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segunda-feira, 10 de março de 2014

Menos hipocrisia, por favor!

Quanto de preconceito realmente havia na declaração da professora sobre um passageiro de aeroporto que julgou mal vestido? 


Há algumas semanas, houve uma celeuma nas redes sociais devido a um post de uma professora universitária referindo-se, sem rodeios, ao modo como um passageiro estava vestido no aeroporto. Bermuda, tênis, camisa regata, óculos-escuros levantados para o alto da cabeça, uma lata (cerveja?) à mão. Ela diz que o sujeito parece estar em uma rodoviária, e não em um aeroporto. Nos comentários, algumas pessoas – incluindo o reitor da universidade – concordam e alegam que o glamour de voar já não existe mais. Outra reclama que se sente incomodada quando alguém desse porte – porque o passageiro em questão tem medidas um pouco avantajadas – senta-se a seu lado e fica roçando o braço peludo nela. Após o furdunço, todos os envolvidos pediram desculpas. Mas... era para tanto?

A enxurrada de críticas alegava que a professora criticava os pobres que agora podiam andar de avião; que não os suportava; que se tratava de ódio pelas classes menos favorecidas; que era preconceito social, etc. À primeira vista, o fato realmente gera estranheza porque parece ser uma falta de decoro. Afinal, figuras universitárias são tidas como puras, iluminadas, praticamente inumanas (e também por estarmos vivendo em uma época politicamente correta, onde há uma lista de coisas que se pode ou não dizer, que nada têm que ver com o caráter verdadeiro de algo). Mas todo fato pode ser visto sob vários aspectos e diferentes ângulos. Para a maioria das pessoas, é difícil deixar as paixões de lado – afinal, são tão mais comburentes – e fazer uma análise fria dos fatos; mas esse é o melhor caminho para não gerar injustiças. Se lermos atentamente os comentários da foto publicada pela professora, notamos facilmente o seguinte: em nenhum momento foi citada a condição social do rapaz. O que estava em foco era o modo como estava vestido. Ora, então de onde surgiram os protestos de ódio social e etc.? Voilà! Da cabeça dos que protestaram, o que dá a entender que quem tem preconceito são os próprios (eles afirmarão que o preconceito dela pelos pobres é implícito).

Tudo bem, concordo que não é tão simples. Mas façamos um esforço. De fato, voar já foi um grande evento. Havia almoço, expectativa, conforto, etc. Ou seja, glamour (eu mesmo já li isso em uma crônica publicada em revista de grande circulação, escrita por uma redatora saudosista). São tempos idos. As empresas tiveram que baixar o padrão de atendimento (tirando o almoço e o conforto) para poder sobreviver no mercado. Com essa medida, os preços baixaram e os voos se popularizaram, tornando-se acessíveis ao público das classes C e D. Por outro lado, a malha rodoviária interestadual sempre foi – e ainda é – a opção dos menos abastados. Agora retomemos o personagem da foto. Por que ele seria passageiro de uma rodoviária e não de um aeroporto? Devido a sua indumentária. Ponto. Mas o que exatamente isso traduz?

Por um lado, podemos pensar que a afirmação sustenta que todos os pobres se vestem de maneira extremamente informal – ou de mau gosto, dependendo do ponto de vista. Bem, quanto a isso posso falar com propriedade, dado que nasci e me criei na periferia. A maioria dos pobres gosta de se arrumar para ir a lugares como bancos, igrejas (principalmente), escola ou universidade, cerimônias sociais, etc – afinal, ser pobre e desarrumado já é demais, pensam. De uns tempos para cá isso está mudando, em parte devido à influência do modo casual de se vestir da própria classe média – lembro-me que me espantei quando vi alguém usando sandália de dedo (bem como bonés) na universidade e em shoppings. Logo, se a frase expressa esse sentimento, creio ser por desconhecimento de causa.

Por outro lado, a frase pode ter se baseado em experiência pregressa, e não em suposição ideológica. Talvez quem relacionou o modo de vestir do homem com os tipos que se veem em rodoviárias o tenha feito a partir de suas experiências – poucas, talvez – nesses lugares. Por que não? Nunca saberemos. Também nunca saberemos a real intenção da professora (o que sabemos é que a formalidade no vestir em nossa sociedade está mudando de modo geral – e os mais velhos não veem isso com bons olhos).

Mas o certo é que houve, isso sim, uma grande parcela de pessoas que, a partir da foto do rapaz, automaticamente o julgaram pobre; incapaz de comprar o que seriam roupas adequadas para se frequentar um aeroporto. Pelo que entendi, essa foi a maior prova de preconceito no caso. Jornalistas, cronistas, ativistas, internautas, todos os que vociferaram contra a professora e seus concordantes parecem ter imbuído em si o germe do preconceito e da hipocrisia reinantes no Brasil. O tema do ódio entre as classes sociais – nos sentidos alto-baixo e baixo-cima – é digno de nota e deve ser tratado com a atenção que se exige, mas o fato ocorrido descredenciou os argumentos simplesmente por se basear em suposições preconceituosas dos próprios “defensores” das classes desfavorecidas (e eu duvido que haja tanta gente a favor dos pobres por aqui).

Isso me lembra um outro fato, ocorrido há poucos anos, também de auto-denúncia. Um cantor negro nacional, junto com mais dois participantes igualmente negros e famosos, gravaram um clipe onde participavam coadjuvantes fantasiados de macaco. Automaticamente o artista foi acusado de racismo, mesmo sendo negro. Na cabeça dos críticos, era uma associação clara entre a etnia negra e os primatas. Mas o fato é que essa associação era clara e direta apenas em suas cabeças. Nem a música, nem os gestos, nem o fato gritante da própria cor dos participantes indicava isso. O cantor teve que dar longas explicações a respeito, apenas para explicar o óbvio: que não era racista.

Parece-me que o caso do passageiro do aeroporto é apenas uma nova versão desse outro, com alguma complexidade adicional. Um comentário pessoal, de uma visão pessoal, na leitura de quem busca acusar a todos de sofrer de seus próprios preconceitos, como que para livrar-se um pouco de sua culpa (uma catarse), pode gerar muito ruído por nada.


PS: parece que o passageiro em questão na verdade é dono de um escritório de advocacia; acabara de desembarcar de um cruzeiro e usava roupas leves devido aos comentários de que estava quente na cidade onde mora. Prometeu tomar as medidas legais cabíveis em relação aos envolvidos.


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