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domingo, 24 de fevereiro de 2013

A chave de seta e a noção de coletividade

Como um problema automecânico me fez refletir sobre nossas condutas na sociedade


Recentemente fui surpreendido pelo fato de as setas de meu carro terem parado de funcionar (um problema, como vim a saber depois, com uma peça chamada chave de seta). Isso significa que fiquei impossibilitado de sinalizar para os demais motoristas minhas intenções de conversão e mudança de faixa – na verdade, ainda era possível fazer as setas funcionarem, mas de uma forma bastante incômoda e um tanto insegura. Para quem gosta de seguir as regras – as de segurança, ao menos –, essa não foi uma experiência agradável, pois gerei riscos para mim e para as outras pessoas.

No entanto, a pior sensação não foi o risco proporcionado à nossa integridade física. O que mais me incomodou foi o sentimento de estar sendo injusto com os outros condutores, pois às vezes me senti um “espertinho” realizando ações não comunicadas. Ora, os dispositivos de sinalização servem para informar aos outros as manobras que você pretende realizar, dando-lhes a chance de atuarem de acordo com elas: reduzir, mudar de faixa, ingressar na via, etc. Uma vez que você os deixa de utilizar, cada atitude sua é recebida com surpresa pelos demais, exigindo deles reflexos rápidos e inesperados, ou não permitindo que realizem suas manobras. O trânsito não é feito de nem para uma só pessoa, mas serve e é composto para e por uma comunidade. Cada vez que se infringe uma das regras que servem para controlá-lo, contribui-se para a falência de sua fluidez.

A noção de coletividade é o que garante o sucesso de uma comunidade. As pessoas procuram viver em grupos a fim de facilitar as atividades que garantem sua sobrevivência, como alimentação e segurança. Para que a convivência seja possível, são criadas regras que regulamentam direitos e deveres e determinam o espaço de cada um. Por isso, quem quebra essas regras está claramente se colocando acima dos demais, julgando que suas necessidades estão acima das dos outros. Esse é o motivo de a maioria das comunidades possuir um conselho de justiça para reger a ordem e zelar pela manutenção de sua unidade.

Talvez muitas pessoas considerem que não sinalizar no trânsito é um caso menor, até desprezível, livre de qualquer interpretação. Mas é aqui que reitera-se a questão dos detalhes que importam. Pequenos atos notadamente denunciam traços de conduta. Claro que isso não é uma regra, mas a frase bíblica “se não és fiel no pouco, não serás no muito” é digna de nota. Muitos de nós questionamos os atos de ilicitude de nossos políticos ou magnatas dos negócios, mas esquecemos de ser solícitos com nosso próximo que dirige ao nosso lado. O que garante que também seríamos íntegros em se tratando de uma situação em que estivéssemos investidos de poder? Se, estando no mesmo nível, desprezamos as implicações de nossos atos para com os outros, por que crer que, em um nível bem mais elevado, nos preocuparíamos com a base da pirâmide? É cômodo acreditar que os políticos e os poderosos são uma classe diferente da nossa, mas a verdade é que, guardadas as proporções, somos tão corruptos quanto eles. A diferença é que o desastre promovido por eles se dá em uma escala muito maior que a nossa, mas o ponto em comum é que, em ambos os casos, uns se beneficiam à revelia de outros.

Não basta admirarmos os países onde as pessoas têm internalizado o sentimento de justiça: é necessário partirmos em busca desse mesmo sentimento. Não é suficiente fazer alarde quando alguém pratica uma atitude honesta: há que se praticar a ética sempre. Não temos que nos limitar a lembrar e admirar os vultos do passado: precisamos criar contemporâneos nossos. A questão é que para isso vir à tona não é necessário um novo big bang. Basta começar do modo mais simples: ligue a seta, deixe os outros a par de suas intenções e exerça seu apreço pela coletividade.

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