A linguagem específica da Internet é vista por muitos como uma ameaça à língua vernácula. Será que há motivos para tanta preocupação?
Qualquer um que já tenha utillizado a
Internet (principalmente redes sociais e comunicadores instantâneos)
se deparou com um tipo de escrita diferente. São palavras abreviadas
ou escritas de outra maneira; expressões próprias e gírias que só
existem ali; símbolos pictóricos e agrupamentos de caracteres que
traduzem sentimentos. As regras gramaticais não poucas vezes são
desprezadas – ultrajadas, para tristeza de muitos. Às vezes é
possível vermos essa nova linguagem fora do contexto em que nasceu,
estampando inclusive outdoors
(a meu ver, algo não muito
inteligente). Naturalmente, essa forma de expressão acumula
tanto críticos como seguidores. Os críticos acusam seus seguidores
de ameaçarem o bom uso da língua, enquanto estes a consideram
adequada para os novos meios de comunicação. Será que um dia
entrarão em um acordo? Quais são as peculiaridades por detrás desse
fenômeno?
a linguagem eh uma das principais
faculdades humanas, e, embora nao seja propria de nossa especie -
varios animais a possuem -, apenas o homem detem a capacidade de
articular os sons de modo verbal para transmitir uma imensa variedade
de ideias. ñ se sabe qnd o homem passou a utilizar palavras para se
comunicar, mas suspeita-se fortemente que o inicio do registro dessa
linguagem em um meio fisico ocorreu pela primeira vez na mesopotamia
dos sumerios. esse acontecimento foi tao notavel e considerado tao
importante q constitui o marco de transicao entre a pre-historia e a
historia. a partir do registro da escrita em tabuas de argila cozida,
o homem pôde perpetuar sua historia, mesmo q naum tenha sido essa
sua intencao. hj, com o desvendamento do significado dos simbolos q
os primeiros povos utilizavam, tomamos conhecimento de seu modo de
vida.
essa primeira forma de escrita ficou
conhecida como escrita cuneiforme, pois seu aspecto exterior era
anguloso (em forma de cunha). era registrada sobre tabuas de argila q
eram depois cozidas a fim de solidifica-las para q a escrita n fosse
mais alterada. tempos depois, os egipcios passaram a utilizar uma
planta (o papiro, q originou o termo "papel") para a
confeccao de um meio de suporte nao-rigido onde se pudesse escrever.
seculos depois, ja na idade media, alguns povos passaram tb a
utilizar peles curtidas de animais com o mesmo intuito (os
pergaminhos), pois o papiro, por ser importado, tinha o preco
elevado. cada um desses meios exigia um tipo de instrumento diferente
para se escrever, adequado às caracteristicas desse meio. assim,
para se escrever em papiro, era utilizado um caniço de junco,
enquanto nos pergaminhos passou-se a utilizar pena de ganso. os
chineses valiam-se de pinceis e tinta de altissima qualidade, a
famosa nanquim. assim, cada material de suporte - incluindo sua
inclinacao e a posicao do escriba - propiciava um determinado tipo de
escrita. a escrita cursiva (letras ligadas) foi desenvolvida por varios povos com o
objetivo de agilizar o processo de escrever, uma vez q nao era necessario levantar o instrumento do meio de suporte.
o fato eh que o meio sempre determinou
a escrita. e isso nao apenas no quesito forma, mas tb no vernaculo.
como o meio era bastante caro, os escribas (trabalhadores
responsaveis por copiar os livros da epoca) mtas vezes abreviavam
palavras a fim de economizar espaco (e tb tempo). desse modo, mtas
abreviacoes utilizadas na epoca tornaram-se palavras com o decorrer
do tempo. algo parecido parece estar ocorrendo agora. com o advento
da internet, o fator crucial nao eh mais o meio (q passou a ser
intangivel, embora, em algumas circunstancias, finito - qtd limitada
de caracteres em determinados contextos), e sim o tempo. em um mundo
acelerado, onde as informacoes sao divulgadas o mais rapido possivel
e decisoes tomadas o qto antes, o uso de uma linguagem que favoreca
uma escrita mais agil ganha impulso - nao eh dificil associar esse
fato com a taquigrafia.
as linguas sao mutaveis. o proprio
portugues eh derivado do latim - ainda por cima, da variedade vulgar
(a versao classica eh a q hj conhecemos como lingua morta), q era justamente a variacao nao registrada atraves da escrita. o advento
da escrita desacelerou as modificacoes naturais decorrentes do uso da
lingua, mas nao as estagnou. na epoca em q apenas os escribas e os
sacerdotes eram letrados, o homem comum usava livremente a lingua,
alheio de regras e normas de uso. o resultado disso foram os
desdobramentos sofridos pelas linguas antigas, hj extintas (o proprio
latim originou mais de dez idiomas). com o processo de alfabetizacao
promovido pela reforma protestante, o acesso à leitura foi
disseminado, retardando as mudancas nas linguas. mas eh facil
perceber q esse processo nao esta estancado.
ñ se pode dizer que nossa lingua
oficial, hj, sofre grande ameaca. eh uma minoria q se vale desse novo
linguajar, e o reflexo das mudancas verbais ou as novidades lexicas
custam a serem incorporadas à gramatica normativa. mas nada impede q
mtos termos do "internetiques" (como alguns chamam a
linguagem da rede), hj de uso inadmissivel em documentos formais,
venham a se tornar de uso corrente daqui a alguns anos, qnd a proxima
geracao (os filhos das atuais criancas) for adulta. para isso, tb
devera ocorrer o processo de consolidacao dos novos vocabulos (por
ex., o atual "não" pode ser escrito de varias maneiras: n,
ñ, nao, naum). caso isso se concretize, nosso idioma agregara
caracteristicas de linguagens semiticas (como o fenicio e o hebraico
antigo): ausencia de vogais, em termos como "tb", "qtd",
"qnd".
pra quem pensa tratar-se de um modismo
brasileiro, cumpre observar que outros idiomas estao sujeitos à
mesma questao. os nativos de lingua inglesa chegam a mesclar letras
com numeros e utilizar vogais para substituir palavras inteiras. eh o
caso de frases como "i love u", "u 2", "4
u", "gbu" (god bless you), entre outras.
outro aspecto q incomoda os puristas eh
o uso de emoticons - combinacoes de caracteres graficos q representam
expressoes humanas ou outras, à semelhanca dos smileys. eles
complementam o texto, sugerindo o estado de animo do interlocutor q os
utiliza. embora seja dificil imaginar q um dia eles serao aceitos em
textos formais, basta lembrar q os sinais de pontuacao q utilizamos
surgiram para cadenciar o ritmo do texto, indicando tb expressoes
como questionamentos e surpresa. talvez hj esses sinais ja nao sejam
suficientes, dando margem para o uso de simbolos q traduzam melhor oq
o redator deseja exprimir.
A Sociolinguística nos ensina que a
variação prenuncia a mudança. Palavras como “froco”, “cousa”
e “jaboti” caíram em desuso, dando lugar às variantes que hoje
conhecemos como forma correta. Se o internetiquês terminará por
invadir a norma culta, não sabemos, mas não deveríamos nos
espantar se isso ocorrer, afinal, a história nos ensina isso. O
fator crucial que concorre para isso é o tamanho do público que
conseguirá compreendê-la, pois o grande objetivo de qualquer língua
é a comunicação. Os adolescentes e jovens de hoje (e muitos
adultos) já não conseguem compreender um texto literário de
cinquenta anos atrás – e o principal motivo disso é o baixo nível
cultural, e não as variações do dialeto. Esse mesmo público, cada
vez mais, apenas consegue se expressar através da nova linguagem,
para desespero dos profissionais do ensino de línguas. Embora seja
preocupante que, em pleno século XXI, o desconhecimento seja um
agente de mudanças na língua, não se pode classificar esse cenário
como um campo de batalha. A língua sempre se adapta ao uso de seus
usuários. Para os falantes renitentes ao novo uso, vale lembrar o
conceito de inteligência de Piaget: “inteligência é adaptação”.
Parabéns pelo texto, Josué. Muito bem escrito, como de costume.
ResponderExcluirEsse é um assunto que eu admito não ter uma opinião formada. Entendo que a língua evolua, mas também me preocupa a total falta de formalismo na linguagem da Internet, o que, em geral, tem o potencial de deixar o texto ambíguo.
Você usou um pouco dessa linguagem no seu texto e não o deixou ambíguo, ficou muito bom. Contudo, diversas abreviações como LOL, FYI, por exemplo, assim como os emoticons podem ser entendidos apenas por uma geração fazendo com que o texto não seja perene. Ou seja, é um tema novo e ainda controverso.
Abraços e parabéns pelo texto! :)
Heitor
Obrigado, Heitor! Fico feliz que tenha gostado.
ExcluirDe fato, esse ainda é um tema novo e polêmico, e muitas águas irão passar sob essa ponte. Acho que o fundamental é termos sempre como foco o entendimento, em vez de cultuarmos as normas gramáticas vigentes (uma batalha perdida). Também é importante distinguir o que é, nesse contexto, pertinente (abreviações, emoticons, etc.) do que é ignorância do escritor (como os abomináveis infinitivos). Acredito na mudança em consenso e feita com consciência.
Obrigado pelo comentário.
Ah, podem me chamar de careta! Acho lindo um texto bem escrito, todo de acordo com as normas gramaticais! Porém, confesso que sou adepta de alguns emoticons e também de abreviar algumas palavras a fim de economizar espaço (espaço, nunca tempo), pois acho que dá sim pra escrever as palavras completas mesmo com pressa! Agora, não entendo como alguns preferem escrever "naum" a "não"! E outra: sinto uma falta enorme de acentuação! Para diferenciar um "está" de um "esta" tenho que reler a frase e aí, sim, acabo é perdendo tempo! :) Por falar nisso, ler "preco" é feio demais! Parabéns pelo texto, muito bom!
ResponderExcluirDe fato, Adriana, sempre é bom ler um texto bem escrito, principalmente se coeso e claro (para mim, os dois traços mais importantes em um texto). Porém, essas duas características podem ser encontradas em um texto que usa a linguagem da Internet, assim como um texto gramaticalmente correto pode não trazê-las por deficiência do redator. Creio que um dos maiores problemas dessa nova linguagem é, de fato, a facilidade de se criar frases ambíguas ou pouco claras, e que alguns casos de cedilha e crase, por exemplo, não se pode prescindir. Mas não se preocupe, essas mudanças, caso ocorram, não serão em nosso tempo ;) eheheh
ExcluirObrigado pelo elogio e pelo comentário!
Estampar outdoors com linguagem de internet não é pouco inteligente não. Na verdade, se o seu obejtivo é atingir APENAS o público de internet, é uma boa jogada.
ResponderExcluirCuriosidade: Ja notou a semelhança entre essas escritas com hashtag e a forma de abreviar palavras na lingua alemã?
Assim, eu acho que se você quer atingir apenas o público da Internet, não precisa usar um outdoor (até porque acho que a maior parte do público de outdoor não vai compreender), seria melhor utilizar o próprio meio utilizado pelos usuários da net.
ExcluirNão conheço a forma abreviação em alemão :) Quando estudei não cheguei a ver (só no caso de "por exemplo", que é "zum Beispiel", e fica "z. B."