Quem é normal: quem bebe ou quem não bebe? Por que as pessoas que bebem o fazem de maneira tão capitular? É possível se divertir sem beber?
“... e muita cerveja!”. Essa é
uma expressão bastante empregada para finalizar uma enumeração de
itens que remetem à diversão, normalmente de um final de semana.
Esse é um componente imprescindível, onipresente, reverenciado. Seu
destaque é dado pela última posição na lista. Pode haver várias
coisas: comida, música, até mulheres. Mas ela está lá, soberta,
altiva. A comida pode não ser muito boa, as mulheres podem ser
feias, mas a cerveja tudo redime. Apenas ela não pode ser de baixa
qualidade. “E muita cerveja”. Esse é o real motivo dos
encontros, das confraternizações. Entornar litros e mais litros do
líquido mágico que promete euforia e olvidamento dos problemas –
mas não a solução deles.
Beber não é uma atividade moderna.
Cada povo, em cada época, desenvolveu, a partir de suas
matérias-primas (quaisquer que fossem), bebidas alcoólicas e festas
onde eram destaque – quase me fazendo crer que a humanidade está
predestinada a produzir e consumir álcool. Mudar uma atitude de
milênios configura-se numa impossibilidade prática frente ao poder
que a bebida desperta nas pessoas. Meu intuito não é aniquilar a
bebida do mundo – embora meu desejo mais profundo seja –, apenas
questiono o real motivo de as pessoas beberem de modo tão
condescendente.
Somos afetados pela cultura. Em todos
os aspectos, inclusive em muitos que nem sequer imaginamos ou nos
recusamos a acreditar. Algumas pessoas são menos influenciáveis,
conseguindo tirar sua próprias conclusões e escolher suas
preferências pessoais. Infelizmente, esse grupo constitui a minoria.
A maior parte da população aceita tacitamente os ditames da
sociedade em que está inserida e os abraça com paixão, incapazes
de questionar o que é bom ou ruim para si próprios, o porquê fazem
determinada coisa ou avaliar as consequências de seus atos. Claro,
isso também reflete diretamente no nível de bebida que cada
indivíduo consome. Até porque são poucas as pessoas que de fato
apreciam o sabor da bebida. Muitas simplesmente insistem até se
acostumarem com o gosto – o mesmo que ocorre com a comida japonesa,
por sinal.
É inevitável classificarmos as
pessoas que bebem em dois grupos principais: os que se aninham sob o
título de que “bebem socialmente” e aqueles que “bebem até
cair”. Esses conjuntos não são disjuntos em sua essência,
podendo haver elementos (e normalmente há) que, a depender do dia e
ocasião, estão ora em um grupo e ora em outro. Mas o normal é
haver um grupo com o qual há mais afinidade.
Beber socialmente significa que o
prazer reside no fato de se reunir com outras pessoas para propósitos
de celebração e, para animar os ânimos (e seguir a cartilha),
tomar alguns copos de bebida. Porém, isso não significa perder
parte da – ou toda a – consciência. De fato, os ânimos serão
alterados em maior ou menor medida, embora pareça ser uma situação
que não oferece muitos riscos aos que a praticam.
Já para o segundo grupo, o dos
bebedores inveterados, a situação se agrava um pouco. O elevado
nível de álcool que consomem pode causar uma série de transtornos,
desde os físicos (acidentes no trânsito), de saúde (a síndrome do
delirium tremens) e sociais
(brigas, etc.).
Embora esses problemas sejam
conhecidos de todos – quer bebam quer não –,
muitas pessoas não querem –
ou não conseguem – mudar seus hábitos. A
história é pródiga em casos de pessoas que perderam a carreira –
e, em alguns casos, a própria vida – devido ao consumo excessivo
de álcool. E, para não
ficarmos nos estereótipos, há tanto casos de pessoas sem instrução
como graduados (basta lembrar
dos casos Garrincha e
Sócrates).
O vício independe do nível
cultural da pessoa.
Mas
também seria injusto afirmar que todos os que se inserem nesse grupo
– o dos bebedores contumazes – são pessoas que não produzem
nada em suas vidas. De fato, muitos deles – embora acredite não
ser
a maioria – são alunos e profissionais de destaque nos meios onde
atuam. Apenas se valem da
bebida como escape ao acúmulo de trabalhoo
ou algo do tipo. Esse
fato se torna mais verdadeiro se tomarmos como exemplo a civilização
europeia, onde se consome mais álcool que no Brasil – embora os
excessos pareçam
ser
menos, uma vez que o consumo é distribuído de maneira diária, e
não concentrado nos finais de semana, como
ocorre por aqui.
A questão central é: por qual motivo
as pessoas bebem? Naturalmente não há uma única resposta.
Possivelmente há um pequeno grupo delas, os quais descobriríamos
através de uma enquete. Na impossibilidade desta, podemos fazer
algumas suposições – acreditamos, plausíveis. Um dos motivos
seria de ordem social. Bebe-se para integrar-se ao grupo. O
testemunho de pessoas que afirmam que, de início, não lhes caía
bem o gosto da bebida, mas terminaram por se acostumar a ele,
demonstra que o sabor não é, muitas vezes, a motivação para
manter uma vida de ebriedade. Conheço inclusive gente que, na
impossibilidade de beber, começou a fumar para ter alguma
identificação com o grupo de que fazia parte. A pergunta é: até
onde esses seres são capazes de chegar a fim de serem aceitos e se
identificarem com o grupo? Cometeriam atrocidades contra outrem?
Receamos saber a resposta.
Um outro motivo plausível seria o de
afastar os problemas – na verdade, o correto seria dizer “afastar
a lembrança dos problemas”. É bem pouco provável que alguém
tenha conseguido resolver ou esquecer definitivamente seus problemas
bebendo. Trata-se apenas de uma ilusão temporária, mas muitos não
reconhecem isso, insistindo no vício até que esse os consuma. Não
podemos dizer que uma pessoa que não consegue dar conta de seus
problemas e busca no vício uma escapatória não precise de ajuda
especializada. Álcool é uma droga, no final das contas, como são
todas as outras estigmatizadas pela sociedade. Encontrar o limiar
entre o uso ocasional e a dependência nem sempre é fácil.
E há ainda aqueles que podem alegar
beber apenas por diversão. Não duvido que seja verdade, mas um
comportamento recorrente nesse grupo é o fato de que, para eles,
essa é a única forma de diversão de que alguém pode desfrutar.
Perseguem e zombam dos que conseguem se divertir sem o auxílio de
tóxicos. Ora, cada um sabe o que lhe convém. Acaso os que não
precisam de substâncias para espairecer não são os mais fortes?
Lembro que há muito tempo o canal aberto de televisão veiculou a
seguinte propaganda: em uma boate, um homem se aproxima do balcão.
Outro sujeito, com duas mulheres, ridiculariza-o, sugerindo ao
atendente que lhe dê leite. O primeiro homem então pede uma bebida
de alto teor alcoólico, ato que desperta o encantamento das
mulheres, que lhe vão fazer companhia, abandonando o acompanhante de
início. Será que esse é um modelo a ser mostrado como saudável?
Será que o homem que bebe é mais másculo, ama melhor, é mais
interessante? É impressionante como muitas pessoas dão fé a esse
modelo. No fundo, não passam de incapacitados que necessitam de uma
muleta para fazer coisas das quais não têm coragem quando estão
sóbrios. A própria pergunta que costumam fazer, espantados – “por
que você não bebe?” –, é equivocada. Ora, o natural é não
beber. Quem bebe é que deve explicar seus motivos, e não o
contrário.
Sonho com o dia em que as pessoas
serão julgadas não pela quantidade de álcool que consomem, mas
pela lisura de suas atitudes.
Sou um dos que bebe nesse mundo. Tenho que admitir que em um dado momento, entrei na "mania popular" assim como um bom percentual da raça humana. Como você disse, somos afetados pela cultura. Temos cultura de beber para esquecer os problemas (não apagando-os), cultura de tomar anti-histamínicos (mesmo sabendo que frutas resolvem sua gripe), cultura de fumar para sentir o prazer (mesmo sabendo que é provável não viver até os 60). Tudo tem riscos e benefícios. O álcool, em meu ver, quando não extrapolados os limites, não traz riscos muito altos a sociedade. Existem até inúmeras pesquisas apontando para benefícios ao corpo relativas ao consumo de álcool em pequena quantidade. O mesmo não acontece, por exemplo, com o cigarro. Os problemas que ocorrem são, ao meu ver, relativos a falta de limites da nossa sociedade. As pessoas não seguem regras para convivência salutar, e o consumo excessivo de alcool aumenta as consequências desse tipo de comportamento. Ademais, o álcool, assim como outras drogas são comumente associados a criatividade e inovação. Muitos talentos musicais afirmam que estavam sob efeito de alguma droga ao criar composições extremamente criativas/complexas. Não estou com isso afirmando que não se possa compor sóbrio, mas é visível que o uso de substâncias possa facilitar o processo.
ResponderExcluirEsse pensamento sobre o uso de drogas já foi alvo de dois filmes que gostei muito: Sem Limites (Droga NZT) e Planeta dos Macacos - A Origem (Droga ALZ 112). No Sem Limites é sintetizada uma droga que viabiliza o uso de um percentual maior das capacidades do ser humano, sempre com seu efeito coleteral, mas descobre-se uma formulação e dosagem razoavelmente segura para uso. Vejo como um artifício pra usarmos um pouco do nosso percentual não usado do cérebro.
Enfim, como dizia a nação zumbi, uma cerveja antes do almoço é muito bom pra ficar pensando melhor. ;)
Leitura complementar:
-> Benefícios do Alcool (na Saúde) -> http://drauziovarella.com.br/dependencia-quimica/alcoolismo/beneficios-do-alcool/
Defendo que beber ou não beber é questão de escolha pessoal, assim como ingerir café, gordura ou outras coisas (nada é totalmente bom nem totalmente ruim). O problema, a meu ver, é a glamourização da bebida. Pior ainda é a perseguição indireta contra os que não bebem. Isso é intolerância, que é a razão da maioria dos conflitos do mundo.
ExcluirSe não existissem comidas altamente saudáveis, eu entraria pro time dos que bebem em favor da saúde.
ResponderExcluirOs benefícios do álcool são tão relativos e, digamos, difĩceis de obter, quanto os do bacon e do catupiry. Defendo que tudo seja moderado e baseado no gosto pessoal de cada um, sem reprimendas e com decisões baseadas em conhecimento.
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