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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Novidade na cozinha

O número de homens que cozinham vem aumentando. Será que isso tem relação com as bandeiras feministas?


Tenho conhecido recentemente alguns casais jovens e não deixei de observar um traço comum entre eles: em grande parte, quem cozinha é o homem. E não falo apenas do arroz com feijão: pratos requintados (em maior ou menor grau, isso vai depender da comida ordinária) inclusive. E mais: eles não o fazem por obrigação, mas por prazer. Antes que alguém se levante para consultar estatísticas que contestem minha suposição, quero registrar que tal mudança parece ser mais comum nos casais de maior instrução – onde, historicamente, se processam a maioria das mudanças, para depois serem replicadas hierarquia social abaixo. Que reviravolta será essa que está ocorrendo? 

Cozinheiros sempre houve. Na Idade Média, nas cortes, nos recrutamentos, era comum – se não regra – um homem assumir as funções na cozinha. Até aos dias de hoje, as estrelas do guia Michelin são em sua maioria homens. Esse fato contrasta com o dado de que, nos lares e cozinhas livres de qualquer pretensão gastronômica (como hospitais, por exemplo), as cozinheiras reinaram absoluta. No entanto, é fácil entender essa aparente discrepância ao lembramos que, durante boas centenas de anos, às mulheres era negado qualquer exercício de função fora do âmbito familiar, o que incluía ser cozinheira profissional. E como alguns aspectos são difíceis de alterar culturalmente, o posto de cozinheiro-mor ocupado por um homem permanece até nosso tempo.

Mas o outro posto, o de cozinheira-padrão assumido pelas mulheres, parece estar em declínio – ou, para usar um termo mais brando, em ruptura. De repente, vários homens invadiram o espaço antes dominado pelas mulheres e o estão dividindo igualmente ou, em certos lares, com vantagem. Mas qual a explicação para isso? Talvez já haja algum estudo antropológico sério a respeito desse fenômeno, mas aqui quero apenas expor algumas suposições minhas baseadas em observação e raciocínio.

É pouco provável que você já tenha presenciado um menino aprendendo a cozinhar em casa. Culturalmente, isso não nos é ensinado. Mas com o passar dos anos, dois motivos em especial levam os homens a se dedicar ao ofício. O primeiro – e aqui os cito sem qualquer ordem prestabelecida, uma vez que é difícil precisar qual deles seria o mais motivante – é que cozinhar pode ser um aliado importantíssimo na “dança do acasalamento”. Sabe-se lá por qual motivo, muitas (ou todas?) mulheres acham excitante um parceiro com boa desenvoltura culinária. E como encantar uma mulher é uma das maiores prioridades do gênero masculino, vale mais a pena quebrar tabus que se arriscar a perder uma valiosa vantagem competitiva de galanteio.

A outra razão que pode explicar a ascenção do homem na cozinha doméstica é o fato de eles, mais que as mulheres, passarem algum período de suas vidas morando sozinhos ou em repúblicas, em quartos compartilhados. A vantagem na economia dos rendimentos é um forte argumento para se aventurarem em meio a molhos, panelas, verduras e outros condimentos. A independência traz responsabilidades, obrigando-os a arcar com elas, mesmo que seja algo que ninguém os ensinou antes. Talvez um terceiro motivo seja o desejo de dividir as responsabilidades domésticas com a companheira, dado o alvoroço em torno das jornadas de trabalho femininas – e esse compadecimento é mais comumente encontrado, como dito no início, nos casais mais instruídos, onde o homem tem conhecimento dos anseios femininos.

Como dito antes (e o leitor atento se recordará), os homens estão passando a cozinhar, enquanto as mulheres estão fazendo o movimento inverso. Ora, se vale uma análise do porquê de os homens estarem agindo assim, cabe também especular os motivos de as mulheres os deixarem tão à vontade nessa função.

Historicamente, as mulheres sofreram diversos tipos de repressão: não escolhiam com quem se casar, não tinham direitos (políticos ou qualquer outro), não podiam trabalhar, entre uma infinidade de outras coisas. O movimento feminista plantou a semente da liberdade para elas, que hoje já podem se refestelar à sombra da árvore que dela brotou*. Como todo movimento de contestação, era necessário que os primeiros passos do feminismo fossem ir de encontro a tudo que representasse o sistema de opressão: roupas, obrigações, cerceamento. Mas hoje, décadas após seu estabelecimento definitivo (sim, pois houve movimentos pró-mulheres já à época da Revolução Francesa, mas não vingados), é necessário constatar que a maior conquista do movimento foi a liberdade de escolha, seja de conduta, de profissão ou de atividades domésticas. O que muitas mulheres não entenderam é que não é mais necessário negar antigos ícones do machismo. Se a mulher prefere a vida doméstica a lançar-se no cruel mercado de trabalho, que mal há? Se elas de fato preferem ciências humanas ou biológicas, que se há de fazer? Mas como é preferível fazer algo pela própria vontade que por obrigação, o hábito de cozinhar, antes dever inalienável, agora passa a ser visto como símbolo de agressão contra sua vontade, por isso o abominam. Ficar em casa cuidando dos filhos? Não, isso é para mulherzinhas. 

Muitas feministas ainda enxergam barreiras em tudo – e essa é minha maior crítica a elas. Por exemplo, pergunte a qualquer aluna de engenharia sobre as dificuldades de sua escolha pelo curso. Provavelmente todas serão referentes às dúvidas quanto ao futuro da profissão ou aptidão para a área – dificuldades compartilhadas por todos os alunos em qualquer curso e área. Duvido que tenha encontrado faixas com dizeres perniciosos e turbas revoltadas por uma mulher ter escolhido um curso onde a maioria dos alunos são do sexo masculino. Esse tipo de pressão não existe – pelo contrário, é mais provável que haja faixas de boas vindas da parte dos alunos masculinos. O que pode ter ocorrido é ela ter ouvido uma ou outra pessoa (provavelmente da família) referir-se ao curso como “de homem”, e nada mais. Se isso é considerado perseguição de gênero, então é impossível viver nesse mundo. Ouvimos muitas coisas diariamente. Dizem que não podemos fazer algo ou estar em determinado lugar porque somos feios, pobres, inteligentes, tolos, altos, baixos, gordos, magros, carecas, cabeludos, tatuados, destatuados, índios, negros, brancos, amarelos, ébrios, abstêmios, homens ou mulheres. Deixar-se atingir por argumentos tão pouco convincentes é prova de que não somos capazes de sobreviver nesse mundo e melhor seria desistir dele.

Existe sim um tabu de que homem não cozinha, mas muitos jovens rapazes decidiram arriscar-se na tarefa, e perceberam que o tabu nem é tão tabu assim. É isso que falta a muitas feministas: enxergar que muitas barreiras não mais existem, portanto, podem parar de lutar contra moinhos de vento. O que falta, isso sim, é as mães – enquanto representantes do gênero e classe – educarem seus filhos do modo mais igualitário possível, o que significa ensiná-los habilidades que lhes serão úteis, independentemente do sexo – se virar sozinhos. Muitas mulheres também moram em repúblicas, mas muitas contam com a total assistência materna para cozinhar e lavar roupas, enquanto os homens são deixados a seus próprios cuidados. O que muitas feministas não compreendem é que estamos no momento de ensinar as mulheres a seguirem os caminhos que quiserem, e não manterem-se na caverna apenas porque sempre estiveram lá.

Enquanto as feministas permanecem quixotescas e as mulheres ensaiam voos mais altos, os homens seguem ocupando espaços outrora unicamente delas, acumulando também duplas jornadas, sem contudo serem impelidos a isso, sem reclamar e sem fazer caso. Apenas divertem-se.


* Não estou dizendo que não há mais conquistas a serem feitas; o que quero dizer é que já há frutos (muitos) a serem colhidos.

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