Título: O Fole Roncou – Uma História do Forró
Autores: Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues
Editora: Zahar
ISBN: 978-8537-809-167
Muito se tem dito e feito para salvar do esquecimento
culturas que correm risco de extinção devido ao avanço de outras culturas
supostamente superiores e de certa imposição social ou apreço popular. Aqui no
Brasil, o principal foco dos estudiosos são as tribos indígenas espalhadas país
afora, com seus costumes, rituais, idiomas e músicas próprios. No entanto,
passa ao largo desse esforço uma cultura tão rica quanto aquela autóctone – a
do povo nordestino.
Os
nordestinos têm um linguajar próprio, constituído por palavras herdadas do
período colonial e do império, gastas pelo uso de anos, adaptadas à realidade
da região, quase irreconhecíveis frente aos vernáculos originais. Também são
criadores de palavras, e, levando em conta a extensão do território, a profusão
de termos peculiares é extensa. Sua culinária, se por um lado é restrita em
ingredientes – dada a natureza pouco dadivosa que os sustentam –, por outro
espraia-se em quitutes os mais variados, limitados apenas pela criatividade
desse povo. Suas lendas, se contadas todas, renderiam uma infinidade de livros,
assim como sua sabedoria, seja na arte medicinal – também repleta de
superstições – ou conhecimento geral do ambiente onde vivem. Mas esse povo,
duro, forte devido ao sofrimento das agruras do sertão, tem nas artes sua
melhor representação. Que o diga os artíficies de madeira, palha ou pedra, ou a
bem conhecida literatura de cordel, prova incontestável da capacidade de
improviso e composição dessa gente. Mas é a música talvez a expressão mais
característica dessa região. É o meio através do qual, em sua simplicidade
agreste, o homem comum dialoga com a natureza e expressa as poucas emoções que
sente. E foi através de uma música feita por essa gente que o país aprendeu a
cantar a vida nordestina e descobrir seus encantos.
O Fole
Roncou – Uma História do Forró, de Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, é a
história de como isso aconteceu. Os autores, nordestinos da Paraíba, apresentam
em sua obra o resultado de extensa pesquisa realizada através de entrevistas,
livros, jornais, revistas e em outros meios audiovisuais a fim de contar detalhes da história do ritmo que hoje é
conhecido como forró, a representação máxima da cultura nordestina. As quatro
centenas e meia de páginas deixam claro que não se trata de um compêndio precário,
mas de um relato que congrega as histórias dos principais nomes dos ritmos
nordestinos. Na verdade, os autores planejaram a obra de modo a dar voz aos
personagens, em vez de falar por eles. Isso torna-se notório desde a
introdução, feita a partir de trechos de um relatório do folclorista potiguar
Câmara Cascudo, passando por transcrições de diálogos tal e qual ocorreram
durante todo o livro, até o final, um excerto de um depoimento de Luiz Gonzaga.
Nem mesmo ao registrar a história de bandas que não gozam de unanimidade entre
os admiradores do gênero musical – como o forró eletrônico e o universitário –
os autores exprimem opinião própria. Elogios ou críticas ficam a cargo dos
artistas veteranos, representantes mais tradicionais do ritmo.
O livro
adota também uma postura inusitada (e importante) para livros do gênero: a
atenção dispensada aos compositores. Normalmente compositores são figuras
relegadas a segundo plano, trazidos ao palco apenas em duas situações: quando
também cumprem o expediente de intérpretes ou quando produzem prolificamente,
alcançando centenas de composições. Na história do forró, os autores demostram
que o compositor é tão importante quanto o artista, pois há que ser um indivíduo
que congregue a vivência do sertão e que tenha traquejo com as palavras – nem
sempre fazendo a melodia, uma vez que, nas parcerias, ela às vezes era
contribuição do sanfoneiro. O livro revela que muitos foram os casos de
compositores que viraram intérpretes de suas próprias canções, e cantores
alçados ao sucesso ao gravar um determinado compositor.
Mas o
grande mérito do livro é mostrar os cruzamentos das histórias de cada artista,
construindo a narrativa segundo a ordem dos acontecimentos – além de fornecer
informações geográficas, históricas, políticas, sociais e econômicas de
determinada região, quando necessário. Desse modo, registram-se as amizades,
intrigas, admirações, medos, desejos, sonhos e decepções desses artistas que só
eram fortes juntos. Nossos representantes musicais, assemelhados pela dureza da
vida severina, nunca deixaram de ajudar os seus, seja apresentando-os a
empresários, introduzindo-os no meio musical, gravando suas composições ou
dando guarida aos que se mudaram para o Rio de Janeiro – passagem obrigatória
para o artista que desejasse ter projeção nacional. Sabendo-se fracos e
menosprezados pela população do sul do país, os músicos migrantes do nordeste
mantiveram-se unidos e próximos a seus ouvintes mais cativos: os trabalhadores conterrâneos,
que procuravam matar um pouco a saudade da terra através dos encontros onde
essa nova música era sempre apreciada. Quando a classe média começou a perder o
interesse no forró, foi esse público, juntamente com os que ficaram no
nordeste, que sustentaram – e ainda sustentam – os artistas da terra.
Luiz
Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Marinês, Abdias, Dominguinhos, Trio Nordestino,
Trio Mossoró, Genival Lacerda, Antonio Barros. Esses são alguns dos nomes que,
para o leitor iniciado no forró, revelarão o que ficou oculto por trás das
gravações. Para os alheios ao ritmo, ganharão vida e personalidade a partir dos
relatos presentes no livro. O Fole Roncou – Uma História do Forró é um
livro imprescindível para os amantes desse gênero musical, indispensável para
os fãs de música brasileira e altamente recomendável para todos os envolvidos
com música.
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