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quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A visita do conhecimento

(Em minha infância, minha casa foi visitada diversas vezes por colportores - vendedores de livros que iam de porta em porta. Esse texto é uma homenagem a essas pessoas, em especial ao "Barbudo", o mais assíduo. Sem os livros que compramos àquela época, certamente não estaria onde estou hoje. O dia14 de março é dedicado a todos os vendedores de livros.)
 
Alguém chama à porta.

– Boa tarde!
– Boa tarde, responde a mulher que vem atender o visitante.
– Não gostaria de comprar um pouco de conhecimento?
– Como?!? – indaga a mulher, supresa – Conhecimento?
– Sim, minha senhora! Conhecimento: um pouco para você, um tanto para seus filhos e também para seu marido.

A mulher hesita diante de tão curiosa pergunta do homem estranho; não sabe o que fazer. Nesse momento, surgem dois meninos detrás dela.

– Olá, garotos! Vocês não gostariam de adquirir um pouco de conhecimento?

As crianças, confusas, olham ora para o homem que lhes oferece algo tão estranho, ora para sua mãe, que também olha para ele.

– Se me deixar entrar, senhora, posso lhes mostrar melhor. Sim, conhecimento para viver, conhecimento para sorrir, para melhorar de vida e até para se divertir. As crianças certamente gostarão.

A mulher mira os filhos, com olhares de petição. Dirige-se ao portão e permite ao homem que entre. Ele sorri e se dirige ao interior da casa, simples, vazia de conhecimento até aquele instante. Estava prestes a transformar-se...

Dentro de casa, sentado em um banco, o homem mostra a mala que traz consigo.

– Aqui dentro está o conhecimento!

Em uma mala? – indagam os pensamentos anuviados dos presentes. Como é possível?

– Agora lhes mostrarei.

Com um movimento hábil de quem está habituado à tarefa, abre a maleta, põe a mão dentro e vasculha seu interior, como que procurando algo em especial. Seria sua mala como o saco de Papai Noel? Pequeno por fora, mas capaz de abarcar um universo dentro dele? 

O homem, por fim, tira algo de sua mala mística: um livro. Segura-o firme, exibindo o que veio trazer.

– Aqui está, meus caros! Puro conhecimento.

Olha para a mulher, que ainda não está convencida se fez certo em deixá-lo entrar e se ele está falando a verdade. Passa-lhe o exemplar, que ela segura receosa, enquanto ele principia a buscar outra coisa em sua mala. As crianças acercam-se de sua mãe para ver o que ela agora tem nas mãos. E qual não é sua surpresa ao abrirem o livro: um esplendor sai de dentro dele. Fachos de luz vindos de suas páginas, multicores, projetam nas paredes da sala figuras diversas: são aves dependuradas em galhos de árvores, animais à beira de rios, homens fardados montados em cavalos, brandindo no ar suas espadas, retratos de reis, imperadores, imagens de civilizações antigas, suas construções, seus rituais, partes do corpo humano, palavras de outros idiomas, falados por povos distantes, bandeiras de outros países. Tudo girando em carrossel, viajando das páginas do livro para o espaço, acompanhados de maviosa música. A cada exemplar que o homem dá à mulher seguia-se um novo espetáculo de som, luz e cores. Os garotos quedam-se estupefatos com o que estão presenciando. Nunca imaginaram que pudesse haver tantas maravilhas nos livros. Aqueles eram diferentes dos de sua irmã mais velha. Era como se falassem com eles, pedindo-lhes morada naquele lar, tão seco de conhecimento. Prometiam ajudar os meninos em toda sua vida.

Enquanto a família folheava os livros, o homem discorria sobre a importância deles: citava fatos históricos, descobertas da ciência, regras de gramática, localizações geográficas, cálculos matemáticos, obras de escritores antigos. E com tal ênfase o fazia que sua assistência condescendia tacitamente com suas palavras, embevecida pelo que presenciava.

Ao cabo de um certo tempo, o homem parte, após ter cumprido sua missão: deixara ali uma determinada quantidade de conhecimento. Ali, naquela casa tão humilde, afeita à falta de sabedoria do mundo, talhada por mãos rudes de quem nunca teve um livro nas mãos. Agora era outra: havia ocorrido naquele momento uma profunda e eterna transformação. A tristeza e o tédio deram lugar a prazerosas horas em companhia dos novos moradores do lar. A passagem daquele homem, naquele dia, mudou a história daquela família. Ele, que já vinha de outros lares, e ainda passou em outros tantos – alguns aceitando, outros rejeitando a maravilha do conhecimento –, continuou a visitar aquela casa, sempre com um novo espetáculo, uma mágica fabulosa, e sempre oferecendo:
 
– Não gostaria de um pouco de conhecimento?

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