A história de uma proposta de decreto, ativistas radicais, povo ignorante e mídia manipuladora.
Que o Brasil é um país onde as
pessoas não gostam de ler todo mundo sabe. Que o Brasil é um país
onde a maioria dos que leem não consegue entender nada também não
é novidade. Agora também se estabeleceu que aqui é um lugar onde
não se precisa ler para tomar algo como verdade ou não. Basta ouvir
um boato – nem sequer oriundo de entidade supostamente idônea –
que automaticamente ele é tomado por verdade, não importando suas
implicações. O projeto de decreto legislativo que ficou conhecido
como “cura gay” é o caso mais notório disso.
É curioso notar que a imensa e
esmagadora maioria dos que se declararam contra a proposta de decreto
legislativo 234/11 simplesmente não a leu. Alguns a atacaram
simplesmente porque os outros assim procederam (“ora, se todo mundo
está fazendo, então deve ser o certo!”), já outros o fizeram
acreditando tratar-se de uma causa justa – mas desconhecendo seu
conteúdo. Mas havia o perigoso grupo dos militantes. Esse grupo,
muito frequentemente, não está interessado em ser justo ou em
debates saudáveis. Eles tão somente vão de encontro a tudo que
cite o nome de sua bandeira, sem qualquer análise ou chance de
defesa pela outra parte. Sem respeito mesmo. Consideram-se donos de
toda a verdade.
É fácil dirimir qualquer dúvida –
e todo o engodo que houve por detrás desse ativismo fanático – a
respeito do projeto. Basta lê-lo e ler as seções da Resolução
1/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) às quais ele faz
referência. Mas, antes disso, deve-se dizer algumas verdades.
Primeiro: esse projeto não foi elaborado pelo deputado Marco
Feliciano, como quis fazer crer o grupo do contra. Ele (o projeto) é
de autoria do deputado João Campos. Marco Feliciano, na qualidade de
presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara,
apenas o colocou em votação (e, diga-se de passagem, ele não votou
nem contra nem a favor, pois quem ocupa esse cargo é isento de
votar). Segundo: o projeto não afirma que homossexualidade seja
doença, não institui métodos de cura para homossexuais, nem
conclama os psicólogos que o façam. O que o projeto pretende é
sustar (suspender, anular) um parágrafo e um artigo de uma Resolução
do Conselho Federal de Psicologia que proíbe os profissionais de
oferecer algum tipo de tratamento para mudança de orientação
sexual. Vejamos o que diz o projeto:
Art. 1º Este Decreto Legislativo susta
o parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da Resolução do
Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999.
Art. 2º Fica sustada a aplicação do
Parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da Resolução do
Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999, que
estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à
questão da orientação sexual.
Art. 3º Este decreto legislativo entra
em vigor na data de sua publicação.
Agora, seguem os trechos citados da
Resolução do CFP:
Art. 3° – os psicólogos não
exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de
comportamentos ou práticas homoeróticas nem adotarão ação
coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não
solicitados.
Parágrafo único – Os psicólogos
não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e
cura das homossexualidades.
Art. 4° – Os psicólogos não se
pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos
meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos
sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de
qualquer desordem psíquica.
Com algum exercício de leitura e
raciocínio, podemos concluir que tal projeto passa longe de ser uma
proposta de “cura gay”. Porque a mídia e os militantes o
associaram a esse nome ninguém sabe. Mas pegou. Uma procissão de
defensores de minorias pulou, gritou, acusou, criticou, xingou,
esbravejou, achincalhou, entre outros verbos virulentos, só não
fizeram uma coisa: ler a proposta. Os que leram não quiseram
entender, ou decidiram continuar no grupo do contra só porque é
mais divertido. O texto é claro ao não se opor à primeira parte do
parágrafo terceiro, que posiciona os psicólogos contra a ideia de
que homossexualidade seja doença. Esse mesmo parágrafo os impede de
tratar homoafetivos contra sua vontade. Epa! Isso quer dizer que,
caso este procure, por livre e espontânea vontade, tratamento para
mudança de conduta sexual o psicólogo pode orientá-lo nesse
sentido? Atualmente, não (porque, de acordo com o CFP, não é
possível mudar de orientação sexual). E é justamente isso que o
projeto de lei pretende permitir.
Ora, e por que alguém que sente
atração sexual por pessoas do mesmo gênero procuraria ajuda de um
profissional da mente e do comportamento? Por diversos motivos. Ou
será que a orientação sexual é algo tão sublime a ponto de todos
se sentirem confortáveis e livres de angústia ou insatisfação?
Claro que o tema é polêmico e discutível, longe de ser simples.
Mas o dia em que qualquer ramo da ciência colocar uma pedra sobre
qualquer assunto, tachando o conhecimento sobre ele definitivo,
pode-se desconsiderá-la como ciência. Mesmo as ciências exatas,
pautadas pelo rigor dos métodos e provas, revê as limitações de
seus conceitos. É o caso da geometria plana, que dominou durante
séculos o universo matemático, mas se mostrou insuficiente para
lidar com espaços curvos, como a forma geoide da Terra, obrigando os
matemáticos a desenvolverem geometrias não-euclidianas (não sem
reprimendas de alguns). Assim foi também com as leis da mecânica
newtoniana, que governaram a descrição dos movimentos dos corpos
durante muito tempo, mas sua aplicação no universo das partículas
subatômicas não se verificou, daí surgindo a mecânica quântica –
e iniciando a busca pela teoria que unificaria essas duas mecânicas.
Que seria do mundo se ainda crêssemos que a Terra é chata, ou que
ela é o centro do universo?
Ora, se até mesmo a Nutrição, que
se parece com uma ciência exata, se mostra frágil em suas
conclusões, que dirá da Psicologia, tão recente e com objeto de
estudo tão intrincado como a mente humana. Em tão pouco tempo houve
diversas escolas com diferentes abordagens. Já foi normal tratar
loucos com descargas elétricas. Até mesmo a psicanálise, cultuada
por muitos, é constantemente acusada de sua eficácia. A capitulação
do CFP perante a pressão dos militantes LGBT não é nada
científico. Proibir que mesmo um profissional atenda – ou se
dedique ao estudo de – casos de mudança de conduta de
homossexualidade não contribui em nada para o conhecimento desse
campo (caso alguém ache desnecessário estudar esse fenônemo, então
que se posicione também contra o estudo do universo, que parece bem
menos útil e dispensa muito mais recursos). Muitos psicólogos
afirmam que orientação sexual é inalterável (do ponto de vista
terapêutico). Será? Será que o CFP conhece todos os casos do
mundo a ponto de fazer tal afirmação? Isso parece mais prepotência
anunciada que ciência investigativa.
Ter predileção por fazer sexo com
animais é uma orientação natural, um distúrbio ou uma fase da
vida? Ter apreço em introduzir vegetais cilíndricos em orifícios
do próprio corpo pode ser caso de consultório? Apetite sexual por
crianças pode ser anulado? Se não, por que é crime praticar
relações com elas? Coprofilia, agalmatofilia, dendrofilia... O que
é expressão saudável de sexualidade e o que não é (parafilia)? O
que pode e o que não pode ser revertido? Pode-se abraçar cabalmente
a teoria da evolução e crer que a homossexualidade é tão boa
quanto a heterossexualidade? Quem pode legislar sobre essas questões
e como se processa a resposta a elas? Para tratar tais colocações
há que se propor testes, analisar casos, investigar cientificamente,
e isso não inclui atender a ordens de comando de ativistas de qual
causa seja.
Mas o mais impressionante na celeuma
em torno da “cura gay” é que pessoas instruídas, que citam
filósofos quando se engajam em suas causas, defensores da justiça,
que demonstram idoneidade, simplesmente se omitiram no caso, deixando
grassar a ignorância e o maniqueísmo dos militantes, que se negam a
discutir sobre uma base racional de argumentos (ou pior: juntaram-se
ao coro dos revoltosos mesmo sabendo ser extremada suas atitudes).
Muitos trocaram o debate saudável e discussão da verdade pelo
receio de ver sua imagem associada ao deputado Marco Feliciano, que
também é pastor. O autor do projeto, João Campos, também é
pastor evangélico. Aquelas pessoas tão ativas politicamente, que
viviam a criticar a mídia pela sua manipulação, preferiram
deixá-la espalhar livremente a distorção do projeto de lei,
aproveitando o clima de hostilidade para com os deputados-pastores –
o que torna difícil não pensar em perseguição religiosa (não faz
muito tempo um padre foi excomungado da Igreja Católica por aceitar
o homossexualismo, mas, estranhamente, não houve qualquer
manifestação de repúdio ao fato). Antes mesmo da votação do
projeto, sobravam críticas a Marco Feliciano, por declarações suas
sobre assuntos polêmicos. O engraçado é que, num país
supostamente livre como o nosso, onde teoricamente há liberdade de
expressão, é custoso possuir qualquer opinião sobre minorias que
vão de encontro ao que pensa a maioria (mesmo Clodovil Hernandes,
gay assumido, foi vaiado por militantes apenas porque discordou
deles). É fácil acusar alguém sobre o que se queira e negar o
direito de defesa dessa pessoa, como fez a mídia brasileira. Mesmo
um programa de grande audiência da televisão – que entrevistou o
também pastor Silas Malafaia meses antes –, se negou a entrevistar
Marco Feliciano. Medo? Do quê? De desmentimento ou de ser associado
a uma figura gratuitamente indesejada?
Do fato, fica a conclusão: cada um
pense duas vezes antes de falar algo sobre as minorias, mesmo que
seja algo neutro. Os ativistas estão à espreita, prontos para
atacar qualquer coisa que os cite, acossando até os que têm boas
intenções. Além disso, eles têm as massas a seu lado. Como o
flautista de Hamelin, atraem os ingênuos com manifestações hostis,
levando-os aonde quiserem. Estranho é associar essa intolerância
aos recentes manifestos das ruas pelo fim da opressão do povo. Que
tal construir essa nova relação social baseada em uma justiça que
sirva a todos, sem discriminação e de modo equânime?