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domingo, 9 de dezembro de 2012

Sugestão de leitura




Título: A Língua de Eulália
Autor: Marcos Bagno
Editora: Editora Contexto
ISBN: 978-85-7244-397-5








– Para dizer a verdade – prossegue Irene –, a Eulália é um poço sem fundo de conhecimento e sabedoria. Todo dia aprendo uma coisa nova com ela. Só de remédios caseiros, feitos com ervas medicinais, dava para encher uma enciclopédia. E como conselheira para momentos de angústia e depressão não conheço melhor psicólogo do que ela.

– Pode até ser – comenta Emília enquanto as quatro se sentam num grande banco de madeira sob um caramanchão. – Mas ela fala tudo errado. Isso para mim estraga qualquer sabedoria.

– Eu tive de me segurar para nao rir quando ela disse aquelas coisas na mesa – acrescenta Sílvia.

– Que coisas? – quer saber Vera.

– Ah, sei lá... agora não me lembro – responde Sílvia.

– Eu me lembro – adianta-se Emília. – Ela disse “os probrema”, “os fósfro”, “môio ingrês”...

– É mesmo – confirma Sílvia –, e a mais engraçada foi: “percurá os hôme”...

Sílvia ri, e Emília a imita.

Irene fica séria por alguns instantes. De repente, vira-se para as duas moças e diz:

Or tu chi se', che vuoi sedere a scranna / Per giudicar da lungi mille miglia, / com la veduta corta d' una spanna?

Sílvia, Emília e Vera, tomadas de surpresa, ficam mudas.

E então? Não querem rir também do que eu disse, como riram das coisas que a Eulália falou?

Mas você falou em italiano diz Vera.

Se era italiano, por que devíamos rir? Eu não posso achar graça naquilo que não entendo diz Emília.

E o que é que você fala? continua Irene.

Eu falo português diz Emília, já intrigada.

E o que é o italiano para alguém que fala português? quer saber Irene.

As moças param um instante para pensar. É Sílvia quem responde:

É outra língua.

Uma língua diferente completa Vera.

Muito bem diz Irene. Vocês não entenderam o verso de Dante que eu citei há pouco porque era italiano. Mas e se eu disser assim: “No mundo non me sei parelha, mentre me for' como me vay, ca já moiro por vos e ay!”?

Esse quase dá para entender, afinal é espanhol diz Sílvia.

Não senhora corrige irene. É português.

Português?! espanta-se Emília.

Português, sim, só que do século XII, Idade Média explica Irene. E que tal alguma coisa assim: “Estou-me nas tintas se não te apetece uma bola de Berlim”?

Vai me dizer que isso também é português? duvida Sílvia.

Claro que é, é português falado em Portugal. Significa: “Estou pouco ligando se você não gosta de comer sonho”.

Vera impacienta-se:

Tia, aonde é que você quer chegar?

Vocês não entenderam o Dante porque o italiano é diferente do português. Vocês não entenderam o português do século XII porque ele é diferente do português de hoje. E não entenderam o português de Portugal porque é diferente do português do Brasil.

E o que tem isso a ver com a fala errada da Eulália? pergunta Emília.

A fala da Eulália não é errada: é diferente. É o português de uma classe social diferente da nossa, só isso explica Irene.

Para mim é errado diz Emília.

É errado dentro das regras da gramática que se aplicam ao português que você fala diz Irene. Mas na variedade não-padrão falada pela Eulália essas regras não funcionam.

(…)

Antes eu quero saber o que foi aquilo que você disse em italiano...

Irene sorri:

São uns versos da Divina Comédia, de Dante. A tradução é difícil, mas significam alguma coisa como: “quem você, tão presunçoso, pensa que é para julgar de coisas tão elevadas com a curta visão de que dispõe?

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