– Quero ir pra casa!
A frase, pronunciada entre soluços,
fez com que muitos passageiros da aeronave se revolvessem em seus
assentos em busca de sua autora. Depararam-se com uma garotinha em
início de vida, com um vestido rosa disputando atenção com seus
cachos dourados. Em prantos, ela esfregava as mãozinhas nos lhos e
continuava instando com seus pais que a levassem para casa. Casa...
Mesmo a pouca idade daquela criança
não foi suficiente para impedi-la de compreender o real sentido do
termo. Apavorada com o que talvez tenha sido seu primeiro voo,
inibida diante de tantas pessoas desconhecidas, desconfiada da
segurança da viagem, sua única alternativa foi remeter ao lugar
onde se sentia mais segura: o lar.
Desde que o homem cansou de se
preocupar com sua segurança e sofrer no próprio corpo a fúria das
intempéries ele tem buscado formas de abrigo. Em um passado remoto,
quando ainda não dispunha de ferramentas, métodos e matéria-prima,
ele buscou na natureza a solução: em vez das plantas de altas
copas, passou a abrigar-se em formações rochosas. Esse fato
originou o epíteto que caracterizou o vivente daquela época: “o
homem das cavernas”.
Com o advento das tecnologias e o
estabelecimento da raça humana nos lugares mais diversos do globo,
eis que surge uma infinidade de moradias à disposição. Houve os
que fabricaram tijolos – enquanto alguns os coziam, outros os
preferiam crus – e construíram casas com eles. Muitos se serviram
da abundância de madeira de sua região para se proteger do frio.
Não foram poucos os que, mais práticos, utilizaram o barro em
estado puro para edificar seus cômodos. Tantos foram os que
empilharam pedras de modo engenhoso. Houve mesmo quem se valeu de
peles de animais para montar seu teto. E quem não tinha nada além
de gelo a seu redor pegou nele mesmo e fez seu iglu.
Percebendo que a importância de sua
invenção ultrapassava o propósito inicial, eis que surge uma
insatisfação com o nome que lhe dera. Ora, um lugar onde agora se
passa a maior parte do tempo – seja comendo, dormindo, descansando,
pondo o amor em prática, dando à luz, ou mesmo trabalhando – não
pode ter a mesma designação de antes. Assim, surgiu na língua –
que sempre atende aos desejos de seus falantes – um nome novo, que
remetia não à estrutura física, mas à simpatia e afeto que os
habitantes de seu interior lhe dispensavam. No nosso idioma temos o
termo “lar”, complementando “casa”. Os espanhóis saíram com
a dupla “casa” e “hogar”. Os ingleses criaram “house” e
“home”. Os alemães, por sua vez, vieram com “Hause” e
“Zuhause”. Os franceses juntaram tudo em “maison”, talvez
pelo fato de fazerem tudo com prazer – vejam-se suas invejadas
refeições que não engordam.
Ao longo da história, várias casas
tornaram-se notórias. Algumas onde residiram vivos, outras
destinadas já aos mortos. Algumas são suntuosas, outras são
bastante humildes. Podemos visitar algumas, mas outras apenas vemos
de longe. Visitar as casas alheias nos faz compará-las com a nossa –
o que pode nos trazer felicidade quando a achamos superior, ou
inquietação ao senti-la menos nobre. Há quem viva a vida inteira
numa única habitação, ao passo que muitos outros carregam consigo
reminiscências dos lugares que já chamou de lar. E devemos ainda
lembrar daqueles que, rebeldes que são, abandonam suas casas para
voltarem à natureza bruta e acolhedora.
Mas nossa garotinha chamava por sua
casa... Seu lar. Mesmo sendo tão nova ela sentia, pela experiência,
que em sua casa ela estaria bem-guardada. Lá ela não teria
preocupações, nem medo – talvez só um pouquinho, mas haveria
pessoas para a reconfortar. Não se sabe como era sua casa – se
grande, pequena, um apartamento ou um condomínio fechado de alto
luxo. Para ela não importava esses conceitos de gente grande. Para a
pequena, seu lar era suficiente, independentemente da opinião dos
outros a seu respeito. Ali ela era feliz. Para lá ela queria
retornar – e já! Ela embarcou contrariada em sua viagem, mas sabia
que, ao regressar, sua casa estaria lá para a acolher e fazê-la de
novo feliz.
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