Descobri muitas coisas depois que
cresci. Algumas surpreendentes. Descobri que há pessoas que deixam o
chuveiro aberto durante todo o tempo de banho. Na minha infância,
não imaginava que poderia haver pessoas assim. Se houvessem, o
governo deveria mandar prendê-las. Como seria possível? Na minha
ingenuidade, as propagandas que alertavam que se devia fechar a
torneira ao se ensaboar não serviam para ninguém, afinal, quem
seria capaz de tal absurdo? Absurdo não: crime. Na minha infância
de bairro de periferia água era raridade. Foram muitos os anos em
que o líquido precioso não chegava nas casas, os canos secos,
buracos sendo abertos fartamente em busca do encanamento mais
profundo onde provavelmente encontraríamos água, as latas indo e
vindo, cheias e vazias, nas mãos e nas cabeças dos seres de passos
apressados em cuidar da próxima viagem, se molhando e lutando para
não desperdiçar as gotas que faziam falta. O sacrifício para
encher tudo que pudesse abrigar água nos ensinava a zelar por ela,
utillizá-la com bastante parcimônia. Mas, quando cresci, descobri
– aterrorizado – que havia pessoas que deixavam o chuveiro aberto
durante todo o tempo de banho. O que era irreal para mim de repente
materializou-se em seres que desperdiçavam água como se não
tivesse valor...
Outra coisa que descobri é que quase
ninguém come miúdos de boi. Eu comia miúdos de boi. Minha família
comia. Para mim isso era uma verdade universal. Mas, quando cresci,
descobri que as outras pessoas quase todas não comiam miúdos.
Conheci pessoas que tinham repugnância do fato. Conversei com outras
que sequer sabiam que isso era possível. Li que nos Estados Unidos –
país longe e rico – o governo fez campanha para as pessoas comerem
miúdos de boi*.
Descobri também que a maioria das
pessoas têm problemas com seus dentes do siso. Não lembro de
ninguém na minha família que passou por isso. Eu não removi meus
dentes do siso. Até pouco tempo esses dentes eram anônimos para
mim. Hoje todos que conheço lamentam seus dentes do siso.
Fiquei sabendo recentemente que as
crianças que foram minhas contemporâneas se divertiram com os
primeiros jogos eletrônicos. Eu nunca joguei esses jogos
eletrônicos. Elas experimentaram vários jogos e suas versões
aprimoradas. Conheceram personagens que se lhes tornaram íntimos. Eu
não conheço tais personagens. Sinto saudade da época que não
vivi.
As mães dessas crianças também as
ensinaram a andar de bicicleta. Minha mãe não me ensinou a andar de
bicicleta. Ela nunca andou de bicicleta. Hoje ainda não sei aindar
de bicicleta.
Hoje sei que há pessoas que não
tomam café da manhã. Eu tomo café da manhã. Sempre tomei café da
manhã. Essas pessoas não o fazem não porque não tenham o que
comer. Não o fazem porque não querem. Elas não sentem fome. Eu
sinto fome. Sempre senti.
Agora vejo que todo mundo pega
empréstimo. Eu não sabia disso. Meu pai me ensinou que isso tinha
ares de pecado. Não gosto da ideia de pecar – me imaginava sendo
transformado em pedra. Mas o mundo mudou. Até eu já peguei
empréstimo. Pequei. Mas não devo mais. Estou limpo. Ainda bem que
não virei pedra.
Mas o mais de minhas descobertas foram
tristes. Não acreditava que existiam filhos que não gostassem e
desrespeitassem seus pais, até saber de filhos que os assassinaram.
Vi que há pessoas más que usam seu tempo para fazer mal aos outros,
mesmo a desconhecidos. Soube que há inconsequentes que têm prazer
em destruir a natureza. Sei que pessoas cometem crimes e não são
punidas. E pessoas que se defendem e são condenadas. Quem faz o bem
é julgado, quem pratica o mal é aplaudido. A maioria dos casais não
se amam, apenas se suportam. E loucos fazem guerras.
Por que cresci?
* Durante a Segunda
Guerra Mundial, devido à escassez de carne, os miúdos (offal)
constituíam um substituto alimentar equivalente em termos
nutritivos.
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