(Em minha infância, minha casa foi visitada diversas vezes por colportores - vendedores de livros que iam de porta em porta. Esse texto é uma homenagem a essas pessoas, em especial ao "Barbudo", o mais assíduo. Sem os livros que compramos àquela época, certamente não estaria onde estou hoje. O dia14 de março é dedicado a todos os vendedores de livros.)
Alguém chama à porta.
– Boa tarde!
– Boa tarde, responde a mulher que vem atender o visitante.
– Não gostaria de comprar um pouco de conhecimento?
– Como?!? – indaga a mulher, supresa – Conhecimento?
– Sim, minha senhora! Conhecimento: um pouco para você, um tanto para seus filhos e também para seu marido.
A mulher hesita diante de tão curiosa pergunta do homem estranho; não sabe o que fazer. Nesse momento, surgem dois meninos detrás dela.
– Olá, garotos! Vocês não gostariam de adquirir um pouco de conhecimento?
As crianças, confusas, olham ora para o homem que lhes oferece algo tão estranho, ora para sua mãe, que também olha para ele.
– Se me deixar entrar, senhora, posso lhes mostrar melhor. Sim, conhecimento para viver, conhecimento para sorrir, para melhorar de vida e até para se divertir. As crianças certamente gostarão.
A mulher mira os filhos, com olhares de petição. Dirige-se ao portão e permite ao homem que entre. Ele sorri e se dirige ao interior da casa, simples, vazia de conhecimento até aquele instante. Estava prestes a transformar-se...
Dentro de casa, sentado em um banco, o homem mostra a mala que traz consigo.
– Aqui dentro está o conhecimento!
Em uma mala? – indagam os pensamentos anuviados dos presentes. Como é possível?
– Agora lhes mostrarei.
Com um movimento hábil de quem está habituado à tarefa, abre a maleta, põe a mão dentro e vasculha seu interior, como que procurando algo em especial. Seria sua mala como o saco de Papai Noel? Pequeno por fora, mas capaz de abarcar um universo dentro dele?
O homem, por fim, tira
algo de sua mala mística: um livro. Segura-o firme, exibindo o que
veio trazer.
– Aqui está, meus caros! Puro conhecimento.
Olha para a mulher, que
ainda não está convencida se fez certo em deixá-lo entrar e se ele
está falando a verdade. Passa-lhe o exemplar, que ela segura
receosa, enquanto ele principia a buscar outra coisa em sua mala. As
crianças acercam-se de sua mãe para ver o que ela agora tem nas
mãos. E qual não é sua surpresa ao abrirem o livro: um esplendor
sai de dentro dele. Fachos de luz vindos de suas páginas,
multicores, projetam nas paredes da sala figuras diversas: são aves
dependuradas em galhos de árvores, animais à beira de rios, homens
fardados montados em cavalos, brandindo no ar suas espadas, retratos
de reis, imperadores, imagens de civilizações antigas, suas
construções, seus rituais, partes do corpo humano, palavras de
outros idiomas, falados por povos distantes, bandeiras de outros
países. Tudo girando em carrossel, viajando das páginas do livro
para o espaço, acompanhados de maviosa música. A cada exemplar que
o homem dá à mulher seguia-se um novo espetáculo de som, luz e
cores. Os garotos quedam-se estupefatos com o que estão
presenciando. Nunca imaginaram que pudesse haver tantas maravilhas
nos livros. Aqueles eram diferentes dos de sua irmã mais velha. Era
como se falassem com eles, pedindo-lhes morada naquele lar, tão seco
de conhecimento. Prometiam ajudar os meninos em toda sua vida.
Enquanto a família
folheava os livros, o homem discorria sobre a importância deles:
citava fatos históricos, descobertas da ciência, regras de
gramática, localizações geográficas, cálculos matemáticos,
obras de escritores antigos. E com tal ênfase o fazia que sua
assistência condescendia tacitamente com suas palavras, embevecida
pelo que presenciava.
Ao
cabo de um certo tempo, o homem parte, após ter cumprido sua missão:
deixara ali uma determinada quantidade de conhecimento. Ali, naquela
casa tão humilde, afeita à falta de sabedoria do mundo, talhada por
mãos rudes de quem nunca teve um livro nas mãos. Agora era outra:
havia ocorrido naquele momento uma profunda e eterna transformação.
A tristeza e o tédio deram lugar a prazerosas horas em companhia dos
novos moradores do lar. A passagem daquele homem, naquele dia, mudou
a história daquela família. Ele, que já vinha de outros lares, e
ainda passou em outros tantos – alguns aceitando, outros rejeitando
a maravilha do conhecimento –, continuou a visitar aquela casa,
sempre com um novo espetáculo, uma mágica fabulosa, e sempre
oferecendo:
– Não gostaria de um pouco de conhecimento?
Nenhum comentário:
Postar um comentário