Tiítulo: Amor - um sentimento desordenado
Autor: Richard David Precht
Editora: LeYa (selo Casa da Palavra)
ISBN: 978-85-7734-259-4
No filme Sem Sentido (Senseless,
1998), há uma cena em que o protagonista, um universitário abaixo
da média, participa de um debate em que tenta se destacar. Para
isso, cita uma pesquisa que corrobora seu ponto de vista, e, por
instantes, sente-se vitorioso, até que um aluno bem melhor que ele
cita fatos não divulgados a respeito do próprio estudo, anulando o
suposto sucesso do outro.
Lançar
mão de estudos científicos constitui um elemento discursivo
bastante
utilizado
quando se quer chancelar um
determinado assunto – afinal, a ciência é o
fundamento sobre
o
qual a raça
humana se apoia na busca de razão e sentido para todas as coisas. A
busca por cientifizar tudo chegou até os domínios da paixão e do
amor. No entanto, confiar cegamente em estudos científicos (ou
publicações
próximas disso) faz supor que os mesmos são provas incontestáveis
sobre determinado assunto, mas isso está longe de ser verdade, por
pelo menos dois motivos. O primeiro deles – mais
raro – é que alguns estudos utilizam dados forjados para chegar a
resultados esperados, ou seja, tenta-se validar uma ideia
pessoal, não importa a que custo. O outro motivo, mais sutil e mais
comum, é a interpretação equivocada do
pesquisador sobre sua pesquisa. Às
vezes ele está tão ansioso por provar suas ideias que acaba por
interpretar de maneira tendenciosa os resultados dos testes (algo como
visualizar formas conhecidas em nuvens),
o
que não ocorreria com alguém de
posição neutra para
com a pesquisa.
Nesse contexto, a obra de Richard
David Precht, Amor – Um Sentimento Desordenado, é uma luz
em meio às trevas. A literatura que mescla ciência e sentimentos
está repleta de livros que tomam animais para parametrizar o
comportamento humano, ou que reduzem a complexidade de nossas
escolhas e decisões a meros fenômenos químicos que ocorrem em
nosso corpo, ou ainda afirmam que todas as nossas ações não passam
de capricho de nossos genes. Precht esmiúça todos esses estudos,
sem medo de citar nomes, mostrando as circunstâncias em que tais
estudos foram concebidos e contando a biografia de seus autores. Ao
contrário da maioria deles, Precht defende, lucidamente, que não
somos guiados por nossos instintos, mas que nossa consciência os
subjulga, tornando-nos responsáveis por nossos atos e escolhas.
Seu livro não é de leitura fácil –
deve-se ler atentamente, pois as ideias apresentadas são complexas.
De preferência, é um livro que deve ser lido sem interrupções,
pois o encadeamento das ideias é de tal modo coeso que até torna-se
difícil retirar uma citação do texto de modo que não prejudique
seu entendimento por estar fora do contexto original. No entanto,
constitui uma leitura extremamente recompensadora.
Precht apresenta alguns conceitos e
pesquisas interessantes (algumas novas, outras remodeladas). Um deles
é um estudo canadense que deduz que nos tornamos mais propícios a
paixões em situações de adrenalina – qualquer uma. Isso explica
porque é fácil surgirem relacionamentos em meio a grandes eventos,
como shows e viagens marcantes – e menos em supermercados. Mas os
principais conceitos são os que fazem a clara distinção entre
desejo, paixão e amor – tantas vezes confundidos pelos amantes. O
desejo tem origem em nosso sistema orgânico básico. Não é preciso atrelá-lo
a qualquer sentimento. Essa é a razão pela qual os homens parecem
insaciáveis na busca pela maior quantidade de mulheres possível,
deixando de lado preceitos morais da sociedade – a mesma sociedade
que recomenda às mulheres que ocultem seus desejos, fazendo crer a
muitas pessoas que elas são desprovidas de tal coisa, confundindo
sua sexualidade. Por sua vez, a paixão, bem conhecida de todos, é o
que a maioria das pessoas entende como sendo amor, mas na verdade
está mais para distúrbio. A nível biológico, estar apaixonado
custa caro ao organismo, devido a descarga extra de hormônios,
prejuízo ao raciocínio, alteração da frequência cardíaca, entre
outros sintomas. Por isso não é de durar muito tempo – de acordo
com pesquisas, quatro anos seria o máximo. Já o amor é o
sentimento sereno, por vezes duradouro, sem riscos orgânicos, que
todos buscam ter.
Entender como funcionam esses três
sentimentos e saber que eles são independentes é bastante útil.
Para isso, a leitura de Amor – Um Sentimento Desordenado é assaz
esclarecedora.
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