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terça-feira, 14 de maio de 2013

Sugestão de leitura




     Título: O Fole Roncou – Uma História do Forró
     Autores:  Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues
     Editora: Zahar
     ISBN: 978-8537-809-167






Muito se tem dito e feito para salvar do esquecimento culturas que correm risco de extinção devido ao avanço de outras culturas supostamente superiores e de certa imposição social ou apreço popular. Aqui no Brasil, o principal foco dos estudiosos são as tribos indígenas espalhadas país afora, com seus costumes, rituais, idiomas e músicas próprios. No entanto, passa ao largo desse esforço uma cultura tão rica quanto aquela autóctone – a do povo nordestino.

Os nordestinos têm um linguajar próprio, constituído por palavras herdadas do período colonial e do império, gastas pelo uso de anos, adaptadas à realidade da região, quase irreconhecíveis frente aos vernáculos originais. Também são criadores de palavras, e, levando em conta a extensão do território, a profusão de termos peculiares é extensa. Sua culinária, se por um lado é restrita em ingredientes – dada a natureza pouco dadivosa que os sustentam –, por outro espraia-se em quitutes os mais variados, limitados apenas pela criatividade desse povo. Suas lendas, se contadas todas, renderiam uma infinidade de livros, assim como sua sabedoria, seja na arte medicinal – também repleta de superstições – ou conhecimento geral do ambiente onde vivem. Mas esse povo, duro, forte devido ao sofrimento das agruras do sertão, tem nas artes sua melhor representação. Que o diga os artíficies de madeira, palha ou pedra, ou a bem conhecida literatura de cordel, prova incontestável da capacidade de improviso e composição dessa gente. Mas é a música talvez a expressão mais característica dessa região. É o meio através do qual, em sua simplicidade agreste, o homem comum dialoga com a natureza e expressa as poucas emoções que sente. E foi através de uma música feita por essa gente que o país aprendeu a cantar a vida nordestina e descobrir seus encantos.

O Fole Roncou – Uma História do Forró, de Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, é a história de como isso aconteceu. Os autores, nordestinos da Paraíba, apresentam em sua obra o resultado de extensa pesquisa realizada através de entrevistas, livros, jornais, revistas e em outros meios audiovisuais a fim de contar  detalhes da história do ritmo que hoje é conhecido como forró, a representação máxima da cultura nordestina. As quatro centenas e meia de páginas deixam claro que não se trata de um compêndio precário, mas de um relato que congrega as histórias dos principais nomes dos ritmos nordestinos. Na verdade, os autores planejaram a obra de modo a dar voz aos personagens, em vez de falar por eles. Isso torna-se notório desde a introdução, feita a partir de trechos de um relatório do folclorista potiguar Câmara Cascudo, passando por transcrições de diálogos tal e qual ocorreram durante todo o livro, até o final, um excerto de um depoimento de Luiz Gonzaga. Nem mesmo ao registrar a história de bandas que não gozam de unanimidade entre os admiradores do gênero musical – como o forró eletrônico e o universitário – os autores exprimem opinião própria. Elogios ou críticas ficam a cargo dos artistas veteranos, representantes mais tradicionais do ritmo.

O livro adota também uma postura inusitada (e importante) para livros do gênero: a atenção dispensada aos compositores. Normalmente compositores são figuras relegadas a segundo plano, trazidos ao palco apenas em duas situações: quando também cumprem o expediente de intérpretes ou quando produzem prolificamente, alcançando centenas de composições. Na história do forró, os autores demostram que o compositor é tão importante quanto o artista, pois há que ser um indivíduo que congregue a vivência do sertão e que tenha traquejo com as palavras – nem sempre fazendo a melodia, uma vez que, nas parcerias, ela às vezes era contribuição do sanfoneiro. O livro revela que muitos foram os casos de compositores que viraram intérpretes de suas próprias canções, e cantores alçados ao sucesso ao gravar um determinado compositor.

Mas o grande mérito do livro é mostrar os cruzamentos das histórias de cada artista, construindo a narrativa segundo a ordem dos acontecimentos – além de fornecer informações geográficas, históricas, políticas, sociais e econômicas de determinada região, quando necessário. Desse modo, registram-se as amizades, intrigas, admirações, medos, desejos, sonhos e decepções desses artistas que só eram fortes juntos. Nossos representantes musicais, assemelhados pela dureza da vida severina, nunca deixaram de ajudar os seus, seja apresentando-os a empresários, introduzindo-os no meio musical, gravando suas composições ou dando guarida aos que se mudaram para o Rio de Janeiro – passagem obrigatória para o artista que desejasse ter projeção nacional. Sabendo-se fracos e menosprezados pela população do sul do país, os músicos migrantes do nordeste mantiveram-se unidos e próximos a seus ouvintes mais cativos: os trabalhadores conterrâneos, que procuravam matar um pouco a saudade da terra através dos encontros onde essa nova música era sempre apreciada. Quando a classe média começou a perder o interesse no forró, foi esse público, juntamente com os que ficaram no nordeste, que sustentaram – e ainda sustentam – os artistas da terra.

Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Marinês, Abdias, Dominguinhos, Trio Nordestino, Trio Mossoró, Genival Lacerda, Antonio Barros. Esses são alguns dos nomes que, para o leitor iniciado no forró, revelarão o que ficou oculto por trás das gravações. Para os alheios ao ritmo, ganharão vida e personalidade a partir dos relatos presentes no livro. O Fole Roncou – Uma História do Forró é um livro imprescindível para os amantes desse gênero musical, indispensável para os fãs de música brasileira e altamente recomendável para todos os envolvidos com música.



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