar à companheira, sem receber atos recíprocos, são injustos e desiguais. Talvez até infelizes. Naturalmente os homens farão de tudo para mostrar a suas companheiras que as admiram, mas não faz mal que elas retribuam na mesma medida, ou quase. Mulheres não são objetos, tampouco homens o são. Os papéis dentro de uma relação podem até variar, mas são duas pessoas acima de tudo, com seus valores e particularidades. Um não é melhor que o outro. Uma mulher não é algo que se mereça, e um homem não é alguém que deva ser aprovado em testes. Suas índoles é que devem ser levadas em conta, a fim de que ambos se conheçam como realmente são e nisso baseiem suas escolhas. E é o amor que se deve buscar, e não o campeão de uma olimpíada romântica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário