Pesquisar este blog

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A "cura" gay


A história de uma proposta de decreto, ativistas radicais, povo ignorante e mídia manipuladora.


Que o Brasil é um país onde as pessoas não gostam de ler todo mundo sabe. Que o Brasil é um país onde a maioria dos que leem não consegue entender nada também não é novidade. Agora também se estabeleceu que aqui é um lugar onde não se precisa ler para tomar algo como verdade ou não. Basta ouvir um boato – nem sequer oriundo de entidade supostamente idônea – que automaticamente ele é tomado por verdade, não importando suas implicações. O projeto de decreto legislativo que ficou conhecido como “cura gay” é o caso mais notório disso.

É curioso notar que a imensa e esmagadora maioria dos que se declararam contra a proposta de decreto legislativo 234/11 simplesmente não a leu. Alguns a atacaram simplesmente porque os outros assim procederam (“ora, se todo mundo está fazendo, então deve ser o certo!”), já outros o fizeram acreditando tratar-se de uma causa justa – mas desconhecendo seu conteúdo. Mas havia o perigoso grupo dos militantes. Esse grupo, muito frequentemente, não está interessado em ser justo ou em debates saudáveis. Eles tão somente vão de encontro a tudo que cite o nome de sua bandeira, sem qualquer análise ou chance de defesa pela outra parte. Sem respeito mesmo. Consideram-se donos de toda a verdade.

É fácil dirimir qualquer dúvida – e todo o engodo que houve por detrás desse ativismo fanático – a respeito do projeto. Basta lê-lo e ler as seções da Resolução 1/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) às quais ele faz referência. Mas, antes disso, deve-se dizer algumas verdades. Primeiro: esse projeto não foi elaborado pelo deputado Marco Feliciano, como quis fazer crer o grupo do contra. Ele (o projeto) é de autoria do deputado João Campos. Marco Feliciano, na qualidade de presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, apenas o colocou em votação (e, diga-se de passagem, ele não votou nem contra nem a favor, pois quem ocupa esse cargo é isento de votar). Segundo: o projeto não afirma que homossexualidade seja doença, não institui métodos de cura para homossexuais, nem conclama os psicólogos que o façam. O que o projeto pretende é sustar (suspender, anular) um parágrafo e um artigo de uma Resolução do Conselho Federal de Psicologia que proíbe os profissionais de oferecer algum tipo de tratamento para mudança de orientação sexual. Vejamos o que diz o projeto:

Art. 1º Este Decreto Legislativo susta o parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999.
Art. 2º Fica sustada a aplicação do Parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual.
Art. 3º Este decreto legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

Agora, seguem os trechos citados da Resolução do CFP:

Art. 3° – os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.

Com algum exercício de leitura e raciocínio, podemos concluir que tal projeto passa longe de ser uma proposta de “cura gay”. Porque a mídia e os militantes o associaram a esse nome ninguém sabe. Mas pegou. Uma procissão de defensores de minorias pulou, gritou, acusou, criticou, xingou, esbravejou, achincalhou, entre outros verbos virulentos, só não fizeram uma coisa: ler a proposta. Os que leram não quiseram entender, ou decidiram continuar no grupo do contra só porque é mais divertido. O texto é claro ao não se opor à primeira parte do parágrafo terceiro, que posiciona os psicólogos contra a ideia de que homossexualidade seja doença. Esse mesmo parágrafo os impede de tratar homoafetivos contra sua vontade. Epa! Isso quer dizer que, caso este procure, por livre e espontânea vontade, tratamento para mudança de conduta sexual o psicólogo pode orientá-lo nesse sentido? Atualmente, não (porque, de acordo com o CFP, não é possível mudar de orientação sexual). E é justamente isso que o projeto de lei pretende permitir.

Ora, e por que alguém que sente atração sexual por pessoas do mesmo gênero procuraria ajuda de um profissional da mente e do comportamento? Por diversos motivos. Ou será que a orientação sexual é algo tão sublime a ponto de todos se sentirem confortáveis e livres de angústia ou insatisfação? Claro que o tema é polêmico e discutível, longe de ser simples. Mas o dia em que qualquer ramo da ciência colocar uma pedra sobre qualquer assunto, tachando o conhecimento sobre ele definitivo, pode-se desconsiderá-la como ciência. Mesmo as ciências exatas, pautadas pelo rigor dos métodos e provas, revê as limitações de seus conceitos. É o caso da geometria plana, que dominou durante séculos o universo matemático, mas se mostrou insuficiente para lidar com espaços curvos, como a forma geoide da Terra, obrigando os matemáticos a desenvolverem geometrias não-euclidianas (não sem reprimendas de alguns). Assim foi também com as leis da mecânica newtoniana, que governaram a descrição dos movimentos dos corpos durante muito tempo, mas sua aplicação no universo das partículas subatômicas não se verificou, daí surgindo a mecânica quântica – e iniciando a busca pela teoria que unificaria essas duas mecânicas. Que seria do mundo se ainda crêssemos que a Terra é chata, ou que ela é o centro do universo?

Ora, se até mesmo a Nutrição, que se parece com uma ciência exata, se mostra frágil em suas conclusões, que dirá da Psicologia, tão recente e com objeto de estudo tão intrincado como a mente humana. Em tão pouco tempo houve diversas escolas com diferentes abordagens. Já foi normal tratar loucos com descargas elétricas. Até mesmo a psicanálise, cultuada por muitos, é constantemente acusada de sua eficácia. A capitulação do CFP perante a pressão dos militantes LGBT não é nada científico. Proibir que mesmo um profissional atenda – ou se dedique ao estudo de – casos de mudança de conduta de homossexualidade não contribui em nada para o conhecimento desse campo (caso alguém ache desnecessário estudar esse fenônemo, então que se posicione também contra o estudo do universo, que parece bem menos útil e dispensa muito mais recursos). Muitos psicólogos afirmam que orientação sexual é inalterável (do ponto de vista terapêutico). Será? Será que o CFP conhece todos os casos do mundo a ponto de fazer tal afirmação? Isso parece mais prepotência anunciada que ciência investigativa.

Ter predileção por fazer sexo com animais é uma orientação natural, um distúrbio ou uma fase da vida? Ter apreço em introduzir vegetais cilíndricos em orifícios do próprio corpo pode ser caso de consultório? Apetite sexual por crianças pode ser anulado? Se não, por que é crime praticar relações com elas? Coprofilia, agalmatofilia, dendrofilia... O que é expressão saudável de sexualidade e o que não é (parafilia)? O que pode e o que não pode ser revertido? Pode-se abraçar cabalmente a teoria da evolução e crer que a homossexualidade é tão boa quanto a heterossexualidade? Quem pode legislar sobre essas questões e como se processa a resposta a elas? Para tratar tais colocações há que se propor testes, analisar casos, investigar cientificamente, e isso não inclui atender a ordens de comando de ativistas de qual causa seja.

Mas o mais impressionante na celeuma em torno da “cura gay” é que pessoas instruídas, que citam filósofos quando se engajam em suas causas, defensores da justiça, que demonstram idoneidade, simplesmente se omitiram no caso, deixando grassar a ignorância e o maniqueísmo dos militantes, que se negam a discutir sobre uma base racional de argumentos (ou pior: juntaram-se ao coro dos revoltosos mesmo sabendo ser extremada suas atitudes). Muitos trocaram o debate saudável e discussão da verdade pelo receio de ver sua imagem associada ao deputado Marco Feliciano, que também é pastor. O autor do projeto, João Campos, também é pastor evangélico. Aquelas pessoas tão ativas politicamente, que viviam a criticar a mídia pela sua manipulação, preferiram deixá-la espalhar livremente a distorção do projeto de lei, aproveitando o clima de hostilidade para com os deputados-pastores – o que torna difícil não pensar em perseguição religiosa (não faz muito tempo um padre foi excomungado da Igreja Católica por aceitar o homossexualismo, mas, estranhamente, não houve qualquer manifestação de repúdio ao fato). Antes mesmo da votação do projeto, sobravam críticas a Marco Feliciano, por declarações suas sobre assuntos polêmicos. O engraçado é que, num país supostamente livre como o nosso, onde teoricamente há liberdade de expressão, é custoso possuir qualquer opinião sobre minorias que vão de encontro ao que pensa a maioria (mesmo Clodovil Hernandes, gay assumido, foi vaiado por militantes apenas porque discordou deles). É fácil acusar alguém sobre o que se queira e negar o direito de defesa dessa pessoa, como fez a mídia brasileira. Mesmo um programa de grande audiência da televisão – que entrevistou o também pastor Silas Malafaia meses antes –, se negou a entrevistar Marco Feliciano. Medo? Do quê? De desmentimento ou de ser associado a uma figura gratuitamente indesejada?

Do fato, fica a conclusão: cada um pense duas vezes antes de falar algo sobre as minorias, mesmo que seja algo neutro. Os ativistas estão à espreita, prontos para atacar qualquer coisa que os cite, acossando até os que têm boas intenções. Além disso, eles têm as massas a seu lado. Como o flautista de Hamelin, atraem os ingênuos com manifestações hostis, levando-os aonde quiserem. Estranho é associar essa intolerância aos recentes manifestos das ruas pelo fim da opressão do povo. Que tal construir essa nova relação social baseada em uma justiça que sirva a todos, sem discriminação e de modo equânime?

Nenhum comentário:

Postar um comentário