A demora em detectar sinais decorrentes de maus tratos sofridos por idosos e crianças por parte de seus cuidadores pode ser indício de falta de atenção adequada por conta de seus responsáveis
É recorrente a veiculação de
notícias referentes a agressões sofridas por crianças ou idosos em
lugares que se destinam a os abrigar, como creches ou escolas, asilos
e casas de repouso (ou, no pior dos casos, dentro de casa, por babás
ou cuidadores). Imagino a dor e a revolta que se instala nas famílias
que passam por essa situação. Certamente trata-se de uma atitude
bárbara e hedionda, que merece ser tratada com os maiores rigores da
lei, e destinados a duras penas os praticantes de tais atos contra
incapazes. No entanto, com grande frequência tais notícias informam
que tais agressões perduraram durante tempo considerável, apenas
descobertas quando já em estado insustentável. É esse ponto que
sempre me chama a atenção.
Saí da casa de meus pais há cinco
anos, mudando-me de cidade, e mantenho o hábito de ligar para minha
mãe todos os dias. Já nos primeiros segundos de conversa consigo
identificar se ela está aborrecida, doente ou preocupada. Sinais
como alteração da voz e ânimo da conversação denunciam qualquer
anormalidade. Também na época em que usava bastante comunicadores
instantâneos para conversar com amigos através da Internet, era
fácil, já nas primeiras mensagens trocadas, identificar se a pessoa
do outro lado estava com algum tipo de problema. Isso também era
fácil, pois o tom da conversa e a escolha das palavras era
diferente. E estamos falando de pessoas jovens e adultas,
independentes a nível funcional. Ora, se com elas já é perceptível
qualquer mudança de comportamento quando perturbadas por questões
pequenas ou moderadas, será que é tão difícil assim notar
alterações de humor e proceder em crianças tenras e idosos senis?
Irei fazer uma pequena atenuação
pelo fato de eu ter a qualidade de bom observador – o que já pude
comprovar repetidas vezes, para espanto de não poucas pessoas. Mas
aprendi algo nessa vida: qualquer um que se interesse por algo, passa
a ser bom observador de seu objeto de interesse. O indivíduo que
gosta de carros rapidamente percebe todos os detalhes de um modelo
que lhe apresentem, como rodas, design, etc. Quem é aficionado por
grifes logo notará quais marcas de roupas e acessórios alguém está
utilizando. O amante dedicado facilmente confere as mudanças –
visuais ou de comportamento – do parceiro. Longe de querer acusar
alguém, apenas desconfio que os casos citados no início do texto
sejam decorrentes de falta de atenção devida para com os incapazes
entregues a cuidados de terceiros. E isso, para os casos onde seja
verdade, é algo que me preocupa.
A rotina das famílias brasileiras tem
mudado nas últimas décadas. Com o ingresso da mulher no mercado de
trabalho, a carga de estudos e atividades extras dos filhos e o
estabelecimento da família nuclear (excluindo avós, por exemplo, do
convívio estreito com filhos e netos), cada vez mais crianças e
idosos são deixados a cuidados de outrem. Esse não é o grande
problema. A real questão é quando, junto com o indivíduo, quer-se
também transmitir a responsabilidade por ele, e não apenas alugar
os cuidados de alguém por um determinado período de tempo.
Os professores atualmente em exercício
queixam-se bastante do fato de seus alunos chegarem à sala de aula
sem o mínimo de modos e educação. O motivo, quase sempre, é que
os pais deixam aos cuidados da escola a responsabilidade de educar
seus filhos, quando na verdade a instituição tem o dever de
contribuir com sua instrução, mas os rudimentos de cidadania devem
ser ministrados em casa, pelos pais. O ensino de valores não pode
ser transmitido a outros. A assimilação se dá muito cedo, cabendo
aos pais o dever de ensinar princípios a seus filhos. Do mesmo modo,
muitos filhos não têm paciência e/ou tempo para dar assistência
pessoal a seus pais, então os entregam aos cuidados de outrem, mas
de tal modo que nem se importam em averiguar o modo como estão sendo
tratados, fazendo vista grossa a possíveis sinais de maus tratos, o
mesmo valendo para crianças novas.
Anciãos e bebês apresentam, quando
maltratados, uma série de sinais bastante perceptíveis para
qualquer um que os investigue com o mínimo de atenção. O que suponho ocorrer com frequência é a negligência ao notar esses sinais, atribuindo-os a quaisquer outros motivos, que não agressões de terceiros. Minha mãe
sempre conta que, quando eu e meus irmãos éramos cuidados por
babás, nos primeiros anos de vida, éramos vistoriados diariamente,
sendo acordados, se dormindo, quando minha mãe voltava do trabalho,
procurando sinais em nossos corpos ou mudança de comportamento. Temo
que falte a muitos pais e filhos os cuidados e atenção devida para
com as pessoas que deveriam ser do mais alto grau de importância em
suas vidas. Essa simples atitude pode evitar sequelas terríveis e
salvar vidas.
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