Em meu primeiro curso de inglês,
quando acabava de sair da adolescência, certa feita o professor
perguntou se a mídia influenciava ou era influenciada pelas pessoas,
ou seja, se ela ditava novos padrões e tendências ou se apenas
mostrava o que existia. Na ocasião, propus que a mídia funcionava
como uma lente de aumento: exibia algo que ocorre em escala pequena
para um público enorme (é assim que expressões de uma região se
espalham país afora). Até hoje ainda penso que essa é uma boa
representação de como a mídia funciona na maior parte dos casos.
Há poucos dias houve o primeiro beijo
gay protagonizado por dois atores no horário nobre da maior
emissora de televisão do país. Em programas anteriores, algumas
cenas foram gravadas, mas eram sempre suprimidas, nunca indo ao ar.
Já houve o beijo feminino em uma emissora de menor porte, portanto,
sem tanta repercussão. Há tempos existe uma cobrança por parte dos
militantes pró-homoafetividade para que cenas de beijo entre
homossexuais fossem exibidas em folhetins. E ele finalmente veio. Mas
por que agora e não antes?
O Brasil é um país enorme, com uma
grande população, culturalmente diversa, mas semelhante em alguns
aspectos. Em essência, trata-se de uma sociedade conservadora –
embora a maioria das pessoas não atuem nesse sentido. A maioria
apenas vive despreocupadamente, o que inclui permanecer seguindo os
costumes reinantes no meio, ou seja, é um conservadorismo
inconsciente – afinal, o que esperar de uma sociedade vazia de
educação e cultura? Sabemos que a liberalidade acompanha o
desenvolvimento econômico: quanto mais desenvolvida uma localidade,
mais liberal será seu povo. Temos poucos centros urbanos
razoavelmente desenvolvidos aqui, e, de fato, é fácil perceber que
são claramente mais liberais que regiões interioranas. E é aqui
que entra a lente de aumento midiática, uma vez que é nesses
grandes centros que as produtoras de televisão estão instaladas.
A mídia, através de propagandas ou
programas televisivos, busca retratar características, costumes,
acontecimentos, tradições de algum segmento de nossa sociedade. E
há vários deles: o caipira, o nordestino, o religioso, o boêmio, o
boa-praça, a ovelha-negra, etc. São tipos bem conhecidos, alguns
comuns em todas as regiões e, embora sempre haja a esteriotipação
(de modo por vezes injusto), esse é o modo encontrado para
caracterizar o personagem perante o público, que rapidamente o
identifica. E, para o identificar com sucesso, as produtoras evitam
retratar personagens representantes de nichos pouco conhecidos. Mas
nem sempre.
Muitas vezes os autores dessas
produções escolhem um tema que acham importante tratar, seja por
motivação pessoal, intenção de discutir questões sensíveis ou
ainda despertar nos telespectadores curiosidade ou atenção para
algo que mereça alguma consideração. Desse modo, questões como
doenças pouco compreendidas, imigração ilegal, tráfico
internacional de pessoas, barriga-de-aluguel, dentre várias outras,
já foram temas em novelas brasileiras. Mas a escolha do que retratar
em suas tramas segue alguns critérios. E não chocar a sociedade em
peso invariavelmente é um deles (veremos o porquê adiante).
A homossexualidade vem sendo discutida
há tempos e cada vez mais tem ganho espaço – e vale citar que as
novelas dos canais abertos têm contribuído bastante para isso,
pois, ainda sendo as maiores formadoras de opinião do país, sempre
retratam os gays como pessoas boas e gentis, ajudando-os a
conquistar a simpatia do público – o que não significa que a
conversão dessa empatia pelo personagem para o mundo real seja
integral. Sabemos que em alguns lugares está se tornando menos
incomum demonstrações públicas de afeto, mas não em outros – a
maioria, por enquanto. A decisão da produtora em finalmente exibir a
tão cobrada cena vem no embalo da abertura que esse tema tem
conseguido. Ou seja, utilizando seus poderes de difusão em massa,
projetou algo que acontece timidamente, às escondidas, para um
público numeroso e diversificado, alegrando uns e decepcionando
outros, o que é natural em uma sociedade tão heterogênea como a
nossa – e vale lembrar que o novo nunca é unânime. Mas a pergunta
ainda ressoa: por que não antes?
Algumas pessoas querem imbuir
produtoras e emissoras de obrigação moral de combater o que quer
que seja. Mas o fato é que elas não têm. O modelo de negócio da
televisão ainda hoje é a captação da atenção dos
telespectadores através de programas que despertem seu interesse a
fim de exibir comerciais de produtos e serviços. A missão dessas
empresas não é quebrar tabus, mas promover o comércio através de
propagandas. Estamos em um tempo em que damos preferência a empresas
com programas de responsabilidade social e ambiental, mas isso é um
requisito não-fundamental para as companhias. Trata-se de um
diferencial competitivo. O objetivo das empresas de comunicação não
é mudar o mundo ou transformar a sociedade. Essa é a razão de ela
ter bastante cautela com o que vai ao ar. É por isso que realiza
pesquisas junto ao público a fim de medir o índice de audiência e
saber se está agradando ou não aos telespectadores. Por este motivo
consideram o contexto do momento antes de exibir um determinado
conteúdo. Há tempos a questão homossexual frequenta as telenovelas
brasileiras, mas as emissoras julgavam que o público de quinze anos
atrás não estava preparado para cenas de beijo entre casais gays.
Se tais cenas foram exibidas agora, é porque a emissora julgou que a
sociedade, em parte, já está preparada para isso – ou que a
discussão já pode ser levantada (ou apenas desejava cativar o
grande público LGBTS). A televisão é uma máquina de
entretenimento amparada no marketing, não uma entidade
política ou sindical – muito embora ela possa ter (e normalmente
tem) alguma inclinação partidária, algo que também não é unânime.
Mas aqui no Brasil há esse sentimento
de que tudo deve ter motivação política: a música tem que ser
política, as universidades, os livros, os órgãos públicos, o
entretenimento. É uma redução do mundo a uma visão míope das
coisas. É verdade que temos vários problemas a resolver, mas não é
distribuindo obrigações indevidas a órgãos não-competentes que
iremos saná-los. A televisão sempre irá nivelar por baixo sua
programação, pois sua ocupação é o flerte com o público, ora
retratando as verdades óbvias, ora atiçando sua comodidade –
atuando como lente de aumento. Os ativistas LGBTS podem comemorar,
mas não devem esquecer que a luta é primariamente deles, com ou sem
aliados. O apoio da mídia é, nesse sentido, um bônus inesperado e
muito bem-vindo ao movimento, mas longe de ser uma obrigação.
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