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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Uma questão de atenção

A demora em detectar sinais decorrentes de maus tratos sofridos por idosos e crianças por parte de seus cuidadores pode ser indício de falta de atenção adequada por conta de seus responsáveis


É recorrente a veiculação de notícias referentes a agressões sofridas por crianças ou idosos em lugares que se destinam a os abrigar, como creches ou escolas, asilos e casas de repouso (ou, no pior dos casos, dentro de casa, por babás ou cuidadores). Imagino a dor e a revolta que se instala nas famílias que passam por essa situação. Certamente trata-se de uma atitude bárbara e hedionda, que merece ser tratada com os maiores rigores da lei, e destinados a duras penas os praticantes de tais atos contra incapazes. No entanto, com grande frequência tais notícias informam que tais agressões perduraram durante tempo considerável, apenas descobertas quando já em estado insustentável. É esse ponto que sempre me chama a atenção.
 

Saí da casa de meus pais há cinco anos, mudando-me de cidade, e mantenho o hábito de ligar para minha mãe todos os dias. Já nos primeiros segundos de conversa consigo identificar se ela está aborrecida, doente ou preocupada. Sinais como alteração da voz e ânimo da conversação denunciam qualquer anormalidade. Também na época em que usava bastante comunicadores instantâneos para conversar com amigos através da Internet, era fácil, já nas primeiras mensagens trocadas, identificar se a pessoa do outro lado estava com algum tipo de problema. Isso também era fácil, pois o tom da conversa e a escolha das palavras era diferente. E estamos falando de pessoas jovens e adultas, independentes a nível funcional. Ora, se com elas já é perceptível qualquer mudança de comportamento quando perturbadas por questões pequenas ou moderadas, será que é tão difícil assim notar alterações de humor e proceder em crianças tenras e idosos senis?

Irei fazer uma pequena atenuação pelo fato de eu ter a qualidade de bom observador – o que já pude comprovar repetidas vezes, para espanto de não poucas pessoas. Mas aprendi algo nessa vida: qualquer um que se interesse por algo, passa a ser bom observador de seu objeto de interesse. O indivíduo que gosta de carros rapidamente percebe todos os detalhes de um modelo que lhe apresentem, como rodas, design, etc. Quem é aficionado por grifes logo notará quais marcas de roupas e acessórios alguém está utilizando. O amante dedicado facilmente confere as mudanças – visuais ou de comportamento – do parceiro. Longe de querer acusar alguém, apenas desconfio que os casos citados no início do texto sejam decorrentes de falta de atenção devida para com os incapazes entregues a cuidados de terceiros. E isso, para os casos onde seja verdade, é algo que me preocupa.

A rotina das famílias brasileiras tem mudado nas últimas décadas. Com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, a carga de estudos e atividades extras dos filhos e o estabelecimento da família nuclear (excluindo avós, por exemplo, do convívio estreito com filhos e netos), cada vez mais crianças e idosos são deixados a cuidados de outrem. Esse não é o grande problema. A real questão é quando, junto com o indivíduo, quer-se também transmitir a responsabilidade por ele, e não apenas alugar os cuidados de alguém por um determinado período de tempo.

Os professores atualmente em exercício queixam-se bastante do fato de seus alunos chegarem à sala de aula sem o mínimo de modos e educação. O motivo, quase sempre, é que os pais deixam aos cuidados da escola a responsabilidade de educar seus filhos, quando na verdade a instituição tem o dever de contribuir com sua instrução, mas os rudimentos de cidadania devem ser ministrados em casa, pelos pais. O ensino de valores não pode ser transmitido a outros. A assimilação se dá muito cedo, cabendo aos pais o dever de ensinar princípios a seus filhos. Do mesmo modo, muitos filhos não têm paciência e/ou tempo para dar assistência pessoal a seus pais, então os entregam aos cuidados de outrem, mas de tal modo que nem se importam em averiguar o modo como estão sendo tratados, fazendo vista grossa a possíveis sinais de maus tratos, o mesmo valendo para crianças novas.

Anciãos e bebês apresentam, quando maltratados, uma série de sinais bastante perceptíveis para qualquer um que os investigue com o mínimo de atenção. O que suponho ocorrer com frequência é a negligência ao notar esses sinais, atribuindo-os a quaisquer outros motivos, que não agressões de terceiros. Minha mãe sempre conta que, quando eu e meus irmãos éramos cuidados por babás, nos primeiros anos de vida, éramos vistoriados diariamente, sendo acordados, se dormindo, quando minha mãe voltava do trabalho, procurando sinais em nossos corpos ou mudança de comportamento. Temo que falte a muitos pais e filhos os cuidados e atenção devida para com as pessoas que deveriam ser do mais alto grau de importância em suas vidas. Essa simples atitude pode evitar sequelas terríveis e salvar vidas.

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