Eu estava no início
da adolescência quando me peguei pensando no que seria uma voz
perfeita. Empoleirado no banco do jardim (na minha terra chama-se
“frente”), observava por cima do muro um grupo de garotos
brincando na rua. Ao fundo, uma música tocava. Era o grande sucesso
do momento, inevitável, indefectível. Na verdade, deve ter sido ela
que me pôs a pensar a respeito da voz perfeita. À época, limitado
pelos meus parcos conhecimentos musicais, imaginei que o detentor da
tal voz deveria ser capaz de efetuar vibratos conforme lhe conviesse,
além de possuir fôlego considerável, além de poder cantar em
todas as regiões – grave, média e aguda –, do piano
(suave) ao forte.
Alguns anos depois,
perambulando pela seção de livros de um hipermercado, eis que ouço,
vindo da seção de CD's (onde um vídeo era reproduzido), uma
portentosa voz. Aquilo atraiu-me imediatamente. Era uma voz daquelas
que é dadivada a poucos humanos. Aproximei-me para verificar quem
dominava aquele som. Registrei o nome e fiquei por ali um tempo,
apreciando as notas perfeitamente entoadas. E qual não foi minha
surpresa ao deparar, na música seguinte, com aquela mesma música
que ouvi na adolescência. Então era ela a intérprete? Minha
ignorância musical não me permitiu que àquela época eu percebesse
que aquela voz era a que eu estava procurando. Foi preciso alguns
anos de busca e acúmulo de conhecimento musical para poder
reencontrá-la, agora como um tesouro descoberto.
Whitney Houston foi,
antes e acima de tudo, uma voz. Suas músicas, a despeito das belas
melodias, não dispunham das letras engenhosas que tanto agradam os
intelectuais. Tampouco traziam inovações musicais, que é certo
cativarem os críticos. Pautada nos sentimentos comuns a todos,
falava principalmente de amor. No entanto, não se pode desprezar
como cantava. As notas das muitas oitavas que conseguia alcançar
eram entoadas com volume, em uma voz potente, dessas que parecem
poder ser tocadas. Não à toa recebeu mais de quatrocentos prêmios
musicais. Possuía uma
interpretação notável, cuja emoção transmitida pode ser vista em
seus vídeos. Demonstrava grande intimidade com a música, dados os
improvisos que realizava.
Alguns podem
criticá-la porque não atingia os agudos das grandes sopranos, a
exemplo de algumas contemporâneas suas, como se houvesse alguma
lógica nesse argumento. Outros talvez lembrem que recebeu apenas
seis Grammy's ao longo da vida, enquanto a novata britânica, em sua
primeira aparição, levou a mesma quantidade. [Talvez o maior trunfo
de Adele tenha sido a sorte de surgir no atual cenário decadente e
letárgico da música, tão impotente em criar artistas perenes] Mas
não há premiação que traduza tudo que ela representou para, não
apenas uma, mas para várias gerações. Além de contribuir para o
ingresso de cantoras negras americanas no cenário musical, é
inspiração certa para os aspirantes a cantores.
Sigo a filosofia de
separar o artista da pessoa. Como pessoa, Whitney cometeu erros,
todos contra ela própria, que a levaram ao triste fim. Infelizmente,
esses erros nos privaram de grandes interpretações que poderíamos
ter. No entanto, a artista permanecerá sempre viva, lembrada que
será pelos que se rendem ao belo som de sua voz perfeita.
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