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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Sobre homens e bichos

Muitas pessoas hoje em dia preferem a docilidade incondicional de seus animais  a lidar com seres humanos, às vezes desprezando-os totalmente. Será esse um comportamento sadio?


Gosto de natureza. Passear no campo, embrenhar-me na mata, estar junto às aguas. Ser biólogo ou algo do gênero seria uma opção possível para mim. Quando criança, sempre lia livros que falavam de animais. A propósito, sempre gostei mais dos bichos que das plantas. Era-me difícil reconhecer e entender as classificações das espécies vegetais, enquanto era muito mais divertido estudar os bichos. Apesar disso, o apego exagerado a animais domésticos que a sociedade moderna desenvolveu é algo que não vejo com bons olhos. Parece-me ser indício de algum distúrbio.

Não sou contra ter animais domésticos, afinal, o homem os criou (cruzando espécies mais dóceis até chegar às que conhecemos) e é justo que tome conta deles. São bastante úteis, como para proteção, guia de deficientes, caça, etc. Ou mesmo apenas para companhia. Há muitas pessoas que moram só, por vezes idosas, sem família e sem laços com outras pessoas, que encontram bastante satisfação dividindo sua casa com bichos de estimação. No entanto, não são poucas as pessoas que elevam o status desses bichos, indo de animal a gente. Mesmo famílias que (aparentemente) passam longe de necessidade afetiva parecem curvar-se ao animal, dando-o total autoridade dentro de casa.

Se você é daqueles que tem grande estima por seu bichinho, mas sem exageros, fique tranquilo, essa crítica não se dirige a você. É natural que nos apeguemos a um animal que cuidamos desde seu nascimento, que esteve conosco por muito tempo, que dá demonstrações de afeto. Deve-se apenas, nesses casos, levar em conta que muita coisa de seu comportamento é instinto. Por mais humano e nobre que possa parecer seu comportamento em determinadas situações, ele ainda é um animal.

Hoje podemos ver uma total descaracterização da condição de animal por parte dos donos. São spas, academias, tratamentos de beleza, iguarias, dentre outros. Embora esses animais tenham perdido algo de sua origem selvagem, muitas dessas modernidades são estranhas a eles, como cheiros fortes que os desnorteiam – uma vez que seu principal contato com o mundo se dá através do olfato – ou alteração radical de seus pelos. Animais soltos entendem que o mundo tem limites, com presas e predadores, mas muitos animais domésticos entendem que são donos do mundo.

Antes que você julgue que nunca tive animal de estimação, adianto que já possuímos quatro mamíferos em casa (quando morava com meus pais). Do primeiro cão tenho vagas recordações, pois contava uns três anos de idade na época. Era um pequenês chamado Zorrinho. Não recordo sua origem, mas lembro que um dia fomos à padaria e ele não voltou conosco. Tivemos um segundo, batizado por meu pai de Brac (não sei a origem do nome). Esse foi adotado das ruas por demonstrar companheirismo e por compadecimento de sua situação. Brac realmente era companheiro. Quando saíamos, ele nos seguia. Às vezes ia bem longe, até o ponto de ônibus, ou seguia meu pai para o trabalho. O mais fantástico era ele ir esperar meu irmão no ponto de ônibus quando voltava da faculdade tarde da noite. Infelizmente, ele também sumiu nas ruas. Supomos que, como rosnasse para os marginais na rua (provavelmente porque antes o maltratavam), devem ter dado cabo dele. Tivemos ainda dois gatos, um com nome politicamente incorreto (também dado por meu pai) e um com nome típico de gato fêmea (dado por minha mãe), ambos também adotados das ruas. O primeiro salvou-se por ser bom caçador. Para um gato, até que era amigo. Um dia saiu à rua e não voltou. Já a gata, tão arisca pra tão pouca idade, foi dipensada cedo da convivência.

Não ficamos felizes quando nossos bichinhos foram embora, mas o mundo não caiu para nós. Nada de enterro simbólico ou missas ou altares. Entendemos que, por maior que seja a relação com o animal, ele é apenas isso: um animal. Não que isso o incapacite de ações louváveis ou afetuosidade. Isso também não significa não ficar triste – ou chorar até – por seu fim. Mas conheço pessoas que dão mais valor a animais que à vida humana. Há mesmo aqueles que vivem em função deles, não saindo de casa ou não dormindo na própria cama para lhes dar vez.

Entendo que esse comportamento diz respeito a cada um, mas até que ponto isso não indica uma patologia comportamental que possa vir a afetar a sociedade? Talvez o adorador de animais domésticos prefira bichos à gente unicamente porque não consegue se relacionar com outras pessoas, pois elas argumentam, discordam, têm autonomia, injuriam-se. Mas o mundo é assim e não se pode fugir disso. Talvez essa mesma pessoa não se incomode quando um ser humano morre, mas sente o coração apertado pela morte de um cão ou gato. Quem sabe ele entenda que os moradores de rua estão lá porque querem, mas os animais abandonados precisam ser salvos. O sofrimento humano sempre será maior que o de um bicho, ampliado que é pela consciência. Isso o torna mais degradante, humilhante, uma vez que entendemos o papel marginal do excluído, o desprezo constante, a falta de esperança no futuro. O resgate de um homem que morre um pouco todos os dias é o resgate de uma vida plausível de realizações, não apenas para ele, mas também para a comunidade. Já um animal traz benefícios apenas para a pessoa que o mantém.

Analisando essa faceta de nossa sociedade ocidental, pergunto-me porque há críticas aos animais adorados na Índia, dado que adoramos também nossos animais domésticos. O fato de eles serem considerados deuses lá deve-se apenas ao fato de serem mais religiosos que nós. Por aqui nossos bichos também são deuses, enquanto os seres humanos descem cada dia mais o caminho para o total desprezo.

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