A forma como nos relacionamos atualmente precisa ser repensada a fim de nos livrarmos de heranças que contribuem negativamente para essa questão
Sem dúvida hoje vivemos uma época de
maior liberdade sexual e afetiva de maneira geral do que há algumas
décadas. Não é mais preciso estar em uma relação para poder
beijar, nem pedir a permissão do pai da moça para namorar, e o sexo
pode ser praticado apenas por prazer – claro, sempre houve quem
procedesse dessa maneira, mas era sempre às escondidas. No entanto,
vários jovens que saem à caça de parceiros nas noites de finais de
semana para relações rápidas se mostram tão ignorantes no quesito
relacionamentos quanto nossos avós.
A primeira grande demostração de
ignorância é a ideia dissimuladamente desapercebida de que as
mulheres não possuem desejo. Ou, quando se admite que elas o têm,
que não devem expressá-lo. Quando alguma foge a esse padrão
mesquinho, são logo taxadas de ninfomaníacas – uma palavra que
ninguém aplica aos homens, preferindo para esses o termo
“insaciáveis”. Algumas pessoas, inclusive muitas mulheres,
associam o desejo a algo sujo, indecoroso ou depravado. Imaginam que
precisam ser vulgares para expressá-lo. Muitas que não têm coragem
de assumir seus impulsos adoram criticar as que o fazem, contribuindo
para a opressão da própria classe.
Pior ainda do que essas mulheres são
os homens que são de uma baixeza tal que, após conseguirem sucesso
em suas investidas sexuais, tratam de difamar a parceira, espalhar
entre seus conhecidos detalhes que venham a prejudicá-la. Será esse
o preço que ela tem de pagar por ter concedido ao homem sua
intimidade? Esse é o motivo de tantas evitarem se expor, caindo num
círculo vicioso que perpetua a opressão contra a livre expressão
sexual feminina.
Mas também há questões que acometem
tanto homens quanto mulheres. Ainda são muitos os que acham que sexo
é amor, ou que amor é sexo, ou que desejo é paixão, e que amor e
paixão são sinônimos. É preciso compreender que trata-se de
coisas diferentes, com alguma relação entre si. Muitos querem
atrelar desejo a algo maior, a algum sentimento, quando na verdade o
desejo nada tem a ver com isso. Você sente desejo por alguém que vê
pela primeira vez mesmo antes de falar com tal pessoa e,
consequentemente, conhecê-la. Como acreditar que você tem algum
tipo de sentimento por ela? A paixão todos sabem o que é, mas ao
mesmo tempo não conhecem seus sintomas e extensão. O cinema tem
explorado o tema largamente, mas é pródigo em conferir o título de
amor quando na verdade se valem da paixão em suas estórias. A
paixão é um sentimento violento, rápido, intenso e irracional. É
impossível de ser evitado, mas pode-se lidar com ele, afinal, temos
uma consciência à qual nossos corpos e ações estão subjulgados.
O amor é um sentimento sereno, baseado na harmonia, algo maior e bem
mais raro. A não compreensão desses três itens leva muitos a se
perder em seus sentimentos e atitudes. Há gente matando em nome do
amor, mesmo numa situação onde o amor nunca esteve presente. Há
gente fazendo juras de amor eterno, mas de fato está sofrendo apenas
de um forte interesse passageiro. Há gente querendo apenas fazer
sexo, mas insiste que o outro diga que o ama, a fim de cumprir o rito
social, não sabendo que está cavando o fosso para a decepção
iminente.
Se formos mais a fundo nesses
conceitos, chegaremos a questões que a maioria das pessoas sequer
sonha em questionar. Por exemplo, quando foi determinado que só é
possível amar a uma única pessoa? Não são poucas as pessoas que
tiveram alguns amores durante a vida – falo de amores verdadeiros,
daqueles onde há compreensão e respeito em um nível acima do
normalmente visto por aí. Será que todos foram falsos? Mais: existe
alguma determinação biológica ou transcendental que limite o amar
de uma forma serial, apenas podendo amarmos um indivíduo após
outro, nunca ao mesmo tempo? Acaso um sultão que mantém um harém
não ama a todas as suas esposas? Claro que isso é possível, não
há razão alguma para não sê-lo. Há várias pessoas no mundo e
muitas são as que podemos amar, porque sentimentos não são um
interruptor que se pode desligar a qualquer momento. Podemos estar
com alguém e conhecer outra pessoa – em alguma circunstância da
vida – a qual venhamos a amar. O que pode ocorrer é nos afastarmos
dessa pessoa, não demonstrar o que sentimos ou nos esforçarmos para
mitigar o sentimento, mas por questões pessoais ou para cumprir a
exigência social do amor único. Mas são muitas as pessoas que
ficam atormentadas e se culpam por estarem amando a mais de uma
pessoa, acreditando estarem possuídas por alguma entidade espírita
maligna.
Outra questão intocável é o fato de
amor e sexo andarem juntos, o que não é uma verdade absoluta.
Pode-se tanto fazer sexo sem amor – não há como haver dúvidas
quanto a isso – como prescindir do sexo para amar. É fácil
acreditar nisso se imaginarmos as facilidades que há hoje em dia
para se conhecer alguém à distância. Muitos são os casais que se
formam dessa maneira. Nesses casos, sexo é a última coisa que eles
irão praticar, e somente após muita convivência e conversa
on-line. Isso porque o amor tem a ver com a essência do
outro, suas atitudes, seu comportamento, e não com seus atributos
físicos. Embora sexo com amor possa ser melhor, isso não é um
imperativo. Até porque podemos amar alguém que não nos seja
sexualmente agradável. Sempre se pode forçar o sexo – assim fazem
os que ganham a vida alugando seus corpos –, mas isso seria o mais
correto para esses casos?
Por outro lado, há os que põem o
sexo no centro da relação. Acreditam que sexo é o fator primordial
para um relacionamento feliz. Não há ilusão maior, pois o que
menos se faz em uma união estável é sexo. A maior parte do tempo o
casal estará envolvido em questões como filhos, contas, decoração
da casa, trabalho, atividades domésticas, parentes, etc. Se der
tempo e ambos estiverem em condições propícias, farão sexo.
Muitas são as pessoas que iniciam uma relação após terem feito um
ótimo sexo, mas será que esse é o melhor critério para a escolha
de um parceiro? Ser bom de cama não garante que alguém seja
responsável ou tenha caráter íntegro, algo que a maioria de nós
espera da pessoa com quem convivemos. Isolar uma única
característica de alguém para decidirmos algo tão importante não
parece ser uma boa ideia. Melhor seria avaliar o conjunto e refletir
sobre a média das qualidades.
Mas é provável que a maioria desses
“desencontros” amorosos seja motivado pela crença de que todos
podem amar. Será? Há pessoas que detestam crianças, há pessoas
que maltratam os animais, outros que não têm o menor respeito pelo
próximo, há maníacos sexuais que estupram bebês, assassinos de
estudantes indefesos, filhos que trucidam pais, pais que matam
filhos, entre outras bizarrices que a humanidade tem produzido em
abundância. Por que então acreditar que todos podem – e devem –
amar? Por que o amor é um sentimento sublime? Acaso isso não é uma
visão romântica – e danosa – da vida? Há pessoas tão
maltratadas pela vida que já não conseguem vivenciar esse
sentimento, assim como há outras que, de acordo com sua própria
visão de mundo, o dispensam por considerá-lo inadequado ou inútil.
Esperar receber amor dessas pessoas ao manter uma relação com elas
é o prenúncio da frustração.
Mas sem dúvida um dos mais tolos
conceitos criados é o de alma gêmea. Em sua versão mais pura,
consiste na afirmação de que existe um e apenas um ser que lhe
completa, criado unicamente para ser seu par e que está em algum
lugar do mundo, esperando ser descoberto. É muito bonito acreditar
nisso, mas os adeptos dessa visão de mundo não atentam para seus
corolários: se há uma única pessoa no mundo ideal para alguém,
esse alguém pode nunca encontrá-la, dados o tamanho da população
mundial e a extensão do planeta. Ora, caso não seja possível
encontrá-la, então ou vive-se sozinho para o resto da vida ou
vive-se com alguém que não é ideal, ou seja, um atalho para a
infelicidade. Por outro lado, caso o casal se encontre, seria fato
concreto que, uma vez que um deles morra, o outro não poderá se
relacionar com mais ninguém, já que sua alma gêmea não mais
existe. Isso é simplesmente patético.
No entanto, a mais danosa consequência
da crença na alma gêmea é a postura de dependência que se assume
ao acreditar nisso. Os fãs desse conceito supõem que somos seres
incompletos e por isso infelizes, apenas nos realizando plenamente ao
encontrar nosso par. Isso os leva a gastar muito tempo e energia
procurando esse outro ser a fim de que possam desfrutar da real
felicidade. Esse é o caminho mais rápido para a decepção e a real
infelicidade. Isso porque somos seres sociais, de fato, mas
autônomos. Podemos nos satisfazer individualmente de várias
maneiras: estudando, trabalhando, nos dedicando a um hobby, mantendo
uma rede de amigos, praticando atividades físicas, etc. A pessoa
independente, que se basta, ao encontrar alguém interessante do
ponto de vista amoroso, tem como próposito compartilhar o amor que
possui, extendendo-o ao outro, e não esperar absorver o que o outro
venha a ter, por necessidade, como um parasita. O amor-próprio é
imprescindível aos que amam, afinal, como se vai dar o que não tem?
Podemos ser mais felizes ao lado de alguém que amamos, mas o que não
se ama está fadado a apodrecer os relacionamentos em que se
envolver. Pior: o produto do término de um relacionamento baseado
em dependência (principalmente se não consensual) é um indivíduo
depressivo e com ímpeto suicida.
O fato de uma pessoa poder ser feliz
sozinha leva a um questionamento válido: por que a obrigatoriedade
do casamento? “Já casou?” é uma das frases mais presentes nos
diálogos entre pessoas que não se veem há muito tempo. Ele é mais
importante que se formar, arrumar um bom emprego ou se ver livre de
uma doença. Será que não é desmedida essa importância que lhe é
reservada? Se levarmos em conta a crescente onda de divórcios e
casais que vivem em constante clima de animosidade e desrespeito,
talvez reenquadremos melhor a questão do casamento na sociedade. Não
são poucos os casos de violência doméstica, assim como não são
poucos os casos de desgaste entre os cônjuges que se veem doentes
após o processo de separação. Um mau casamento é um dos piores
negócios que se pode fazer na vida. Claro que, ao casar, os
envolvidos assumem que há uma pequena probabilidade – ou ao menos
deveria ser pequena – de este compromisso não dar certo. Mesmo
assim, há incontáveis casos de pessoas que se casam com
desconhecidos – por vontade própria –, adolescentes sob
aprovação – ou omissão? – dos pais, por interesse e uma série
de outras anomalias. Abrir mão de sua privacidade e independência
deveria ser um ato pensado e bem analisado, e não uma decisão
impulsiva baseada em emoções momentâneas.
Relacionamentos podem ser bastante
destrutivos, sendo a perda da individualidade um dos males mais
comuns. Vários casais – inclusive namorados – acham que devem
compartilhar tudo de suas vidas um com o outro, incluindo perfis nas
redes sociais, e-mail, etc. É fácil perceber que isso é um exagero
quando se tem a concepção de que uma relação ocorre quando duas
pessoas compartilham alguns aspectos de suas vidas, numa relação de
intersecção, e não de contingência. A individualidade de uma
pessoa deve ser mantida sob quaisquer aspectos. É ela que permite à
pessoa seguir adiante quando um relacionamento tem fim, em vez de
passar os dias subsequentes se lamentando em desespero.
Há muito que se repensar no quesito
relacionamentos, até mesmo porque os moldes atualmente em uso foram
forjados há décadas. É preciso mudar, adaptar, compreender acima
de tudo, não para elaborar teses, mas para garantir uma melhor
satisfação aos que se envolvem emocionalmente, além de evitar
sofrimentos desnecessários com algo que deveria ser fonte de prazer
e alegria. Esse é o tipo de mudança que dispensa protestos,
passeatas, engajamento. Basta cada um adotar sua postura e discutir
com seu companheiro os melhores caminhos para que a relação resulte
no alcance do objetivo de ambos, e não em um vórtice de agressão e
ressentimento mútuos.
Eneroooooooooooooooooooo!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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