Título: O Imperador de Todos os Males – Uma Biografia do Câncer
Autor: Siddhartha Mukherjee
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 978-85-3592-006-2
O ser humano teme muitas coisas.
Particularmente, ele teme o desconhecido. Teme o que não compreende
e, consequentemente, não pode controlar. Muitas doenças estão
nesse patamar, lembrando ao homem sua finitude e fraqueza biológica,
a despeito dos grandes progressos da raça humana. Dentre todas as
doenças, existe uma em especial cujo nome, em alguns lugares,
hesita-se até ser pronunciado. “Uma doença que na verdade não é
uma, mas várias”. É essa enfermidade que conhecemos por câncer.
A natureza do câncer, para o público
leigo, é envolta em mistério. Conhece-se apenas as poucas
informações que nos chegam através dos meios jornalísticos, como
substâncias que podem causar câncer ou formas de preveni-lo.
Felizmente, esse público pode contar agora com uma importante fonte
de informações quanto a esse assunto. O Imperador de Todos os
Males, de Siddhartha Mukherjee,
cumpre bem o papel a que se propõe (exposto no subtítulo): ser uma
biografia do câncer. O autor, com formação em biologia, imunologia
e oncologia, descreve desde os possíveis primeiros relatos
conhecidos da doença (há milênios atrás), até o estado da arte
do tratamento do câncer. Nomes, datas, lugares, procedimentos,
descobertas, pesquisas, estudos. Toda a miríade de elementos que
fazem parte da história desse mal que ainda assola livremente é
contada e entrelaçada em detalhes.
No
entanto, engana-se quem pensa encontrar um relato técnico, frio,
impessoal. Não à toa a obra ganhou o prêmio Pulitzer de 2011. Os
personagens não são uma relação entre um nome e uma pesquisa que
contribuiu para o conhecimento ou tratamento do câncer, mas pessoas
reais, com sentimentos reais, frustrações, esperanças, angústia,
decepção, receios. O autor apresenta-os com descrições físicas e
emocionais, ajudando-nos a construir a imagem de um ser humano que
faz pesquisa, e não de um pesquisador que por acaso é também
humano.
Mukherjee
não poupou esforços nem tinta para redigir sua obra. Ela é fruto
de extensa pesquisa e não são poucas as referências presentes no
livro – acadêmicas ou não. Prova disso são suas pouco mais de
seis centenas de páginas ricas em detalhes. Tão elaborada que em
dados momentos leva-nos a crer que se trata de obra de ficção, com
autor onisciente e que conhece o desenrolar dos fatos vindouros, e
não um relato de uma guerra contra a mais terrível das doenças. O
realismo da leitura, construída fato sobre fato, em sua maior parte
linearmente, faz-nos crer que a história terá um final feliz. Um
fio de esperança se aloja em nosso íntimo à medida que avançamos
na leitura, embora, sabendo que há tratamento para apenas alguns
tipos de câncer, isso infelizmente não é possível.
Duas
observações saltam aos olhos do leitor atento. A primeira é que a
frase de Newton adequa-se perfeitamente à história do câncer: “se
consegui ver mais longe, foi porque estive apoiado sobre ombros de
gigantes”. O câncer é uma doença bastante complexa, e seria
impossível a uma única pessoa – ou mesmo a um pequeno grupo –
descobrir seus engendramentos. O conhecimento atual que temos foi
construído ao longo de décadas, por médicos, biólogos e
cientistas de diferentes países, dedicados ou não ao câncer,
através de descobertas intencionais ou acidentais, algumas
aparentemente sem conexão com a doença (ou com qualquer outra
coisa), mas que, de alguma maneira, convergiram de modo feliz para
que avançássemos no conhecimento clínico a seu respeito. Um
trabalho obscuro, realizado por um desconhecido, publicado em um
jornal médico pouco conceituado por vezes tornou-se base para que
outros ultrapassassem os limites da fisiologia do câncer de sua
época.
A
segunda observação é que a história dessa doença muito pouco tem
a ver com o governo ou com a indústria farmacêutica. O
desbravamento do câncer partiu e foi constituído em grande parte
por idealistas, apaixonados, persistentes, reticentes, impulsivos,
metódicos, alguns fanáticos e um punhado de loucos. Foi a
iniciativa, a dedicação e o trabalho duro de cada um que alavancou
e direcionou a luta contra o câncer. O mérito das pequenas vitórias
está distribuído ao longo de centenas de nomes em variadas épocas
e muitos lugares. São muitos os louros a serem dados, e ainda há
muitos aguardando seus merecedores, pois a batalha contra essa
temível enfermidade ainda está em curso e sem data para terminar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário