Não faz muito tempo, os termos “rei
do camarote” e “agregar valor” se tornaram parte integrante do
vocabulário dos que usam ao menos um pouco a Internet. O motivo foi
um vídeo de um suposto endinheirado que torrava milhares de reais em
uma única noitada, e que gerou uma onda de repúdio à conduta tão
hedonista. A matéria foi divulgada em um veículo de grande
projeção, mas depois ficou-se sabendo que se tratava de uma
montagem de um grupo humorístico: o ricaço não era ricaço; a
esnobação não era esnobação; a verdade não era verdade e a
indignação tornou-se em risos.
Grande parte dos internautas deitaram
a tripudiar sobre o conglomerado jornalístico responsável,
acusando-o de não possuir jornalismo profissional – principalmente
os que discordam da ideologia política do grupo. Sim, eles podem ter
errado, mas sempre é bom lembrar que o campo do erro é a grande
interseção de todos nós, seres individuais ou entes coletivos,
legalmente constituídos ou livremente independentes. E afinal,
mesmo que a pessoa que aparece no vídeo não fosse quem dissesse
ser, sabemos que há pessoas reais que se portam tal qual descrito
ali – inclusive surgiram outros vídeos na Internet de pessoas que
reivindicavam para si o título de “o verdadeiro rei do camarote”.
Mas houve uma grande lição nisso tudo, e não foi o reforço com o
cuidado de o jornalista analisar suas fontes. Foi uma lição
importante, mas que a maioria preferiu ignorar.
Gente endinheirada torrando dinheiro
com frivolidades sempre causa comoção nas pessoas. Proferem
injúrias, conjuram impropérios, chamam-lhes maus. As pessoas se
indignam com o fato de haver tantas pessoas padecendo fome, sede,
frio; necessidades as mais diversas, enquanto há outras alheias a
tudo isso, gastando seus recursos em benefício próprio, com vistas
apenas à diversão. É inegável que esse dinheiro poderia ajudar
muitas pessoas, mas a questão da obrigatoriedade de contribuir com
causas sociais é bastante melindrosa. Mas esse ainda não é o
ponto.
Diversos afirmaram que, se estivessem
no lugar do rapaz do vídeo, ajudariam muitas pessoas, doando grandes
somas de dinheiro. A questão é: não é necessário ser rico para
ajudar alguém. Para os realmente necessitados, toda ajuda é
bem-vinda. E não apenas de dinheiro. Pode ser uma palavra de
consolo, doação de utensílio, mesmo usado (roupa, eletrodoméstico,
móvel), uma carona, uma hospedagem, uma cesta básica, um conselho.
A maioria de nós pode ajudar minimamente de alguma forma, mas é
mais confortável nos escondermos sob a declaração de que não
podemos ajudar porque não somos milionários o suficiente. Mas o
que é pouco para o rico, é muito para nós. E o que é pouco para
nós, é muito para alguém. Basta procurarmos com vontade para
encontrar quem necessita.
Há idosos abandonados em asilos que
ficariam felizes em ter com quem conversar em tardes de domingo. Há
crianças lutando sozinhas contra o câncer sem saber até quando
estarão vivas. Há pessoas morrendo de fome nas ruas imundas, que
ficariam satisfeitas com o resto de nossas refeições que
desperdiçamos. Há jovens estudantes na periferia sem qualquer
perspectiva de futuro, optando pelo crime como caminho mais óbvio
por não ter quem lhes indique outro caminho. Há gente morando em
casebres infestados de insetos que os picam constantemente. Há
crianças abandonadas em orfanatos que nunca saberão o que é uma
família. Há menores infratores que pioram a cada vez que são
detidos em centros de recuperação, sem nunca saber o que é amor.
Há presidiários que nunca conseguirão mudar de vida por não
saberem como isso é possível. A maior necessidade do mundo não é
resolvida com dinheiro, mas com afeto, com compadecimento, com uma
palavra de conforto e boa vontade. Criticar quem tem muito dinheiro
como se apenas eles tivessem a obrigação de ajudar é ter apontado
quatro dedos acusadores para si. A oportunidade de ajudar está mais
perto do que supomos, e é mais simples do que imaginamos.
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