Pesquisar este blog

domingo, 17 de março de 2013

Uma viagem de ônibus

Muita gente no ponto. Naturalmente. É assim em dias normais. A um canto estão os trabalhadores da construção civil, facilmente identificados por seus trajes: bermudas, camisas-regata, bonés, sandálias, mochilas às costas ou às mãos. Morenos, queimados do sol, barba por fazer, sem dispensar a galhofa, cantam a garota aprumada que passa desdenhosa. Mais à frente, a garotada que vai para o colégio. Fardados, carregam as mochilas e os livros coloridos. Casais de namorados riem baixo, celebrando o novo dia sob beijos, enquanto os mais moleques puxam os cabelos das meninas mais velhas, que em vão ralham com eles. Aqui e ali grupos de mulheres conversam alto, tratando dos últimos acontecimentos: o programa da televisão do dia anterior, o companheiro de trabalho, o novo emprego do marido, os feitos dos filhos. Carregam bolsas e pacotes com os mais diversos conteúdos. Roupas variadas: preto, branco, colorido, salto alto, baixo, sandália, calça, saia, cabelo longo, solto, curto, preso, amarelo, vermelho. O homem lê tranqüilamente seu jornal enquanto espera a condução. Um alvoroço. Para. Olha. Não é a sua. Volta a ler. Nova agitação. Verifica o letreiro. É ele. Está lotado. Vem outro atrás, vazio. Passa direto. É ir no primeiro...

Muita gente na parte da frente, ocupando o lugar reservado aos deficientes e idosos. Difícil chegar à catraca. O cobrador, com óculos escuros para despistar os olhos sonolentos, solicita a jovem a ceder lugar a uma velha senhora. Ela resmunga: “mas é cada uma!”, e sai indignada. O garotinho de dois anos, no colo da mãe, observa atento as pessoas que sobem os altos degraus. Algumas abatidas, outras sorridentes; umas lhe são indiferentes, outras passam-lhe a mão na cabeça ou apertam sua bochecha. O motorista espera a última pessoa subir o primeiro degrau, o suficiente para que a porta se feche sem ferir ninguém, e dá nova partida, já sob protesto dos passageiros apressados.

Não há assento vazio, e a dúvida dos que já pagaram a passagem é onde se acomodarão. Deve ser onde primeiro alguém se levantará. Fardas ajudam a identificar locais favoráveis. Outros optam por encaminhar-se ao fundo do veículo, onde possivelmente descerá logo alguém. Geralmente fazem isso a maioria dos homens e as poucas mulheres destemidas. As demais preferem permanecer em pé no meio da condução a sentarem-se com os homens na parte de atrás. 

O homem com sua pesada mala sofre por não ter quem o ajude e indigna-se com o outro que oferece-se à jovem em pé a seu lado para segurar seu caderno. Perfumes e demais odores misturam-se à medida que as pessoas vão passando e se amontoando. O ônibus freia de repente, atirando as pessoas à frente – ao menos os que podem se mover. Os que não, ficam imóveis, escorados uns nos outros. Nova onda de reclamações e a condução prossegue. Alguém se levanta. Vai descer. Expectativa para sentar no lugar vago. Em nossos tempos, não se espera mais que ele “esfrie”. Existe pressa. Tenta-se jogar a bolsa, correr, fingir ignorar, perguntar se o camarada perto vai sentar. Ao vencedor, o lugar.

O ônibus segue direto pela pista ondulada. Ninguém desce. Conversas dispersas tentam distrair o aluno que estuda para a prova. Pegou o ônibus ainda vazio com esse intento. O menino que subiu por trás insta com os passageiros para que lhe comprem doces – é para ajudar a família –, enquanto um velho doente à frente pede para que alguém lhe pague a passagem. O ônibus para, finalmente. As mulheres descem apressadas, despedindo-se de suas companheiras. Os homens cumprimentam-se cordialmente e desejam mutuamente um bom trabalho. Os que descem sentem-se aliviados e acenam uma última vez aos que ficaram, como que para desejar-lhes boa sorte durante o resto do percurso.

Ao final, cada qual segue sua vida ao descer do coletivo. Preocupam-se com seus problemas, suas obrigações. Deixa lá dentro o sentimento e a condição de ser social, de respeitar o espaço alheio. O coletivo congrega pessoas diferentes, com ideias diferentes, de posições sociais diferentes. Mistura os ânimos, as gerações, as modas. Quando se está em seu interior sabe-se que todos são iguais. É necessário ceder – na arrogância, na prepotência, nos sentimentos. Exerce a função de nivelador, tornando as pessoas iguais por uns instantes, até descerem e tomarem seu caminho... Até a próxima viagem de ônibus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário