O mais famoso evento de rock do Brasil demonstrou um enfraquecimento na aceitação do estilo. Por acaso é o fim do rock?
Há poucos dias ocorreu o famoso
festival de rock do Rio de Janeiro. Além da divulgação que não
foi das melhores, um fato surpreendeu a muita gente: a ausência de
rock – teoricamente, o carro-chefe do evento. Em edições
anteriores já havia ficado claro que o nome do evento é uma marca
(e valiosa!), não importa o que aconteça. O evento já ocorreu, com
o mesmo nome, em locais variados ao redor do mundo, gerando
estranheza do público brasileiro. Também houve vezes em que
artistas que passam longe do gênero ostentado no nome do evento se
apresentaram no palco principal, gerando inclusive protestos do
público, que arremessaram lixo contra o cantor. Mas isso foi apenas
o começo das dores.
Nessa última edição, algo
inadmissível (pela lógica simples) ocorreu: não houve uma única
banda de rock no dia de abertura do festival – descontando a
homenagem a Cazuza. E isso se seguiu por alguns dias. Na prática,
apenas em uns três dias (com muita boa vontade) houve apresentações
de rock. Nos demais, o pop reinou, além de outros estilos. Parece
que onde mais se tocou rock foi (ironia!) no palco “alternativo”
(termo engraçado para um evento cuja própria temática é vista
como alternativa). Sepultura e Dr. Sin tocaram lá. Para quem é
atento, isso leva a uma reflexão.
O rock, de modo (bastante)
simplificado, é a fusão do blues (e suas variações, como o
rhythm'n'blues) com o country – um elemento negro e um elemento
branco. Suas origens estão envoltas em incertezas (por exemplo, não
há consenso sobre qual foi a primeira música gravada do gênero),
mas, pouco tempo após sua aparição, nos idos da década de
cinquenta, ele tem sido associado a contestação, a pessoas
inconformadas ou que são contra o sistema em que vivem. O rock não
foi somente um estilo musical novo e surpreendente (devido a sua
pulsação forte e dançante). Ele definiu um estilo de vida (basta
lembrar do slogan “sexo, drogas e rock'n'roll”), lançando
tendências de moda, comportamento e cultura. Ele foi o responsável
por catapultar ao estrelato mundial diversos jovens (alguns dos quais
morreram no auge da fama e em decorrência dela) e tem sido a porta
de entrada de tantos outros para o mundo da música. O estilo nasceu
nos Estados Unidos, mas desde seus primeiros passos a Inglaterra tem
roubado a cena. O rock se diversificou e se desdobrou tanto que é
necessária uma verdadeira enciclopédia para conhecer suas
variedades. Seus exímios instrumentistas atraem a atenção do
público e da crítica especializada. Foi o primeiro movimento
musical de proporções planetárias, em uma indústria fonográfica
incipiente. O rock mudou o mundo.
Esse abalo não poderia deixar de
chegar ao Brasil. Surgiram por aqui algumas bandas (e, em menor
número, solistas) dispostas a serem representantes do estilo em
terras tupis. Mas a cena musical no Brasil é tomada por uma
malemolência generalizada e o rock por aqui apresentou apenas um
resquício da energia explosiva original (quando os músicos do Sex
Pistols estiveram aqui e foram levados por fãs entusiasmados de Raul
Seixas a uma apresentação do cantor, os rockeiros acharam que devia
ter alguma coisa na letra responsável pelo sucesso, pois não
curtiram o som propriamente dito). Ainda que bandas como os Beatles
tenham várias músicas com uma levada pop, o ritmo é bastante
enérgico, coisa que fica a desejar por aqui. Com o rock
internacional buscando caminhos cada vez mais agressivos (culminando
aparentemente com o death metal), o Brasil afasta-se cada vez mais do
estilo, porque, essencialmente, brasileiro não curte rock. Para uma
nação onde até a universal “parabéns pra você” é agitada
demais, não há lugar para um estilo com tantas propostas. Ajuda o
fato de nosso povo não ter nem ao menos parcos conhecimentos
musicais, e esconder isso usando a justificativa de que não aprecia
uma determinada música por conta da letra. Esse é um dos motivos
pelos quais um evento de fama internacional, com o objetivo único de
tocar rock, não se sustenta aqui, sob o risco de ter um público
minguado.
Mas não é apenas o Brasil que parece
se enfadar do rock. Desde o ocaso do grunge (de acordo com alguns, o
último grande movimento do rock, capitaneado pelas bandas Nirvana e
Pearl Jam), não tem havido uma grande novidade no gênero. Cada vez
mais os fãs se voltam para os ícones do passado, tomando-os por
referência de bons tempos. Talvez estejamos vivendo a era do
declínio do rock. Embora para muitos isso possa ser uma péssima
notícia, não podemos dizer que seja inesperado. A história é
feita de ciclos, alguns que se alternam e alguns que dão lugar a
outros ao se recolherem a um certo esquecimento. Reinos caem,
tecnologias se defasam, teorias são contestadas, estilos musicais
saem de evidência. O mundo é assim.
A música clássica reinou durante
séculos antes de ser suplantada pela música de apreço popular. O
jazz ameaçou dominar o mundo, e hoje temem que tenha acabado. Seria
ilusão acreditar que o rock duraria para sempre. Não que ele será
extinto. A música clássica ainda está aí e é fácil encontrarmos
bons eventos de jazz em diversos recônditos. O que acontece com os
gêneros é saírem de evidência – do mainstream.
Assim são todos os movimentos estético-artísticos. O Romantismo
não aniquilou o Barroco. Ambos coexistiram. Da
mesma forma, o Modernismo não enterrou
o Realismo. Há contemporaneidade entre as escolas. O
que ocorre quando há uma perda de interesse do
público por um determinado
movimento é que não surgem
mais grandes nomes naquela área –
ou ficam para sempre obscuros.
Os gênios pregressos são imortalizados e formam-se pequenos grupos
que os veneram. O rock parece
caminhar nessa direção. Se for, tornar-se-á apenas um estilo a ser
revisitado quando alguém
achar conveniente.
O
pop é o estilo do momento, no qual a poderosa indústria do
entretenimento está apostando suas fichas. De
produção musical fácil, conta como trunfo apenas a personalidade
do artista para cativar o público. Na
verdade, esse é um novo pop. Não se pode comparar o pop atual com o
pop da década de oitenta, quando Michael Jackson ensinou
o que é usar os recursos
tecnológicos para fazer música duradoura, aliados
a talento incomum e exuberantes performances sob os holofotes. Agora
que os caminhos das pedras estão revelados e a estrada para o
sucesso pop está pavimentada,
massificou-se a feitura de
novos artistas. O quanto cada
um irá durar é a grande questão. A
indústria da música cada dia
mais se torna poderosa e determina padrões de sucesso, escolhendo o
que irá ser ofertado ao público e o que não será. Sem
dúvida isso afeta a liberdade dos artistas e diminui o seu espaço
nas gravadoras. O efeito
colateral disso é
a queda de
originalidade, espontaneidade e qualidade no meio musical
massificado, produzindo desestímulo nos músicos aspirantes a boas
oportunidades através de propostas inovadoras e
virtuosismo. E
a maior preocupação, para
aqueles que ainda acreditam
na música, é se essa era deixará algum legado.
O
rock seguirá vivo e estridente, mas agora longe das rádios, trilhas
sonoras de produções de cinema e grandes palcos internacionais.
Cada vez mais isolado,
tornar-se-á mais uma filosofia de vida que uma preferência musical.
Os garotos que sonham em ser
guitar heroes estão
fadados ao insucesso ou à
pouca evidência. O rock
agora é um senhor de meia-idade e um pouco gorducho, mas
com vasta e
inegável experiência de
vida. Mas
não faltará quem o toque em reuniões específicas para isso,
reunindo adeptos que compartilham o gosto por esse estilo que foi tão
importante na música e na cultura ocidental.
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