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sábado, 20 de julho de 2013

Casa

– Quero ir pra casa!

A frase, pronunciada entre soluços, fez com que muitos passageiros da aeronave se revolvessem em seus assentos em busca de sua autora. Depararam-se com uma garotinha em início de vida, com um vestido rosa disputando atenção com seus cachos dourados. Em prantos, ela esfregava as mãozinhas nos lhos e continuava instando com seus pais que a levassem para casa. Casa...
 
Mesmo a pouca idade daquela criança não foi suficiente para impedi-la de compreender o real sentido do termo. Apavorada com o que talvez tenha sido seu primeiro voo, inibida diante de tantas pessoas desconhecidas, desconfiada da segurança da viagem, sua única alternativa foi remeter ao lugar onde se sentia mais segura: o lar.

Desde que o homem cansou de se preocupar com sua segurança e sofrer no próprio corpo a fúria das intempéries ele tem buscado formas de abrigo. Em um passado remoto, quando ainda não dispunha de ferramentas, métodos e matéria-prima, ele buscou na natureza a solução: em vez das plantas de altas copas, passou a abrigar-se em formações rochosas. Esse fato originou o epíteto que caracterizou o vivente daquela época: “o homem das cavernas”.

Com o advento das tecnologias e o estabelecimento da raça humana nos lugares mais diversos do globo, eis que surge uma infinidade de moradias à disposição. Houve os que fabricaram tijolos – enquanto alguns os coziam, outros os preferiam crus – e construíram casas com eles. Muitos se serviram da abundância de madeira de sua região para se proteger do frio. Não foram poucos os que, mais práticos, utilizaram o barro em estado puro para edificar seus cômodos. Tantos foram os que empilharam pedras de modo engenhoso. Houve mesmo quem se valeu de peles de animais para montar seu teto. E quem não tinha nada além de gelo a seu redor pegou nele mesmo e fez seu iglu.
 
Percebendo que a importância de sua invenção ultrapassava o propósito inicial, eis que surge uma insatisfação com o nome que lhe dera. Ora, um lugar onde agora se passa a maior parte do tempo – seja comendo, dormindo, descansando, pondo o amor em prática, dando à luz, ou mesmo trabalhando – não pode ter a mesma designação de antes. Assim, surgiu na língua – que sempre atende aos desejos de seus falantes – um nome novo, que remetia não à estrutura física, mas à simpatia e afeto que os habitantes de seu interior lhe dispensavam. No nosso idioma temos o termo “lar”, complementando “casa”. Os espanhóis saíram com a dupla “casa” e “hogar”. Os ingleses criaram “house” e “home”. Os alemães, por sua vez, vieram com “Hause” e “Zuhause”. Os franceses juntaram tudo em “maison”, talvez pelo fato de fazerem tudo com prazer – vejam-se suas invejadas refeições que não engordam.

Ao longo da história, várias casas tornaram-se notórias. Algumas onde residiram vivos, outras destinadas já aos mortos. Algumas são suntuosas, outras são bastante humildes. Podemos visitar algumas, mas outras apenas vemos de longe. Visitar as casas alheias nos faz compará-las com a nossa – o que pode nos trazer felicidade quando a achamos superior, ou inquietação ao senti-la menos nobre. Há quem viva a vida inteira numa única habitação, ao passo que muitos outros carregam consigo reminiscências dos lugares que já chamou de lar. E devemos ainda lembrar daqueles que, rebeldes que são, abandonam suas casas para voltarem à natureza bruta e acolhedora.

Mas nossa garotinha chamava por sua casa... Seu lar. Mesmo sendo tão nova ela sentia, pela experiência, que em sua casa ela estaria bem-guardada. Lá ela não teria preocupações, nem medo – talvez só um pouquinho, mas haveria pessoas para a reconfortar. Não se sabe como era sua casa – se grande, pequena, um apartamento ou um condomínio fechado de alto luxo. Para ela não importava esses conceitos de gente grande. Para a pequena, seu lar era suficiente, independentemente da opinião dos outros a seu respeito. Ali ela era feliz. Para lá ela queria retornar – e já! Ela embarcou contrariada em sua viagem, mas sabia que, ao regressar, sua casa estaria lá para a acolher e fazê-la de novo feliz.

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