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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A matrix do mundo real

Os lutadores de uma causa devem antes preocupar-se em conscientizar as pessoas que há visões alternativas de mundo, mas nunca devem arrogar-se o título de detentores da verdade absoluta.


The Matrix (1999), filme dos irmãos Wachowski, foi um grande sucesso sob vários aspectos. Criou escola com seus efeitos especiais, lançou tendências, influenciou segmentos. Suas intrincadas referências (filosóficas, religiosas, tecnológicas, literárias, etc.) geraram calorosas discussões por parte dos fãs e diversos livros para dissecar os elementos presentes no filme. A obra pode ser analisada (e vista) sob diversos aspectos: apenas recreação, filosoficamente, etc.

De modo resumido, o filme narra uma distopia em um futuro onde as máquinas dominaram os seres humanos e passam a cultivá-los, controlando sua reprodução, mantendo-os em estado de dormência permanente e fazendo-os sonhar todo o tempo, alimentando-se da energia gerada por seus cérebros durante esse processo. Esses sonhos seriam a realidade que vivemos hoje, simulada pelas máquinas. Daí advém o nome do filme: Matrix é o nome do mundo virtual onde os humanos pensam que realmente vivem. No entanto, há um grupo que, de alguma maneira, consegue despertar e sair da Matrix, conhecendo assim o mundo real – um ambiente caótico em uma Terra destruída e escura. Esse pequeno exército entra e sai da Matrix clandestinamente a fim de libertar outras pessoas – motivo pelo qual é perseguido por agentes das máquinas infiltrados na Matrix. Mostra-lhes a verdade: que vivem uma ilusão e que têm a escolha de permanecer desse modo ou despertar para a realidade.

Esse paralelo tem sido utilizado largamente em nosso meio. Diversos grupos alertam que vivemos em uma matrix, iludidos pelo governo, pela mídia, pelo senso comum, pela cultura de massa, pelas convenções sociais, etc. De fato, muitos não se apercebem que no mundo há muito mais do que nos é apresentado. Há opções ocultas, há informações escondidas convenientemente, há histórias e dados forjados, mentiras descaradas, verdades desconhecidas. O acesso a informações nem sempre é fácil, o que contribui para que muitos sigam suas vidas alheios de tudo o que está além da mera visão cotidiana.

Mas a trama do filme traz um fato digno de observação: uma das pessoas retiradas da Matrix se arrepende. Mesmo sabendo da verdade, ela prefere voltar para lá, onde a vida pode ser mais confortável, mesmo sabendo que não passa de um sonho. Para retornar à antiga vida, trai seus companheiros, mas acaba morto. Esse é um caso aparentemente pouco ou nada explorado, mas que pode ser esclarecedor.

Recentemente, os partidários de algumas causas sociais antigas e outras novas, como o feminismo, por exemplo, buscam despertar as pessoas para suas lutas, mais ou menos como os personagens do filme. De acordo com eles, estão libertando as pessoas da matrix do mundo real, tornando-as cientes de que são enganadas, de que não enxergam o que não está patente ou de que não vivem a verdade plena como deveria ser. Conclamam-nas a se juntarem à luta. E, como os bravos do filme que libertam os humanos dormentes, consideram que os libertos têm a obrigação de segui-los. Se não o fazem, ou se não os ouvem, muitas vezes são insultados e julgados de diversas maneiras. Embora seja louvável querer romper com o tradicional, principalmente se pernicioso, há uma questão a se considerar.

Mostrar que há outras realidades além da ordinária não significa que elas sejam mais desejáveis que a que se conhece, ou mesmo melhores. Por isso a motivação da luta não deve ser por converter alguém ou recrutar colaboradores, mas sim de dar-lhes o poder da escolha. Escolhas só podem ser feitas quando há opções, para o que deve-se ir além do que está aparente, e para isso os movimentos se prestam. Mas isso não significa que sua visão do mundo real esteja sempre correta, absolutamente. Ela pode ser apenas mais uma realidade paralela, não-intencionalmente enganosa. Por que não admitir que algumas pessoas, conhecendo as supostas ilusões do mundo atual, prefiram as coisas do jeito que estão? Talvez elas nem sejam ilusões afinal. Ou sejam só um pouco, de modo que não se justifique uma mudança radical que não proporcione grandes benefícios.

Afinal, quem sabe se não há de fato diferenças no comportamento de homens e mulheres? Quem pode dizer que o “padrão de beleza” é realmente superficial? Pode ser que as pessoas gostem mais de viver em um mundo consumista que compartilhar tudo com todos. Deve haver os que prefiram mesmo aceitar todos os dogmas de uma religião, seita ou partido. O imprescindível, e essa deve ser a luta, é ter à disposição opções que tornem as escolhas uma decisão pessoal. Qualquer tentativa de premer quem quer que seja a escolher um determinado caminho invalida a luta pela verdade. A liberdade de escolha é o bem maior que justifica essa luta.

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