Muita gente no ponto.
Naturalmente. É assim em dias normais. A um canto estão os
trabalhadores da construção civil, facilmente identificados por
seus trajes: bermudas, camisas-regata, bonés, sandálias, mochilas
às costas ou às mãos. Morenos, queimados do sol, barba por fazer,
sem dispensar a galhofa, cantam a garota aprumada que passa
desdenhosa. Mais à frente, a garotada que vai para o colégio.
Fardados, carregam as mochilas e os livros coloridos. Casais de
namorados riem baixo, celebrando o novo dia sob beijos, enquanto os
mais moleques puxam os cabelos das meninas mais velhas, que em vão
ralham com eles. Aqui e ali grupos de mulheres conversam alto,
tratando dos últimos acontecimentos: o programa da televisão do dia
anterior, o companheiro de trabalho, o novo emprego do marido, os
feitos dos filhos. Carregam bolsas e pacotes com os mais diversos
conteúdos. Roupas variadas: preto, branco, colorido, salto alto,
baixo, sandália, calça, saia, cabelo longo, solto, curto, preso,
amarelo, vermelho. O homem lê tranqüilamente seu jornal enquanto
espera a condução. Um alvoroço. Para. Olha. Não é a sua. Volta a
ler. Nova agitação. Verifica o letreiro. É ele. Está lotado. Vem
outro atrás, vazio. Passa direto. É ir no primeiro...
Muita gente na parte da
frente, ocupando o lugar reservado aos deficientes e idosos. Difícil
chegar à catraca. O cobrador, com óculos escuros para despistar os
olhos sonolentos, solicita a jovem a ceder lugar a uma velha senhora.
Ela resmunga: “mas é cada uma!”, e sai indignada. O garotinho de
dois anos, no colo da mãe, observa atento as pessoas que sobem os
altos degraus. Algumas abatidas, outras sorridentes; umas lhe são
indiferentes, outras passam-lhe a mão na cabeça ou apertam sua
bochecha. O motorista espera a última pessoa subir o primeiro
degrau, o suficiente para que a porta se feche sem ferir ninguém, e
dá nova partida, já sob protesto dos passageiros apressados.
Não há assento vazio,
e a dúvida dos que já pagaram a passagem é onde se acomodarão.
Deve ser onde primeiro alguém se levantará. Fardas ajudam a
identificar locais favoráveis. Outros optam por encaminhar-se ao
fundo do veículo, onde possivelmente descerá logo alguém.
Geralmente fazem isso a maioria dos homens e as poucas mulheres
destemidas. As demais preferem permanecer em pé no meio da condução
a sentarem-se com os homens na parte de atrás.
O homem com sua pesada
mala sofre por não ter quem o ajude e indigna-se com o outro que
oferece-se à jovem em pé a seu lado para segurar seu caderno.
Perfumes e demais odores misturam-se à medida que as pessoas vão
passando e se amontoando. O ônibus freia de repente, atirando as
pessoas à frente – ao menos os que podem se mover. Os que não,
ficam imóveis, escorados uns nos outros. Nova onda de reclamações
e a condução prossegue. Alguém se levanta. Vai descer. Expectativa
para sentar no lugar vago. Em nossos tempos, não se espera mais que
ele “esfrie”. Existe pressa. Tenta-se jogar a bolsa, correr,
fingir ignorar, perguntar se o camarada perto vai sentar. Ao
vencedor, o lugar.
O ônibus segue direto
pela pista ondulada. Ninguém desce. Conversas dispersas tentam
distrair o aluno que estuda para a prova. Pegou o ônibus ainda vazio
com esse intento. O menino que subiu por trás insta com os
passageiros para que lhe comprem doces – é para ajudar a família
–, enquanto um velho doente à frente pede para que alguém lhe
pague a passagem. O ônibus para, finalmente. As mulheres descem
apressadas, despedindo-se de suas companheiras. Os homens
cumprimentam-se cordialmente e desejam mutuamente um bom trabalho. Os
que descem sentem-se aliviados e acenam uma última vez aos que
ficaram, como que para desejar-lhes boa sorte durante o resto do
percurso.
Ao final, cada qual
segue sua vida ao descer do coletivo. Preocupam-se com seus
problemas, suas obrigações. Deixa lá dentro o sentimento e a
condição de ser social, de respeitar o espaço alheio. O coletivo
congrega pessoas diferentes, com ideias diferentes, de posições
sociais diferentes. Mistura os ânimos, as gerações, as modas.
Quando se está em seu interior sabe-se que todos são iguais. É
necessário ceder – na arrogância, na prepotência, nos
sentimentos. Exerce a função de nivelador, tornando as pessoas
iguais por uns instantes, até descerem e tomarem seu caminho... Até
a próxima viagem de ônibus.
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