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domingo, 29 de julho de 2012

Os sem-saudade

Provavelmente a década de 80 foi a última onde as crianças foram crianças. A crescente e precoce adultização não deixa de ser preocupante, pois gera pessoas que não terão do que recordar


"Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino (...)." (Apóstolo Paulo)


Estou em casa e de repente ouço sons ao longe, trazidos pelo vento. São músicas infantis que embalaram minha infância. Não apenas a minha. É difícil encontrar alguém de minha geração que não se lembre alegremente daquelas músicas. Investigo e descubro a origem da música. Uma farmácia perto havia montado um stand a fim de vender fraldas. Com tais músicas, o apelo parece dirigir-se exclusivamente aos pais.

Quem viveu sua infância durante os anos oitenta não tem dúvida: aquela foi a década da criança. O mundo parecia curvado a nós, traduzindo sua atenção em desenhos animados, programas infantis, brinquedos os mais diversos e músicas destinadas a nós. Qual criança não começava o dia empolgada a fim de sentar diante da televisão e acompanhar a programação da manhã? Quem não suspirava de desejo durante os intervalos, ao ver os anúncios de brinquedos? Para os desafortunados que estudavam pela manhã, ao menos à tarde poderiam ver, nem que fosse no final da tarde, programas para se divertir, ainda que não voltados inteiramente para o público infantil. Sim, aquela foi a década áurea para nós.

Percebo hoje que aqueles são tempos idos. A atual geração – e em menos extensão a anterior – se furtou à infância. Os melhores anos da vida duraram pouco. Descoloriram o mundo cedo e dispensaram a inocência sem remorso. A ausência de interesse por parte da indústria de entretenimento empurrou-os para a vida adulta. Os pais, querendo se ver livres da obrigação de sustentar um mundo à parte para suas crianças, decidiram compartilhar o mundo real com elas. Até as festas de aniversários são feitas à noite, a fim de engatarem uma festa adulta mais tarde. Vejo esse fato com bastante reserva.

Sempre me questiono se essa geração terá saudades. Veem os mesmos filmes que os adultos (inclusive as animações são plenamente entendidas apenas pelos adultos), ouvem as mesmas músicas que os jovens, frequentam os mesmos lugares que gente grande, vencem os mais velhos nos jogos eletrônicos, usam gírias dos que têm mais idade. Do que terão saudade? Não haverá um mundo que deixarão pra trás e se recordarão um dia. Não haverá o que guardar como recordação, algo que ninguém saberá e que se tentará esconder. Algo em que se refugie em um momento nostálgico. Em nenhum momento deixarão de fazer o que fazem e partirão para novas experiências. Tudo será apenas uma continuação do cotidiano. O mundo hoje corre a um ritmo alucinante. Naquela época personagens de filmes e desenhos ficavam conhecidos tanto por crianças como por adultos – e sobrevivem até hoje. Antes os músicos buscavam cada um seu lugar ao sol através de sua identidade. Hoje, quando um modelo dá certo, logo segue-se uma profusão de cópias que termina por ofuscar o primeiro e todos logo esquecem como tudo começou. A cada mês há uma novidade diferente, e o velho, outrora guardado com carinho, agora é menosprezado com repugnância (até mesmo porque a música atual é destituída de essência. Não passa de um amontoado de grunhidos, ganidos e um batuque qualquer).

Antes as garotas tinham problemas com o primeiro sutiã. Hoje pré-adolescentes fazem sexo com homens adultos com a aprovação dos pais. Crianças com meia década de vida frequentam salões, e não é para acompanhar as mães, mas para submeterem-se aos mesmos tratamentos das demais mulheres. Antes os meninos brincavam de ser homem. Agora entram em coma alcoolico durante a puberdade – e muitas meninas também.

Não à toa alguns recentes movimentos musicais que resgatam a infantilidade dos pequenos têm ganho projeção – embora nem se compare ao sucesso de antigamente. Há uma lacuna nesse mercado que sempre irá existir. Um dos últimos remanescentes de programação infantil na rede aberta de televisão – que capengava no quesito esmero – foi substituído por um programa de variedades, relegando de vez o público infantil ao léu.

Embora não seja incomum vermos as músicas de nossa infância tocando em festas de crianças, aquela é uma infância que não lhes pertence. Podem conhecer a música, mas não viram o programa, não compraram o brinquedo, não colaram figurinhas no álbum. São personagens distantes, sem feições. Mas nós tivemos a felicidade de termos sido crianças completas, com seu mundo, com sua música, com seus brinquedos, brincadeiras e desenhos. Não à toa as festas anos oitenta são um sucesso. Somos a geração-saudade.

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