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domingo, 23 de setembro de 2012

Nordestino, sim sinhô!

Sou alagoano. Nasci e cresci em Maceió, onde passei vinte e sete anos e meio de minha vida. Durante esses anos, odiei tudo o que havia lá. Imaginava que todos os outros lugares eram melhores: as pessoas eram mais felizes, o sistema de transporte era melhor, o sol não queimava tanto. Mas, como tudo tem sua época, chegou o dia de partir e conhecer o mundo. E foi aí que tudo mudou.

O primeiro lugar que conheci foi a mais idolatrada cidade brasileira, a antiga capital do império. Lá, o primeiro lugar turístico que visitei foi a praia mais famosa do Brasil. Todo meu entusiasmo se desfez quando a avistei. Se fosse durante o dia, talvez minha frustração tivesse sido menor, mas à noite, a única coisa que pude fazer foi compará-la com a praia mais feia de minha terra que pude lembrar. Conheci vários outros lugares da cidade. Alguns me surpreenderam, outros me causaram desolação. Eram lugares bonitos na visão e nas palavras dos outros, movidos que eram pela obrigação de concordarem com a maioria, com o senso comum. A cada coisa que conhecia – restaurante, lugar, pessoas –, a comparação com a terra de origem era inevitável. Às vezes concordava com a “superioridade”, outras vezes não, e por outras considerava apenas uma forma de ser ou fazer diferente, não necessariamente melhor ou pior.

Conheci outras cidades, e não comparar tornou-se impossível – afinal, é comparando que fazemos nossas escolhas. Ao fim de tudo, percebi que, a despeito dos muitos e graves defeitos de minha terra, há aspectos que merecem elogios, alguns rasgados até. Eu sei que se trata de um estado de violência assustadora, mas também é um estado que abriga praias incríveis. Reconheço que possui a pior educação do país, mas possui uma gastronomia notável. E, apesar do total descaso dos diversos governantes, sua gente carrega o estado nas costas com bravura e determinação. Se você possui um mínimo de cultura, pode agora lembrar de alagoanos ilustres em áreas tão diversas como música, política e esportes.

Mas seria um tanto quanto injusto de minha parte restringir esse orgulho unicamente a meu estado, quando há diversos outros estados tão semelhantes ao meu que não gozam de prestígio algum por parte de diversos outros estados. Sou nordestino, assim como diversos outros. Somos discriminados, mas ao mesmo tempo usamos essa barreira para buscarmos com mais dignidade e força superar a desvantagem com a qual começamos a vida. Aguentamos o calor que castiga, suportamos a seca que assola, sobrevivemos às chuvas que levam vidas. O sertão é quem seleciona os mais aptos a continuar nesse mundo. Abandonados pelos governantes, aprendemos a agir sem a mão do Estado que deveria cuidar de seus filhos todos. Buscamos por nossos próprios meios alcançar os grandes e nos tornar como eles.
 
Mas os turistas adoram vir desfrutar de nosso sol, nosso mar, nossas comidas e festas típicas. E voltam felizes para a selva urbana e seu ar poluído. Devo dizer que não prego a superioridade nordestina, pois o que é ser superior? Ter uma herança cultural rica? Receber uma bênção da natureza? Herdar a história de um povo? Mas de modo algum me envergonharei ou sentirei constrangimento de minha origem. Só devemos sentir acanhamento por algo de que somos responsáveis. Podemos nos frustrar por não conseguirmos alcançar os sonhos dos quais não corremos atrás. Podemos nos desesperar por nossa desistência sem luta. Podemos sofrer pela falta de esforço em desenvolver uma habilidade. Mas nunca poderemos nos culpar pela terra-natal. Não escolhi onde nascer, mas não posso mais falar de onde nasci. Posso apenas fazer côro com os milhares, milhões de outros conterrâneos que, como eu, chegaram ao nível de reconhecimento e altura daqueles que não precisaram lutar todo o tempo contra as circunstâncias da vida.

Reconheço um certo chauvinismo regionalista nesse discurso, mas não posso deixar de contestar os que acham que podem me ridicularizar. Não estou pedindo que você ame minha terra, apenas peço que a respeite. Tampouco estou pedindo que você venha morar nela, afinal, talvez lhe falte a aspereza necessária para sobreviver aqui, para encarar a vida severina. Sou do nordeste, lugar de histórias, de cultura, de personagens imortais, de belezas naturais as mais diversas e comidas únicas. Sou do nordeste da fala arrastada, do “oxente”, do São João, do bumba-meu-boi, do cangaço, do cordel. Sou do nordeste da rapadura, da tapioca, das frutas maduras que só tem aqui, das danças folclóricas, das bandas de pífano, da sanfona-zabumba-triângulo. Sou do nordeste de lindas mulheres, não da beleza padronizada, recomendada, mas da beleza agreste que não pede licença e se impõe. Não vou fazer uma lista de nossos herois, pois isso daria um livro de incontáveis páginas. Vou apenas dizer que todo nordestino é um heroi da sobrevivência, da fé, da esperança. Somos herois por aguentar tanto sofrimento e mantermos vivo o bom-humor característico. Se ninguém é por nós, somos unidos para nos fazermos fortes, porque o nordestino é, antes de tudo, um forte.

E sempre que me perguntarem sobre minha origem, sempre responderei: nordestino, sim sinhô!

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