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sexta-feira, 23 de março de 2012

Tim Maia e o soul

Muito me espantei quando li pela primeira vez que Tim Maia foi um dos maiores soul-man brasileiros (juntamente com um certo Cassiano). Suas músicas que eu conhecia não lembravam em nada a música dos negros americanos que transformou a música ocidental. Fiquei entusiasmado com a possibilidade de conhecer mais um trabalho da música black no Brasil.

Passado muito tempo (e aí eu já tinha conhecido muito do trabalho de Ed Motta1 – e adorado – e conhecido o tal Cassiano – e odiado), consegui com um amigo a coleção completa de Tim Maia (incluindo os álbuns de seu período racional). Comecei a ouvir. Um, outro, mais um. Álbum após álbum minha decepção só aumentava. “Em que momento de sua vida esse homem cantou soul?”, questionava eu. Não tive fôlego para concluir a discografia, mas cheguei bem perto de terminar. Percebi bem poucos vestígios de que ele teve influência do soul em sua carreira. Até o notável Michael Sullivan disse que foi apresentado ao black através de Tim Maia. Bem, ao que tudo indica, ele realmente teve um papel importante no cenário black do Brasil, só não sei como. Talvez como divulgador, apenas. Sei que não foi através de suas canções. Não há como ter sido. Até seu sobrinho, quando gravou com a Conexão Japeri aos dezesseis anos, cantou mais soul do que ele.

Desde que eu me entendo por gente eu gosto de soul, mesmo muito antes de saber o que era.  Quando ouvia alguém com aqueles melismas e improvisos já começava a curtir. A certa altura de minha vida, comecei a pesquisar sobre música negra, e li a respeito da formação, estilos, execução, etc. No entanto, os conceitos não ficaram muito claros em minha mente. Tentei ouvir Ray Charles na tentativa de que um dos pais do soul me provasse os conceitos, mas ainda não foi com ele que os aprendi. Foi quando, acidentalmente, ouvi por mera curiosidade um CD intitulado Pra Louvar, do grupo paulistano Raiz Coral (e levei alguns meses até descobrir tanto o título como o nome do grupo intérprete, pois o CD que tinha em mãos era uma cópia2). Vencidos os primeiros momentos, aqueles em que o ouvido luta um pouco para reconhecer o que não lhe é peculiar, quase caí pra trás. Ali estavam, como que em formato de aula, todos os elementos do soul: improvisos (incríveis), melismas (perfeitos), uma base instrumental genuína (maravilhosa), coro responsivo e vocalização a três vozes, sem o baixo. Descobri que há um segmento da música gospel3 brasileira que executa um black de altíssima qualidade. Agora eu sei onde encontrar os verdadeiros soul-men brasileiros. [Algumas amostras: Dê o seu melhor, A coroa, Jesus meu guia é, Minha pequena luz, Vem louvar, CaridadeTocou-me, Bendito, Te louvo, Pra louvar]
  
E, voltando ao assunto original do texto, pra ser bem sincero, acredito que Tim Maia apenas fez sucesso devido a uma feliz confluência de fatores – os quais não tenho base para julgar. Não vi nada de especial em seu trabalho para que fosse entronizado entre os grandes nomes de nossa música. Talvez seja como o caso do escritor americano Ernest Hemingway, com seu “O velho e o mar”. Deve ter sido ótimo em sua língua original, na época em que foi escrito. Mas, visto hoje em dia, não é muito superior a um livro bem escrito de alguma série adolescente.

Aos fãs de Tim meu “sinto muito”, mas Raiz Coral e companhia são a excelência em soul music em solo brasileiro.


1Ed Motta canta soul
2Essa cópia não era minha
3Tem gente que torce o nariz ao ouvir falar de música gospel. Se você é um desses, veja esse vídeo.

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