Estava em pé à porta
de casa, observando a amiga que despedira-se há pouco. Esta havia-se
detido por alguns instantes no caminho, conversando com uma senhora
amiga sua. Contava quatorze anos e era franzina de corpo – havia
quem lhe desse onze anos –, mas tinha um rosto bonito e cabelos
longos. O sorriso mostrava uns dentes bem regulares e brancos.
Parecia-se com sua mãe e, a julgar pela semelhança, viria a ter um
corpo mais cheio – imaginavam os garotos.
De repente, sentiu-se invadida de uma alegria imensa. Reparou o sol que brilhava, o vento soprando, as pessoas na rua, e percebeu o quanto era bom estar viva. Sentiu que era bonita; que, se não era brilhante, também não era sonsa. As mãos, habilidosas, podiam fazer muitas coisas boas – e imaginou atividades para elas. Os pés, ágeis, podiam levá-la a muitos lugares onde quisesse – e pensou em alguns deles. A voz, firme, saía direita no momento de cantar. E essa, já nessa altura de seus pensamentos, de suas descobertas, lhe saía como um grito, chamando a amiga, após suas pernas terem iniciado os primeiros passos lépidos de uma correria em direção àquela.
Abraçou-a fortemente
por instantes e aplicou-lhe dois ósculos. A colega, imóvel,
espantada com o surto da amiga, não sabia nem entendia o que lhe ia
na cabeça. Limitou-se a afirmar que faltava-lhe juízo. Ela,
sorrindo, não levava nada em conta. Sua alegria súbita lhe bastava.
Não era de todo
repentino o desatino da menina. Lembrou-se daquela manhã, do que se
passou na praça perto do colégio onde estuda. Havia finalmente
beijado um garoto. Não era mais criança, pois. Deixaria as bonecas
e as cantigas de infância sossegarem no olvidamento. Sim, agora era
mulher. Aborreceria a irmã mais nova e conversaria com as outras
mulheres. A reminiscência do primeiro beijo trazia-lhe muita
satisfação. Uma satisfação lânguida e tépida, que acordava em
si sensações desconhecidas e lhe descortinava um mundo que não
havia nunca imaginado.
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