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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O fim do rock?

O mais famoso evento de rock do Brasil demonstrou um enfraquecimento na aceitação do estilo. Por acaso é o fim do rock?


Há poucos dias ocorreu o famoso festival de rock do Rio de Janeiro. Além da divulgação que não foi das melhores, um fato surpreendeu a muita gente: a ausência de rock – teoricamente, o carro-chefe do evento. Em edições anteriores já havia ficado claro que o nome do evento é uma marca (e valiosa!), não importa o que aconteça. O evento já ocorreu, com o mesmo nome, em locais variados ao redor do mundo, gerando estranheza do público brasileiro. Também houve vezes em que artistas que passam longe do gênero ostentado no nome do evento se apresentaram no palco principal, gerando inclusive protestos do público, que arremessaram lixo contra o cantor. Mas isso foi apenas o começo das dores.

Nessa última edição, algo inadmissível (pela lógica simples) ocorreu: não houve uma única banda de rock no dia de abertura do festival – descontando a homenagem a Cazuza. E isso se seguiu por alguns dias. Na prática, apenas em uns três dias (com muita boa vontade) houve apresentações de rock. Nos demais, o pop reinou, além de outros estilos. Parece que onde mais se tocou rock foi (ironia!) no palco “alternativo” (termo engraçado para um evento cuja própria temática é vista como alternativa). Sepultura e Dr. Sin tocaram lá. Para quem é atento, isso leva a uma reflexão.

O rock, de modo (bastante) simplificado, é a fusão do blues (e suas variações, como o rhythm'n'blues) com o country – um elemento negro e um elemento branco. Suas origens estão envoltas em incertezas (por exemplo, não há consenso sobre qual foi a primeira música gravada do gênero), mas, pouco tempo após sua aparição, nos idos da década de cinquenta, ele tem sido associado a contestação, a pessoas inconformadas ou que são contra o sistema em que vivem. O rock não foi somente um estilo musical novo e surpreendente (devido a sua pulsação forte e dançante). Ele definiu um estilo de vida (basta lembrar do slogan “sexo, drogas e rock'n'roll”), lançando tendências de moda, comportamento e cultura. Ele foi o responsável por catapultar ao estrelato mundial diversos jovens (alguns dos quais morreram no auge da fama e em decorrência dela) e tem sido a porta de entrada de tantos outros para o mundo da música. O estilo nasceu nos Estados Unidos, mas desde seus primeiros passos a Inglaterra tem roubado a cena. O rock se diversificou e se desdobrou tanto que é necessária uma verdadeira enciclopédia para conhecer suas variedades. Seus exímios instrumentistas atraem a atenção do público e da crítica especializada. Foi o primeiro movimento musical de proporções planetárias, em uma indústria fonográfica incipiente. O rock mudou o mundo.

Esse abalo não poderia deixar de chegar ao Brasil. Surgiram por aqui algumas bandas (e, em menor número, solistas) dispostas a serem representantes do estilo em terras tupis. Mas a cena musical no Brasil é tomada por uma malemolência generalizada e o rock por aqui apresentou apenas um resquício da energia explosiva original (quando os músicos do Sex Pistols estiveram aqui e foram levados por fãs entusiasmados de Raul Seixas a uma apresentação do cantor, os rockeiros acharam que devia ter alguma coisa na letra responsável pelo sucesso, pois não curtiram o som propriamente dito). Ainda que bandas como os Beatles tenham várias músicas com uma levada pop, o ritmo é bastante enérgico, coisa que fica a desejar por aqui. Com o rock internacional buscando caminhos cada vez mais agressivos (culminando aparentemente com o death metal), o Brasil afasta-se cada vez mais do estilo, porque, essencialmente, brasileiro não curte rock. Para uma nação onde até a universal “parabéns pra você” é agitada demais, não há lugar para um estilo com tantas propostas. Ajuda o fato de nosso povo não ter nem ao menos parcos conhecimentos musicais, e esconder isso usando a justificativa de que não aprecia uma determinada música por conta da letra. Esse é um dos motivos pelos quais um evento de fama internacional, com o objetivo único de tocar rock, não se sustenta aqui, sob o risco de ter um público minguado.

Mas não é apenas o Brasil que parece se enfadar do rock. Desde o ocaso do grunge (de acordo com alguns, o último grande movimento do rock, capitaneado pelas bandas Nirvana e Pearl Jam), não tem havido uma grande novidade no gênero. Cada vez mais os fãs se voltam para os ícones do passado, tomando-os por referência de bons tempos. Talvez estejamos vivendo a era do declínio do rock. Embora para muitos isso possa ser uma péssima notícia, não podemos dizer que seja inesperado. A história é feita de ciclos, alguns que se alternam e alguns que dão lugar a outros ao se recolherem a um certo esquecimento. Reinos caem, tecnologias se defasam, teorias são contestadas, estilos musicais saem de evidência. O mundo é assim.

A música clássica reinou durante séculos antes de ser suplantada pela música de apreço popular. O jazz ameaçou dominar o mundo, e hoje temem que tenha acabado. Seria ilusão acreditar que o rock duraria para sempre. Não que ele será extinto. A música clássica ainda está aí e é fácil encontrarmos bons eventos de jazz em diversos recônditos. O que acontece com os gêneros é saírem de evidência – do mainstream. Assim são todos os movimentos estético-artísticos. O Romantismo não aniquilou o Barroco. Ambos coexistiram. Da mesma forma, o Modernismo não enterrou o Realismo. Há contemporaneidade entre as escolas. O que ocorre quando há uma perda de interesse do público por um determinado movimento é que não surgem mais grandes nomes naquela área – ou ficam para sempre obscuros. Os gênios pregressos são imortalizados e formam-se pequenos grupos que os veneram. O rock parece caminhar nessa direção. Se for, tornar-se-á apenas um estilo a ser revisitado quando alguém achar conveniente.
 
O pop é o estilo do momento, no qual a poderosa indústria do entretenimento está apostando suas fichas. De produção musical fácil, conta como trunfo apenas a personalidade do artista para cativar o público. Na verdade, esse é um novo pop. Não se pode comparar o pop atual com o pop da década de oitenta, quando Michael Jackson ensinou o que é usar os recursos tecnológicos para fazer música duradoura, aliados a talento incomum e exuberantes performances sob os holofotes. Agora que os caminhos das pedras estão revelados e a estrada para o sucesso pop está pavimentada, massificou-se a feitura de novos artistas. O quanto cada um irá durar é a grande questão. A indústria da música cada dia mais se torna poderosa e determina padrões de sucesso, escolhendo o que irá ser ofertado ao público e o que não será. Sem dúvida isso afeta a liberdade dos artistas e diminui o seu espaço nas gravadoras. O efeito colateral disso é a queda de originalidade, espontaneidade e qualidade no meio musical massificado, produzindo desestímulo nos músicos aspirantes a boas oportunidades através de propostas inovadoras e virtuosismo. E a maior preocupação, para aqueles que ainda acreditam na música, é se essa era deixará algum legado.

O rock seguirá vivo e estridente, mas agora longe das rádios, trilhas sonoras de produções de cinema e grandes palcos internacionais. Cada vez mais isolado, tornar-se-á mais uma filosofia de vida que uma preferência musical. Os garotos que sonham em ser guitar heroes estão fadados ao insucesso ou à pouca evidência. O rock agora é um senhor de meia-idade e um pouco gorducho, mas com vasta e inegável experiência de vida. Mas não faltará quem o toque em reuniões específicas para isso, reunindo adeptos que compartilham o gosto por esse estilo que foi tão importante na música e na cultura ocidental.

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