Porém, se pensarmos bem, podemos
verificar que o fim do mundo, anunciado ou não, está ocorrendo agora. Sim, ele
já chegou. Estamos vivendo a era do fim do mundo. Ele está morrendo aos poucos.
Já vinha sangrando, mas agora o padecimento se intensificou. Podemos notar isso
a partir de alguns fatos. Mais especificamente no campo das artes. Elas são um
bom indício de como anda a saúde do mundo.
A arte acompanha a humanidade
desde a pré-história, como nos mostra o legado das pinturas rupestres e os
rústicos instrumentos musicais da época, como as flautas feitas a partir de
ossos. A arte sempre refletiu o estado de espírito e ânimo do artista, que, por
sua vez, encontra-se imerso em um contexto social. Ou seja, a arte registra,
mesmo que involuntariamente, o modus vivendi da sociedade na qual o
artista está inserido. Por exemplo, as músicas já foram predominantemente
ritualísticas, de guerra, religiosas, contestadoras, experimentais. As pinturas
variaram entre representar o dia a dia dos ajuntamentos até desembocar na arte
das ruas – demostrando que seu domínio encontra-se distribuído entre todos –,
passando por momentos de ilogicidade revoltosa e busca da representação
fidedigna do mundo. A literatura, por si só, pode ser considerada uma camaleoa.
Até a fotografia, tão recente, já passou por fases. Porém, nada do que vimos
hoje parece ser algo que a posteridade – se houver alguma – irá lembrar
saudosamente (os shows onde se tocam músicas antigas que marcaram a infância e juventude dos adultos não devem ultrapassar essa geração).
O mundo já foi um lugar mais
difícil de se viver – e, do ponto de vista artístico, mais interessante.
Passamos por guerras, sustentamos anseio por liberdade, tivemos que quebrar
regras, idealizamos um futuro diferente. E lá estava a arte fazendo sua parte,
cumprindo com seu dever, representando todos esses momentos – de maneira engajada
ou nos bastidores, servindo ao homem simples e alheio dos grandes
acontecimentos. Mas, feliz ou infelizmente, conseguimos transformar o mundo.
O muro caiu, as fronteiras se abriram,
os idiomas se entenderam. A cultura do mundo se planificou. E agora? Que novo
mundo é esse? É o mundo onde tudo é fácil, onde os modelos já estão todos
prontos, onde até os diferentes são iguais. O mundo sem censuras, sem ameaças,
sem interesse. O mundo que está tão focado na parte que se esquece do todo. Não
há consequências, apenas o aqui e agora. Carpe diem e laissez-faire para
todos. E de graça!
O habitante desse mundo que é
atento já deve ter percebido: a arte prenuncia o fim do mundo. Se revisitarmos
o passado, encontraremos ídolos na música. Eram intérpretes, bandas, músicos.
Gente que fazia arte não para a efemeridade, mas para o eterno. Hoje, artistas
medíocres são alçados à glória apenas por saudade do tempo em que havia titãs
no meio musical. O que hoje surge, amanhã já desaparece. As músicas não têm
essência alguma. Discorrem sobre frivolidades. São obscenas. São rasas. Hoje, o
aparato eletrônico é mais importante que o artista, que, longe de ser refém,
consiste em um verdadeiro cafetão digital. No filme Demolidor (com Sylvester Stallone e Wesley Snipes) há uma cena em que o personagem principal toma conhecimento de que as rádios do futuro tocam apenas jingles, e não mais músicas como hoje conhecemos. Ao que parece, era uma profecia que irá se cumprir.
A literatura também agoniza. Já
está no último suspiro. Não se veem mais os literatos que impressionavam mesmo
com um bilhete que fosse, artíficies que eram no uso das palavras. Suas
estórias ainda hoje são recontadas em várias partes do mundo, à risca ou não.
Tantas outras foram criadas a partir delas, usando-as como alicerce – dos mais
sólidos. Hoje, porém, só se discorre sobre o óbvio. A prosa tem que ser escrita
do modo como se fala, senão não entendem, esses leitores. As páginas têm que
ser poucas e as letras, grandes. O título da obra não é importante. Se o autor
é um produto do marketing, basta pôr seu nome na capa em letras garrafais e o
título na lombada. Todo o mundo agora escreve. Há mesmo os que não escrevem,
mas lançam livros. Alguém escreve por eles e eles apenas emprestam seus nomes.
Acho que deveríamos pedir clemência aos imortais da literatura por isso.
Sim, é chegado o fim do mundo.
Não há mais preocupações para nossos jovens. Todos só querem viver o hoje, como
a cigarra de Esopo. Ideais não existem, moral não existe. Não defendo que toda
música deve ter objetivo político (no sentido mais amplo da palavra), afinal, a
música serve a todos e a música pela música é uma realidade antiga. Mas notamos
um esvaziamento total de conteúdo no que é produzido atualmente, seja em
território nacional ou estrangeiro. Os músicos são mais empreendedores do meio
artístico que artistas propriamente ditos. As letras não convencem, as melodias
não encantam. A magia se desfez. Aonde iremos parar? Talvez o mundo precise de
um solavanco. Talvez precisemos de um despertar. Não queremos mais vidas
perdidas em hecatombes, mas quem sabe um desafio novo não vem a calhar? A
juventude já não é transviada: está perdida, no marasmo, ao largo da verve que
acompanhou os artistas de outrora. Já não se fala mais de sentimentos, apenas
de emoções. Resta-nos abraçar o retrô, idolatrar o vintage. É o que nos sobrou.
E ter esperança – ou fé, dada a periclitante condição atual – de dias melhores.
Bem-aventurados sejam os que tiverem lembranças, pois eles serão consolados.
Bem-aventurados os que tiverem recordações, pois eles serão confortados.
Senhor, perdoai-nos, pois não sabemos o que estamos fazendo.
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