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quinta-feira, 4 de abril de 2013

Relato de um assalto (parte III)


A queixa

Por fim, resolvo seguir os trâmites legais. Vou em casa pegar os documentos necessários para proceder à queixa. Durante o caminho, tomo o cuidado de notar se avisto o marginal em algum lugar. Contudo, não quero dar de cara com ele. Não o vejo em canto algum e finalmente estou de volta à delegacia. Anuncio novamente que desejo prestar uma queixa. Após as perguntas básicas (“de quê?”, “quando foi?”, “onde foi?”) – já era outro atendente no balcão –, o homem vai lá dentro verificar se há alguém para me atender. Retorna e diz para segui-lo. Conduz-me por um corredor estreito, com bifurcações fugidias. Indica-me uma sala com o número quatro na porta, fechada. Parado ali, não sei o que me aguarda lá dentro. Nunca havia prestado queixa e não dispunha de informações de como seria.

Bato à porta e entro. Três mulheres. Três mulheres conversam ruidosamente, cada qual em um computador, sentadas lado a lado. Duas delas têm aproximadamente a mesma idade – por volta dos quarenta e cinco anos. Uma delas não é hostil, mas não chega a ser simpática. A outra é carrancuda, mal-encarada, provavelmente contaminada pelos anos de serviço público. A terceira é jovem, pouco mais de vinte anos. Um desavisado diria que não trabalhava ali, devido a não demonstrar tanta intimidade com o ambiente – que comumente é dominado por pessoas acima dos trinta anos. Lembro a sabedoria milenar chinesa, incrustada em sua escrita: o ideograma que representa confusão é denotado por três mulheres juntas. Nenhuma delas parece notar minha presença – ou antes, importar-se com ela. Levanto minha voz acima das suas para confirmar se entrei na sala certa. Uma delas – a primeira descrita –, voltando-se a mim, reponde-me afirmativamente e principia o procedimento de praxe. Tomo a liberdade de sentar-me na cadeira postada defronte a ela, imaginando que não me convidariam a fazê-lo.

O trabalho é feito entrecortado por conversas paralelas: casa, amigos, fulanos, fulanas. Do relatório constam perguntas extremamente vitais para a questão: “você é casado?”. O processo segue lentamente; penso estarem zombando de mim. Estou visivelmente aborrecido. Cruzo os braços e solto muxoxos. A mulher pergunta: “Ele estava armado?”. Respondo (mais uma vez) que ele afirmou estar, mas não exibiu a arma. Em dúvida, ela pergunta à outra: “É ‘outras’, né?”, referindo-se à modalidade do assalto. “É!”, responde a mulher, a mal-encarada, “Se ele não viu...”. Retruco: “Da próxima vez peço pra ele mostrar!”. 

Entra um senhor na sala, ostentando pouco mais de cinqüenta anos. Não dou muita importância, preocupado demais com minha revolta. O homem caminha com o auxílio de muletas e senta com dificuldades, a meu lado. A outra mulher – a ranzinza – vai registrar sua queixa, exasperando-se a uma média de duas perguntas. Nesse intervalo, a que está a me atender sai da sala. Vai ligar para a filha. Fico lá, esperando, sentindo a ineficiência do Estado. Percebo que a [mulher] mais nova me observa de forma intermitente. Talvez por compadecimento de minha apreensão diante da fragilidade do combate ao crime, talvez pela surpresa em deparar-se com alguém que realmente esperava ação por parte da polícia – quando é sabida sua inércia.

A mulher volta do telefonema, faz as considerações finais – agora acompanhada da mais jovem – e entrega-me uma folha impressa, que a custo é que se consegue ler. Volta-se para um dos homens à espera – agora há uns três – e pergunta:

– O senhor é o quê?

Eu, com a folha na mão, esperava alguma conclusão do procedimento. Pergunto à mais jovem se é só isso. Ela afirma que sim. E o papel? O que fazer? Guardar? Ela dá de ombros, dizendo para fazer dele o que achar melhor. Insatisfeito, coloco-o dentro da bolsa e saio. Na recepção, olhares indiferentes. Tenciono perguntar a alguém como proceder depois da queixa. Desisto. Do lado de fora, sinto-me ultrajado; o primeiro contato com nossa força policial reforçou a desconfiança que lhe reservava. O que fazer agora? Ir para casa e esperar que me liguem? Improvável. Melhor prosseguir meu caminho. Pergunto as horas a uma mulher sentada ali perto. Quase duas. Concluo que foi um capítulo terminado no curso dos acontecimentos daquele dia. Saio dali e tomo o ônibus. As últimas lembranças me perseguem. Termino por afastá-las. Esquecer o ocorrido, assim como o Estado esquece-se de cuidar dos seus. Ponho-me a ler o noticiário semanal, tomando o cuidado de saltar as páginas sobre Brasil.

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